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Sob o medo, equatorianos escolhem entre um jovem milionário e a volta do ex-presidente Rafael Correa

O Equador vai às urnas neste domingo para definir como continua o mandato do presidente Guillermo Lasso que, para evitar uma destituição, dissolveu o Parlamento numa manobra constitucional que implica sacrificar o próprio cargo. O próximo presidente estará no poder apenas até maio de 2025, um tempo limitado para medidas de transformação. A campanha eleitoral foi marcada pelo medo tanto dos eleitores quanto dos candidatos.

Uma imagem combinada mostra os candidatos presidenciais equatorianos Luisa Gonzalez e Daniel Noboa participando de um evento, em Quito, Equador, em 12 de outubro de 2023.
Uma imagem combinada mostra os candidatos presidenciais equatorianos Luisa Gonzalez e Daniel Noboa participando de um evento, em Quito, Equador, em 12 de outubro de 2023. REUTERS - KAREN TORO
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Márcio Resende, correspondente da RFI para a América Latina

Embora o Equador tenha problemas econômicos acentuados como elevado déficit fiscal, desemprego e êxodo de equatorianos ao exterior, o assunto que marcou esta campanha é uma inédita e crescente violência que inclui diversos atentados a políticos.

Numa eleição atípica, pela primeira vez, um presidente aplicou o recurso constitucional conhecido como “morte cruzada”, através do qual Guillermo Lasso dissolveu o Parlamento, de maioria opositora, para evitar a votação de um “impeachment” por suposta corrupção, que ele nega. Mas a manobra de matar a Assembleia Nacional significa a própria morte política do presidente Lasso, obrigado a convocar novas eleições para terminar o seu próprio mandato quanto dos 137 legisladores.

Esses novos mandatos começam em dezembro e vão até maio de 2025. São apenas 15 meses de governo. O incentivo para que um candidato dispute um mandato apenas tampão é a reeleição. Sempre é mais fácil continuar no poder do que chegar ao poder, ainda mais quando os dois candidatos em disputa, embora fossem deputados no dissolvido Parlamento, eram desconhecidos até se tornarem candidatos.

“Aqui entra uma lógica de transição para um eventual mandato seguinte. Este não é um novo mandato, mas o término do atual, sendo uma espécie de trampolim a um eventual novo mandato a partir de 2025”, explica à RFI o cientista político equatoriano e especialista em Segurança Fernando Carrión.

Se Luisa González ganhar, isso significa a volta ao poder do chamado “correísmo”, corrente que responde ao ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), hoje asilado na Bélgica. Por meio de algum mecanismo jurídico, o próprio Correa poderia voltar ao país, onde está condenado a oito anos de prisão por corrupção. Por isso, o país se divide entre pró e anti Rafael Correa.

Intenções de voto

As pesquisas dizem que a maioria da sociedade é anti-Rafael Correa, opondo-se à volta dessa corrente ao poder.

No primeiro turno, em 20 de agosto, a candidata de Rafael Correa, Luisa González, ganhou com 33,6% dos votos, dez pontos acima de Daniel Noboa, com 23,6%. No entanto, neste segundo turno, a soma dos outros candidatos anti-Correa deram a Noboa uma vantagem de até 11 pontos sobre Luisa González.

Segundo as sondagens, porém, essa vantagem diminuiu a apenas 5 pontos, depois do debate eleitoral do dia primeiro de outubro. Fernando Carrión avalia que o bom desempenho de Luisa González explica esse estreitamento das diferenças.

“Luisa González foi muito melhor do que Daniel Noboa. Ela foi concisa, firme e clara. Ele mostrou-se bastante fraco, lendo muito, com frases armadas. Isso o fez cair nas pesquisas, mas não o suficiente para perder a eleição. A minha impressão é que os 11 pontos de diferença reduziram-se a cinco, mas parece-me que nesta reta final recuperou um pouco do terreno perdido, podendo terminar com uma vantagem de seis ou sete pontos”, aposta Carrión.

As sondagens só podem ser divulgadas até o dia 5 de outubro, dez dias antes das eleições. Qual será o comportamento de última hora dos indecisos? Essa é a incógnita que poderia surpreender.

Candidatos ventríloquos

Os dois candidatos eram deputados no Parlamento que o presidente Guillermo Lasso dissolveu. Ou seja: o próximo presidente virá do alvo do ex-presidente.

Luisa González, de 47 anos, é do partido Revolução Cidadã, do ex-presidente Rafael Correa, expoente do chamado Socialismo do século XXI, criado pelo ‘chavismo’ da Venezuela e aderido por Cuba, Nicarágua, Bolívia e Equador.

“Luisa González é uma epígona de Rafael Correa, enquanto Daniel Noboa seria do seu pai. É o que eu chamo de ventriloquismo político num país sem partidos”, aponta Fernando Carrión, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Daniel Noboa, é da Aliança ADN. Noboa é um candidato da direita, enquanto a sua aliança se anuncia de centro-esquerda.

O jovem Daniel Noboa, de apenas 35 anos, é filho do magnata Álvaro Noboa, o homem mais rico do Equador, quem tentou chegar à Presidência cinco vezes, sendo derrotado pelo ex-presidente Rafael Correa em 2006. Agora, o filho pode derrotar o “correísmo” logo na sua primeira tentativa.

“Daniel Noboa é um tecnocrata de direita. Tecnocrata porque se formou muito bem em universidades norte-americanas e porque tem uma visão liberal da economia. O curioso é que durante algum tempo flertou com o ‘correísmo’ contra o qual agora disputa. É interessante porque, se observarmos bem, ele não se apresentou como ‘anti-correísta’ durante a campanha eleitoral”, ressalta Carrión, indicando que a estratégia visaria romper com a polarização do país.

Ciente de que a maioria da população tem medo da volta do “correísmo” ao poder, neste segundo turno, Luisa González procurou mostrar autonomia de Rafael Correa, mostrando um lado mais familiar, religioso e feminino, embora a candidata seja contra o aborto, mesmo em caso de estupro.

“O voto ‘correísta’ gira em torno dos 30% que Luisa González obteve no primeiro turno. Para conseguir esse volume de voto, ela exibiu Rafael Correa. Mas, no segundo turno, ela procurou descolar-se porque, em vez de ganhar mais votos, perderia. Como já tinha o que Rafael Correa lhe transferiu, apontou para três tipos de eleitores: os populares, as mulheres e os jovens, sendo esses dois últimos os eleitorados de Daniel Noboa”, observa Carrión.

Noboa apresenta-se como o futuro, enquanto González, associada com Rafael Correa, representa a volta ao passado. Numa mudança de tática, Luisa González parou de repetir o ‘slogan’ do “aquilo que fizemos”.

“Em 2007, o voto em Rafael Correa era um voto jovem, mas essa geração cresceu. O voto jovem de agora é de Daniel Noboa, que, no primeiro turno, também ficou com o voto feminino. Noboa ainda soma o voto dos setores médios da população, além dos setores de alta renda”, explica Carrión.

Os dois prometem as mesmas coisas: segurança e emprego, respectivamente, as duas principais preocupações dos equatorianos. Mas Noboa promete linha dura, além de uma redução de impostos para gerar novas empresas e empregos.

Segurança, ponto central da campanha

No dia 9 de agosto, o candidato a presidente Fernando Villavicencio foi assassinado na saída de um comício. Como Villavicencio era um inimigo de Rafael Correa, muitos acreditaram na teoria da conspiração que associa o “correísmo” com a violência, ainda mais depois que um dos envolvidos no crime acusou o ex-presidente Correa de ser o autor intelectual.

O medo de um novo atentado atravessou esta campanha. Os candidatos evitaram exposições públicas em palanques, optando pelas redes sociais onde também estão os jovens que votam em Daniel Noboa e que Luisa González quer conquistar.

A principal preocupação dos equatorianos é com a segurança. O país tem vivido dias de comoção não só com o assassinato de Fernando Villavicencio, mas com outros 13 atentados, só neste ano. São políticos, promotores, juízes e diretores de penitenciárias.

O Equador não conhecia esse nível de violência. Era um país relativamente seguro até cinco anos atrás.

Até 2018, o Equador tinha 9,8 mortes a cada 100 mil habitantes. No ano passado, essa relação subiu para 25,9, quase o dobro de 2021, e este ano pode passar de 40, fazendo o Equador superar em homicídios a Venezuela, o país mais violento da América Latina com 40 assassinatos a cada 100 mil habitantes (no Brasil, são 18,8).

Com vários portos no Pacífico para escoar drogas, com forças de segurança vulneráveis à corrupção e com uma economia dolarizada, o Equador, repentinamente, tornou-se o alvo dos carteis da Colômbia e do México. Extorsões, sequestros e assassinatos.

Por exemplo, na semana passada, numa provável queima de arquivo, os sete suspeitos de terem participado do assassinato do candidato Fernando Villavicencio, seis deles colombianos, foram executados nas penitenciárias, onde estavam presos.

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