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Direito ao aborto: uma aposta arriscada de Biden antes das eleições de meio de mandato nos EUA

Os Estados Unidos são palco de um ano importante, em que serão realizadas as eleições de meio mandato, em novembro. A campanha foi sacudida no início desta semana pelas revelações do site Politico, segundo o qual o acesso ao aborto poderia sofrer um revés no país. O presidente norte-americano, Joe Biden, encarna o papel do principal defensor deste direito, uma função nem um pouco fácil para um católico fervoroso. 

O presidente norte americano Joe Biden é defensor do direito ao aborto.
O presidente norte americano Joe Biden é defensor do direito ao aborto. AFP - NICHOLAS KAMM
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Com informações de Guillaume Naudin e Loubna Anaki, correspondentes da RFI nos EUA

Entre tantas lideranças e personalidades americanas, o presidente Joe Biden, fez um apelo terça-feira (3), em defesa ao direito ao aborto. O país voltou a entrar em ebulição após o vazamento de um projeto de documento da Suprema Corte americana que pode ser um indício da proibição da prática, considerada por dezenas de milhões de cidadãos como um símbolo da liberdade básica das mulheres. 

Um anteprojeto de autoria do juiz conservador Samuel Alito, datado de 10 de fevereiro, foi revelado pelo site Politico na segunda-feira (2). No texto de 98 páginas, intitulado "Opinião da Corte", o magistrado argumenta que a decisão Roe v. Wade, de 1973, que estabeleceu que a Constituição dos Estados protegia a escolha da mulher de interromper sua gestação, foi "totalmente infundada desde o início". Por isso, Alito é enfático: "Acreditamos que [a decisão] Roe v. Wade deve ser revogada", afirma a cópia do documento revelada. 

Caso a Suprema Corte confirmar a decisão, pode anular o direito ao aborto em todo o país, já que colocaria as leis sobre a interrupção voluntária da gravidez nas mãos das legislaturas estaduais. Acredita-se que metade dos Estados americanos estabeleça a proibição, especialmente os do sul, mais conservadores e religiosos.  

Oklahoma sanciona lei antiaborto

O Estado do Oklahoma, no centro-sul dos Estados Unidos, resolveu se adiantar. O governador republicano Kevin Stitt anunciou na terça-feira ter sancionado uma lei para limitar o aborto após seis semanas de gestação. A legislação, uma das mais restritivas do país, abre exceção a emergências médicas, mas não para casos de estupro ou incesto. No último 12 de abril, o governo já havia imposto uma pena de prisão a qualquer um que realizasse o procedimento, salvo se a vida da mãe correr risco. 

"Quero que Oklahoma seja o Estado mais pró-vida do país porque represento os 4 milhões de habitantes de Oklahoma que, de forma esmagadora, querem proteger os não nascidos", disse Kevin Stitt em seu perfil oficial no Twitter.

Republicanos como Stitt têm pressionado fortemente, durante anos, para anular a decisão Roe vs. Wade. Não é à toa que outros governos locais vêm endurecendo suas leis sobre a questão. Em setembro de 2021, o Texas proibiu a possibilidade de interromper a gestação após seis semanas. Logo depois, o Kentucky se tornou o primeiro Estado americano a proibir o aborto. 

"Direito de escolha"

Biden nunca foi um grande defensor do aborto. Durante toda a sua carreira de senador, sua opinião sobre a questão evoluiu de forma tímida. Católico fervoroso, até recentemente ele preferia se referir à prática como "o direito das mulheres à escolha". 

O presidente americano surpreendeu os progressistas ao afirmar, na terça-feira, por meio de um comunicado, que o acesso ao aborto é um direito fundamental. Em uma posição frágil devido ao apoio à Ucrânia, com uma taxa de popularidade em torno de 40%, alguns analistas acreditam que essa seja, talvez, a oportunidade política para que o líder democrata ganhe confiança do eleitorado. A seis meses das eleições de meio mandato, seu partido pode perder a maioria tanto no Senado como na Câmara dos Representantes. 

A aposta é arriscada para Biden, já que o aborto é um assunto extremamente delicado na sociedade americana. Ativistas em favor da prática duvidam da sinceridade do presidente. Mesmo depois de ser considerado legal, ele não é previsto por lei. Feministas questionam, por exemplo, porque Biden não batalhou mais para inscrever o acesso à interrupção da gestação diretamente na Constituição americana.

Por outro lado, o posicionamento do líder democrata pode também irritar os eleitores republicanos. Para a direita americana, essa foi uma das grandes façanhas do governo Trump: conseguir nomear três dos nove juízes da Suprema Corte, célebres por seu posicionamento antiaborto, abalando o equilíbrio que havia até então entre magistrados progressistas e conservadores. 

Manifestações diante da Suprema Corte

Em Washington manifestantes a favor do direito e contra o aborto protestam diante da Suprema Corte. No entanto, o grupo que se denomina como "pró-vida" é mais efusivo. Hannah Wolfe, a organização Estudantes Pela Vida na América, não hesita em exaltar sua alegria com a possibilidade de revogação da decisão Roe v. Wade. 

"Sabemos que por enquanto é só um projeto, não é uma determinação final, então continuamos a esperar e a rezar. Creio que essa será a melhor decisão, se ela realmente for tomada. Estamos esperando por isso há quase 50 anos", diz à RFI.

A alguns metros do grupo antiaborto, Kate Hoeting exibe um cartaz de sua organização "Católicos pela Escolha". "Algumas pesquisas dizem que oito a cada dez americanos apoiam o acesso ao aborto. Apenas 14% dos católicos acreditam que não deveria existir esse direito", defende. 

O grupo pró-aborto também conta com o apoio de personalidades, como a atriz Amy Schumer, que foi até diante da Suprema Corte manifestar. "Eu sou comediante, mas essa corte é quem faz as piadas. Estamos com raiva e vamos lutar!", declarou. 

Os defensores deste direito também ganharam apoio, nesta quarta-feira (4) de Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). "Restringir o acesso ao aborto não reduz o número de procedimentos, apenas leva as mulheres e meninas a realizar procedimentos inseguros", publicou no Twitter, sem se referir diretamente aos Estados Unidos.

"O acesso ao aborto seguro salva vidas", enfatizou Ghebreyesus. Segundo a OMS, procedimentos inseguros para interromper a gravidez causam cerca de 39.000 mortes por ano em todo o mundo e fazem com que milhões de mulheres sejam hospitalizadas por complicações.

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