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Linha Direta

Equador: segundo turno presidencial será disputado por jovem empresário e candidata socialista

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Apesar dos episódios de violência das últimas semanas no Equador, não foram os candidatos “linha-dura” os que tiveram melhor desempenho nas eleições gerais. O candidato assassinado, Fernando Villavicencio, foi homenageado com o terceiro lugar na disputa e o seu partido terá a segunda maior bancada no Parlamento. Paralelamente, os equatorianos votaram na preservação do meio-ambiente ao proibirem uma exploração de petróleo numa reserva da Amazônia.

Uma bandeira do Equador é agitada na campanha presidêncial, com foto do candidato assassinado Fernando Villavicencio ao fundo (11/08/23).
Uma bandeira do Equador é agitada na campanha presidêncial, com foto do candidato assassinado Fernando Villavicencio ao fundo (11/08/23). AFP - RODRIGO BUENDIA
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Daniel Noboa, da Aliança ADN, foi mesmo a grande surpresa destas eleições, quando todos esperavam bons desempenhos dos candidatos linha-dura que propunham penitenciárias e a militarização do país para combater o crime organizado.

O jovem empresário teve uma guinada nesta reta final, desde o debate televisivo de uma semana atrás (13), atraindo o voto dos jovens com duas promessas: segurança e emprego, as duas questões prioritárias para os equatorianos. A reviravolta não foi detectada pelas pesquisas de intenção de voto.

“Daniel Noboa foi muito bem. Apresentou dados contundentes, aproveitou a sua boa formação. Foi um dos destaques”, aponta à RFI o cientista político equatoriano, Fernando Carrion, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Enquanto Daniel Noboa falava de futuro, a candidata Luisa González se baseava no que o seu partido tinha feito no passado. González é candidata do movimento Revolução Cidadã, do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), autoexilado na Bélgica e condenado por corrupção no Equador.

Luisa González ficou com 33,27% dos votos, enquanto Daniel Noboa obteve 23,68%.

Apesar de ter ficado em segundo lugar, a tendência é que Daniel Noboa vire o jogo por dois motivos: porque a maioria dos outros candidatos, agora de fora da corrida, são opositores ao ex-presidente Rafael Correa e porque Luisa González já está próxima do seu teto de votos.

“O ‘anticorreísmo’ não é só de direita. Há todo um setor da esquerda e da centro-esquerda bastante contrário à corrente política do ex-presidente, Rafael Correa”, ressalta à RFI o politólogo equatoriano, Simón Pachano, da FLACSO.

Impacto do atentado

A candidata Luisa González reconheceu que o assassinato de Fernando Villavicencio afetou o seu volume de votos. Uma parte da população acreditou na teoria da conspiração de que o ex-presidente Rafael Correa tenha algum envolvimento com o ataque, embora Correa não esteja em nenhuma linha de investigação.

O candidato Fernando Villavicencio, do movimento Contruye (Constrói) foi um ferrenho crítico de Rafael Correa, publicando denúncias fundamentais para a condenação do ex-presidente.

Neste domingo, as cédulas tinham o rosto do candidato assassinado no dia 9 de agosto. A votação em Villavicencio foi expressiva. Uma homenagem a quem morreu por combater a corrupção.

Os votos foram derivados para o substituto, Christian Zurita, quem ficou em terceiro lugar com 16,51% dos votos, mas o seu partido ficou em segundo lugar no Parlamento, com 20,68% dos votos.

Em primeiro lugar para o Parlamento, ficou o partido do ex-presidente Rafael Correa com 39,34% dos parlamentares, enquanto o partido de Daniel Noboa ficou em terceiro com 14,68%.

“Se Daniel Noboa ganhar, a bancada ‘correísta’ terá bastante expressão para tentar bloquear as suas iniciativas”, observa Pachano.

Dois opostos em disputa

Luisa González, de 45 anos, acaba de entrar para a história do Equador como a primeira mulher a disputar um segundo turno. Durante os 10 anos de governo de Rafael Correa, Luisa González ocupou vários cargos, chegando, inclusive, a vice-ministra de Gestão Turística (2014), à secretária geral do Gabinete Presidencial (2015) e à secretária nacional da Administração Pública (2017).

A vitória de Luisa González pode abrir o caminho para a volta ao Equador sem ser preso do ex-presidente Rafael Correa.

“De alguma forma, ela buscaria uma anistia para Correa, alguma forma para ele se livrar dos problemas judiciais. Esse é o objetivo político”, acredita Pachano.

A surpresa destas eleições tem 35 anos e é filho do empresário Álvaro Noboa, quem tentou, sem sucesso, chegar à Presidência cinco vezes. A mãe de Daniel Noboa, a médica Annabella Azin, foi legisladora e tentou a vice-presidência. Agora, o filho pode realizar o sonho dos pais.

Enquanto a advogada Luisa González tem origem na zona rural, o administrador de empresas, Daniel Noboa, vem de uma família de magnatas. O pai é um dos mais ricos do país, assim como o avô Luis Noboa, um dos empresários mais importantes do Equador no século passado.

Daniel Noboa ganhou o voto jovem por representar o novo. Luisa González, por sua vez, apelou ao passado.

O analista político Fernando Carrion explicou à RFI que Luisa González foi uma espécie de ventríloquo do ex-presidente Rafael Correa, indicando que o futuro do Equador era voltar ao passado e afirmando que o ex-presidente será o seu assessor num futuro governo.

“Luisa González se tornou uma espécie de ventríloquo do ex-presidente Correa. Durante o debate, por exemplo, ela disse que o seu grande assessor será o ex-presidente Correa. Também defendeu que o passado seja o futuro do Equador, ao afirmar que o que fizeram durante aquele governo será o que voltarão a fazer. Isso a levou a perder o debate”, considera Fernando Carrion.

Os analistas acreditam que se possa repetir agora o que aconteceu com o candidato a vice de Luisa González, o economista Andrés Arauz.

Arauz foi candidato a presidente em 2021 e chegou ao segundo turno com volume de votos semelhante ao de Luisa González agora, mas foi derrotado por outro empresário, o atual presidente Guillermo Lasso.

“Há dois anos, a diferença de votos era de 13 pontos (agora menos de 10 pontos) e Lasso ganhou de Arauz com cinco pontos de vantagem. Ou seja: o ‘anticorreísmo’ foi muito mais forte do que o ‘correísmo’. Mesmo que o governo Lasso tenha decepcionado muita gente, a tendência é que o ‘anticorreísmo’ repita o resultado, mesmo que mais acirrado”, aposta Simón Pachano, em entrevista à RFI.

Preservação do meio-ambiente em vez de exploração de petróleo

Nos dois plebiscitos paralelos, os equatorianos votaram por preservar o meio-ambiente em vez de continuar com a exploração econômica de dois recursos naturais.

Um desses plebiscitos visa proibir a exploração de minério de uma reserva de Chocó Andino, localizada a noroeste da capital, Quito. Mais de 68% são favoráveis à proibição.

Mas a mais importante decisão implica parar a exploração de petróleo do bloco 43-ITT, situado no Parque Nacional Yasuní, na Amazônia equatoriana. Mais de 59% dos eleitores são a favor de não explorar essa área rica em petróleo, mas também em biodiversidade e habitat de uma das últimas tribos isoladas da Amazônia.

O fim da atividade implica resignar uma produção diária de 55 mil barris, equivalentes a 11% da produção de petróleo do Equador. São cerca de US$ 1,2 bilhão a menos de receita anual.

Porém, os blocos 16, 31 e 67 em atividade desde os anos 1980 no mesmo parque nacional vão continuar em atividade.

Para o analista Simón Pachano, essa é uma boa notícia para o meio-ambiente, mas ruim para o próximo governo porque retira uma importante receita da economia equatoriana.

“A situação econômica é muito ruim. O próximo governo terá sérios problemas em termos de balança de pagamento. Será muito difícil superar isso no curto prazo”, adverte.

O analista Fernando Carrion também acrescenta que, em 25 de novembro, quando o novo governo assumir, depois do segundo turno em 15 de outubro, o país vai começar a enfrentar o fenômeno climático “El Niño”, que deve afetar 10% do Produto Interno Bruto do Equador.

“Cerca de 10 pontos a menos do PIB. Ou seja: o próximo presidente, basicamente, vai administrar as perdas geradas pelo fenômeno. E, conhecendo a cultura política do Equador, a partir de janeiro de 2024, começa a campanha para as eleições de 2025”, indica Fernando Carrion à RFI.

O eleito terá um mandato curto, de apenas 18 meses, até maio de 2025, para completar o período do presidente Guillermo Lasso que, em maio passado, dissolveu o Parlamento para evitar um ‘impeachment’.

Curiosamente, tanto Luisa González quanto Daniel Noboa eram parlamentares nesse Congresso e agora um dos dois vai dar um pulo político à presidência.

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