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França: relatório revela práticas ilícitas na adoção internacional como roubo e compra de crianças

O relatório de uma missão de fiscalização dos ministérios franceses de Relações Exteriores, Justiça e Infância, encarregada em novembro de 2022 de esclarecer práticas ilícitas na adoção internacional, foi apresentado nesta quarta-feira (13) ao governo francês, em presença de ONGs. O documento revela que práticas como falsificação de documentos, roubo e compra de crianças eram comuns. 

O relatório de uma missão de fiscalização dos ministérios franceses de Relações Exteriores, Justiça e Infância, encarregada de esclarecer práticas ilícitas na adoção internacional foi apresentado esta quarta-feira (13) ao governo francês, em presença de ONGs. Foto ilustrativa
O relatório de uma missão de fiscalização dos ministérios franceses de Relações Exteriores, Justiça e Infância, encarregada de esclarecer práticas ilícitas na adoção internacional foi apresentado esta quarta-feira (13) ao governo francês, em presença de ONGs. Foto ilustrativa © Pixabay
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O documento era aguardado com ansiedade por pessoas adotadas na infância que, uma vez adultas, notaram irregularidades em seus processos de adoção. Há anos, testemunhos e investigações jornalísticas revelam e alertam para os abusos da adoção internacional.

Fabio Macedo, historiador e pesquisador da Universidade de Angers, realizou um estudo histórico sobre práticas ilícitas observadas na França desde a década de 1950. “Vai desde a falsificação de documentos do estado civil, em particular, até ao engano da família biológica", relata. "Poderíamos dizer à mãe que esta criança ia ser cuidada num centro de acolhimento infantil e quando foram buscar esta criança, ela já não estava lá. A criança tinha sido entregue para adoção internacional", diz.

Em entrevista à RFI no ano passado, Macedo relatou que outro crime que aparece de forma recorrente é a fraude de documentação para "facilitar" a adoção. “Se pegamos o caso do Brasil, tem aquilo que é chamado de 'adoção à brasileira’. A mulher tem a criança, só que ao invés dela, do pai da criança ou de alguém da família dessa mãe registrar a criança no cartório, quem vai é o 'casal adotivo'. Isso é um tipo de fraude que existiu bastante [no Brasil] no começo dos anos 1980", conta o historiador. 

Associações de pessoas adotadas exigem respostas

As dezenas de milhares de pessoas adotadas nas décadas de 1970, 1980 ou 1990 ainda exigem respostas. Treze associações internacionais de pessoas adotadas no Sri Lanka, na Coreia, no Mali e em Ruanda, entre outros países, criaram um coletivo para se ajudarem mutuamente. 

“Quando se tornam pais, os adotados querem transmitir a sua história. Ou quando os pais adotivos morrem, querem conhecer seus pais biológicos”, explica Marie Marre, médica e fundadora do Coletivo de Adotados Franceses do Mali.

Para alguns, a investigação revela inconsistências, diferentes datas de nascimento em vários documentos, falsificação de certidões, ausência de consentimento da mãe para o abandono, segundo as associações.

“No Mali, por exemplo, pais biológicos foram informados de que seu filho iria para França para receber educação ou tratamento e que regressaria. Aos pais adotivos, a associação afirmou que a mãe abandonou a criança. As famílias nunca mais viram o filho”, explica Marie Marre.

Após uma busca por suas origens no Sri Lanka e a descoberta de um tráfico de crianças contadas no livro "Good Morning Nilanthi", Céline Breysse criou o Coletivo dos adotados do Sri Lanka que dá apoio gratuito a outros adotados. 

Alguns depoimentos colhidos no país relatam o desaparecimento de crianças em maternidades. “Uma mãe explicou que havia dado à luz no meio da noite uma criança saudável. Aí o médico voltou dizendo que a criança havia morrido. Ela nunca viu o corpo", relata a médica. 

Nomes falsos em certidões de nascimento

Algumas práticas e a existência de redes ilegais impedem os interessados de localizar suas famílias de origem. 

“Uma mulher adotada encontrou a pessoa cujo nome aparecia em sua certidão de nascimento no Sri Lanka. Ela disse que não era sua mãe, mas que havia recebido dinheiro através de intermediários para assinar os documentos, segundo Breysse, que afirma que este caso não é isolado. Quando descobrimos que os documentos são falsos, que a adoção ocorreu sem o consentimento da mãe biológica, fica complexo de conviver”, afirma Breysse. 

Em janeiro de 2024, foram apresentadas 28 recomendações às partes envolvidas, centradas principalmente no futuro da adoção internacional. Para as associações, as observações representaram uma inconsistência flagrante, porque o número de crianças vindas do exterior diminui constantemente nos últimos anos.

Yves Denéchère, autor com Fabio Macedo da pesquisa sobre práticas ilícitas na adoção internacional na França, confirma que as ações ilegais têm sido numerosas. "Não são generalizados, mas dependendo do período, podemos encontrá-los no Peru, Brasil, Nepal, Guatemala, Mali, Sri Lanka, Romênia, Madagascar e outros lugares”, enfatiza.

“Essas não foram exceções, muitas pessoas que adotaram sabiam o que estava acontecendo. As autoridades, ministérios e associações francesas estavam cientes. Correspondências entre embaixadores ou cônsules e o Quai d’Orsay mencionaram estas práticas ilícitas”, explica.

As associações exigem o direito — supervisionado e gratuito — dos adotados de realizarem testes de DNA para verificar seus laços familiares. No entanto, eles são proibidos na França. 

As ONGs pedem também que os adotados possam receber apoio logístico, financeiro e humano para reencontrarem suas famílias biológicas.

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