EUA: voluntários protegem mulheres que buscam aborto em clínica no Mississippi
Os Estados Unidos aguardam ansiosamente uma decisão iminente da Suprema Corte sobre o direito ao aborto. Se o mais alto tribunal dos EUA autorizar, 26 estados – mais da metade do país – podem proibir ou restringir fortemente o acesso ao aborto. Até essa decisão, equipes de voluntários continuam protegendo clínicas todos os dias, diante das quais ativistas antiaborto estão mobilizados.
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Marie Normand, enviada especial da RFI aos EUA
Com seu colete de arco-íris e óculos escuros, Derenda Hancock, 63, enfrenta os ativistas antiaborto. Ela conhece essas pessoas pelo nome e hábitos. Por nove anos, ela coordenou o "Pink House Defenders" (defensores da casa rosa), a equipe de defesa da Pink House of Jackson, a última clínica a realizar abortos no Mississippi.
Para poder se dedicar a essa missão, Hancock resignou-se a trabalhar em tempo parcial. “Eu preciso estar aqui. Alguém tem que fazer isso. As pacientes já enfrentaram tantas dificuldades antes de chegar à clínica. Elas precisam de um rosto sorridente para recebê-las e ajudá-las”, explica.
Todos os dias, ela ajuda essas mulheres, que chegam de carro, a atravessar o bloqueio de ativistas antiaborto postados na calçada da clínica. E as protege – tanto quanto for possivel - de insultos e até ameaças de morte. Muitas vezes, os Pink House Defenders tocam música para abafar os gritos dos manifestantes.
"Quem nos apoia pode perder o emprego"
Cerca de quinze voluntários se revezam em frente à clínica. Alguns ajudam apenas ocasionalmente. Em geral, os candidatos a esse trabalho não são frequentes. “Muitos daqueles que nos apoiam o fazem silenciosamente. Se mostrassem esse apoio, poderiam perder o emprego, a família, os amigos”, garante Derenda Hancock.
No Mississippi, falar sobre aborto é tabu e defender esse direito é ainda mais. No mês passado, a coordenadora conta que recebeu dez ofertas de ajuda por e-mail. Mas no final, ninguém deu continuidade.
Ela nos conduz a uma casa onde suas equipes podem descansar, a poucos metros da clínica. Desde a notícia de uma decisão iminente da Suprema Corte sobre o direito ao aborto, os ativistas antiaborto tornaram-se ainda mais agressivos contra os funcionários da clínica. “A melhor proteção é conhecer seu inimigo. Sabemos tudo sobre eles e estamos constantemente trabalhando para descobrir mais”, diz ela. Quando não está na frente da clínica, ela admite passar a maior parte do tempo pesquisando a respeito deles.
"Você não sabe como reagir se for cuspido”
Ren, 24, começou a doar algumas horas de seu tempo há apenas um mês. “Vou lá uma ou duas vezes por semana, e fico cerca de duas horas. É muito exaustivo”, relata. Para se proteger, a estudante diz que toma algumas precauções. Por exemplo, ela prefere vir a pé, para não expor a placa de seu carro. "Não quero que saibam quem sou, onde moro, onde trabalho", diz Ren. "Nós os chamamos de 'anti'. Eles me fazem pensar em uma mistura entre terroristas e esses adolescentes que fazem bullying com seus colegas na faculdade”.
Antes de enfrentar esses ativistas antiaborto, cada novo voluntário deve passar por um longo período de treinamento. Por várias semanas, há a proibição de interagir com os manifestantes. "No início, a equipe de defesa da clínica não sabe como os novos vão reagir ao serem cuspidos", explica a jovem. "E honestamente, você nem sabe do que é [o manifestante é] capaz quando alguém te diz que você merece morrer ou ser estuprada."
Uma regra de ouro: evitar todo contato físico, mesmo que um dos manifestantes ultrapasse os limites da propriedade. Os defensores da clínica são orientados a filmar a cena e enviar o vídeo para as autoridades. No entanto, a polícia de Jackson parece relutar em intervir. "Os policiais não fazem nada", lamenta Derenda Hancock, coordenadora dos defensores da Pink House. “É até raro um carro da polícia passar por aqui. Não há aplicação da lei."
Segundo ela, outras clínicas estão passando pela mesma situação. Se a Pink House de Jackson fechasse, Derenda gostaria de continuar protegendo outros estabelecimentos. Ela garante que os manifestantes atualmente presentes em frente à clínica não vão parar no Mississippi: “Eles irão para outro lugar, até abolir o aborto no resto dos Estados Unidos”.
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