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França: há 80 anos mulheres conquistavam o direito ao voto rumo à igualdade política

Em 21 de abril de 1944, as mulheres francesas estavam entre as últimas da Europa a conquistar o direito de voto. Essa vitória, que completa 80 anos neste domingo, foi o ponto culminante de mais de um século de luta e debate em favor da igualdade política na França.

As 'sufragistas francesas' se manifestam para exigir o direito de voto em Nantes, em 27 de outubro de 1934, durante um congresso do Partido Socialista Radical.
As 'sufragistas francesas' se manifestam para exigir o direito de voto em Nantes, em 27 de outubro de 1934, durante um congresso do Partido Socialista Radical. © AFP
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Caroline Renaux, da RFI

Em 1848, a França foi pioneira no direito de voto para todos os homens, tornando-se um dos primeiros países do mundo a introduzir o sufrágio universal masculino. As mulheres, por outro lado, tiveram que esperar até 1944 para obter o direito ao voto. Confinadas aos papéis de esposas e guardiãs do lar, até então elas eram excluídas da esfera política, consideradas inferiores, sugestionáveis e imaturas.

Na mesma data, as mulheres neozelandesas já haviam desfrutado desse direito por 47 anos, em comparação com 38 anos para as finlandesas, 26 anos para as britânicas (com mais de 30 anos de idade) e 21 anos para as turcas. Diante do atraso da França, a luta pela igualdade política terá levado mais de um século para ser satisfeita.

Um assunto de homens

Entretanto, já na Revolução Francesa, vozes como as de Condorcet e Olympe de Gouges - ativista política e abolicionista francesa - se levantaram em favor do sufrágio feminino. No entanto, seus apelos não foram atendidos, pois as mulheres foram oficialmente excluídas do direito ao voto pela Assembleia Nacional em 22 de dezembro de 1789 e, posteriormente, pela Constituição de 1791. "Em resposta, Olympe de Gouges escreveu em sua Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã: "As mulheres têm o direito de estar no palco da guilhotina; elas também devem ter o direito de estar no pódio", na qual ela denunciava a desconsideração dos direitos das mulheres, que haviam sido ignorados nos textos legais.

A introdução do sufrágio universal masculino em 1848 marcou um ponto de virada nessa luta. "A partir do momento em que o direito de voto foi concedido a todos os cidadãos e a todos os franceses, a questão de todas as francesas e de todos os franceses realmente surgiu", explica a historiadora Anne-Sarah Bouglé-Moalic, autora de Vote des Françaises: cent ans de débats,1848-1944 (Voto das mulheres francesas: cem anos de debate, 1848-1944).

Sufragistas francesas do lado de fora do Parlamento em Paris, em 1934, segurando cartazes que diziam: "As mulheres francesas devem votar".
Sufragistas francesas do lado de fora do Parlamento em Paris, em 1934, segurando cartazes que diziam: "As mulheres francesas devem votar". © AFP

Cinco recusas do Senado

Foi somente com a Terceira República, proclamada em 1870, que a aquisição desse direito se tornou um objetivo comum, especialmente sob o impulso de Hubertine Auclert, que solicitou a revisão do Código Civil em favor da educação e da independência econômica das mulheres, bem como do direito ao voto e ao divórcio.

"Ela conseguiu convencer todo o movimento feminista a apoiar a ideia de que o direito ao voto era a pedra angular de todos os outros direitos. Em sua opinião, uma vez que as mulheres fossem cidadãs, elas poderiam trabalhar para sua total emancipação", resume a historiadora francesa Christine Bard.

Gradualmente, o movimento feminista francês começou a priorizar a conquista da cidadania. Em 1909, foi fundada a Union française pour le suffrage des femmes (União Francesa pelo Sufrágio das Mulheres) e, em 26 de abril de 1914, o jornal diário Le Journal organizou um referendo não oficial entre as mulheres. Em resposta à pergunta "Senhoras, vocês gostariam de votar um dia?", cerca de 506 mil mulheres disseram "Eu gostaria de votar", enquanto apenas cerca de cem disseram "não".

Após a Primeira Guerra Mundial, quando o sufrágio universal estava sendo estendido por toda a Europa e muitas mulheres francesas haviam participado do esforço de guerra, a Câmara dos Deputados aprovou vários projetos de lei para estender o direito de voto às mulheres.

Mas havia resistência à ideia de que as mulheres pudessem apoiar a Igreja Católica nas urnas ou que não fossem aptas a votar. "Mais do que para manusear a cédula eleitoral, as mãos das mulheres são feitas para serem beijadas, beijadas com devoção quando são mãos de mães, com amor quando são mãos de esposas e noivas. [...] Seduzir e ser mãe, é para isso que as mulheres foram feitas", escreveu o senador Alexandre Bérard em um relatório parlamentar em 1919. No final da guerra, outros também temiam a superioridade numérica das mulheres. "Dar às mulheres o direito de votar significava dar a elas a maioria do eleitorado", comentou Christine Bard. Entre 1919 e 1936, o Senado se opôs ao sufrágio feminino em cinco ocasiões.

Mulheres eleitas sem poder votar

Bloqueado pela ala conservadora do Parlamento, o movimento a favor do sufrágio feminino, representado pelas "sufragistas", redobrou seus esforços. Em 1925, várias candidatas concorreram às eleições municipais na lista do Partido Comunista, aproveitando o fato de que não havia nada na Constituição que exigisse que as candidatas fossem elegíveis. Ao todo, sete mulheres foram eleitas nas listas comunistas e permaneceram nas listas até que sua eleição fosse invalidada.

Apesar de não poderem votar ou se candidatar, algumas mulheres foram nomeadas para cargos governamentais já em 1936. Três delas foram nomeadas subsecretárias de Estado no governo formado por Léon Blum após a vitória da Frente Popular.

Outras insistem no "direito natural das mulheres de serem reconhecidas como cidadãs" e na "utilidade social do direito ao voto", como explica Christine Bard. "Muitas feministas enfatizam os benefícios para a sociedade de ter mulheres cidadãs para combater males sociais como prostituição, tuberculose e pobreza de forma mais eficaz, devido à sua fibra social", diz a especialista.

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A anomalia francesa

Em 18 de março de 1944, o general Charles de Gaulle, na ocasião presidente do Comitê Francês de Libertação Nacional, declarou perante a Assembleia Consultiva Provisória que "o novo regime deve incluir a representação eleita por todos os homens e mulheres da França". Três dias após essa declaração histórica, a portaria sobre a organização dos poderes públicos na França após a Libertação estipulou que "as mulheres serão eleitoras e elegíveis nas mesmas condições que os homens" (artigo 17).

Finalmente, em 24 de março de 1944, essa mesma assembleia adotou a emenda do deputado comunista Fernand Grenier, estabelecendo o direito de votar e de se candidatar a eleições para todas as mulheres francesas.

Esse texto pôs fim a mais de um século de luta pelos direitos civis das mulheres. "Já era uma anomalia o fato de as mulheres não poderem votar antes de 1944 na chamada terra dos direitos humanos", diz Christine Bard.

"De repente, estamos levando em conta o progresso que as mulheres fizeram na sociedade desde o final do século 19. Elas têm acesso à escola e a um mundo de trabalho que se afastou do trabalho doméstico. As mulheres que sempre foram indispensáveis estão finalmente sendo notadas", continua a autora Anne-Sarah Bouglé-Moalic.

As mulheres francesas foram às urnas pela primeira vez em 29 de abril de 1945 para as eleições municipais, quase 160 anos após a "Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã" de Olympe de Gouges, na qual ela escreveu: "A mulher nasce livre e permanece igual ao homem em direitos".

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