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Certidões falsas e abandono forçado: estudo documenta adoções irregulares de estrangeiros na França

Adoção sem consentimento dos pais, falsificação de documentos, pagamento pelo abandono da criança. Essas são algumas das irregularidades encontradas em um estudo sobre quatro décadas de adoções internacionais feitas por franceses em diversos países, entre eles o Brasil. O relatório, publicado nesta semana, documenta ilicitudes e crimes ocorridos no processo de adoção, no registro da criança e na retirada de seu país de origem. 

O Haiti está entre os cinco países de origem com mais crianças adotadas pelos franceses nas últimas décadas.
O Haiti está entre os cinco países de origem com mais crianças adotadas pelos franceses nas últimas décadas. AP - Dieu Nalio Chery
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O estudo foi feito por Yves Denéchère e Fabio Macedo, dois historiadores da Universidade de Angers, e revela a face sombria do aumento no número de adoções internacionais realizadas por franceses a partir de 1979.

Os pesquisadores analisaram milhares de arquivos diplomáticos do Ministério de Relações Exteriores francês sobre o assunto e encontraram denúncias de diversas práticas ilícitas no processo de adoção de crianças. Os pesquisadores estudaram documentos até 2021, que traziam informações sobre adoções em dezenas de países. 

“O problema mais corriqueiro é o da falta de consentimento por parte da família biológica. Seja falta de consentimento livre e esclarecido da mãe, seja da família biológica”, explica Macedo.

No período estudado, os países de origem com maior número de crianças adotadas por franceses foram Vietnã, Colômbia, Coreia do Sul, Haiti e Brasil. 

Outro crime que aparece de forma recorrente é a fraude de documentação para "facilitar" a adoção. “Se pegamos o caso do Brasil, tem aquilo que é chamado de ‘adoção à brasileira’. A mulher tem a criança, só que ao invés dela, do pai da criança ou de alguém da família dessa mãe registrar a criança no cartório, quem vai é o 'casal adotivo'. Isso é um tipo de fraude que existiu bastante [no Brasil] no começo dos anos 80", conta o historiador. 

Pagamento pela criança

A análise de casos e denúncias permitiu aos pesquisadores perceber certos padrões e mostrar ilicitudes sistemáticas. No caso brasileiro, a busca de franceses por crianças criou nas décadas de 1980 e 1990 um mercado de advogados especialistas em adoção internacional no país. “Estes especialistas, em vez de buscarem crianças disponíveis nos abrigos e orfanatos públicos ou privados, iam buscar crianças nas periferias pobres das cidades brasileiras”, conta o historiador brasileiro.

“Nas periferias, eles identificavam uma mãe adolescente ou um casal que já tinha vários filhos e estava esperando mais um e faziam uma proposta de dinheiro e asseguravam que a pessoa tivesse uma gravidez razoável do ponto de vista material. Assim que a criança nascia, ele fazia a fraude ou o processo de adoção internacional.” 

O relatório documenta denúncias de tráfico de crianças, com compra de menores, e sequestro envolvendo casais franceses no Vietnã, no Camboja, na Índia, em Madagascar. Também há relatos de mães forçadas a abandonarem seus filhos em países da América Latina.

Boa parte das adoções com traços de ilegalidade aconteceram em países pobres e em momentos de crises, como conflitos armados ou crises humanitárias.

Falta de controle promoveu facilidade de fraudes

Em diversos países, a falta de organização no processo de adoção internacional promoveu um cenário propício a ilicitudes. Foi o que acontecia no caso brasileiro, por exemplo. 

Segundo Macedo, até a década de 1980 "era possível fazer uma adoção no país sem passar pelo Juizado de Menor" e, em alguns casos, passando apenas pelo cartório.

"O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] vai reorganizar o sistema de adoção no Brasil. Ele prevê a criação das comissões estaduais judiciárias de adoção internacional em todos os estados da federação. A partir desse momento, meados dos anos 90, o processo começa a centralizar o que estava espalhado pelas comarcas e sem qualquer controle", diz o historiador.

Macedo destaca que não é possível quantificar o número de adoções realizadas neste período com indícios de ilegalidades entre as 120 mil crianças estrangeiras adotadas por famílias francesas - dentre elas 6 mil brasileiras.

O problema tem sido abordado nos últimos anos a partir de adultos adotados que buscam suas origens e descobrem crimes no seu processo de saída do país. O objetivo dos pesquisadores agora é recolher testemunhos de crianças adotadas por franceses que foram em busca de sua origem, em um novo passo da pesquisa. 

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