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Eleições presidenciais no Egito: como al-Sissi colocou os faraós a serviço da máquina política

O presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, no poder há dez anos e candidato a um terceiro mandato, fez do Egito Antigo um importante instrumento da sua política interna e externa.

Carros passam perto de cartazes da campanha de Abdel Fattah al-Sissi, no Cairo, 10/12/23.
Carros passam perto de cartazes da campanha de Abdel Fattah al-Sissi, no Cairo, 10/12/23. AP - Amr Nabil
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François-Damien Bourgery, da RFI

Faraônico. Construído aos pés das pirâmides de Gizé, nos arredores do Cairo, o Grande Museu Egípcio é o templo dos superlativos. Um projeto bilionário. Um edifício de 45 mil metros quadrados destinado a acomodar mais de 100 mil obras antigas, incluindo os tesouros de Tutancâmon, e seis milhões de visitantes por ano. O maior museu arqueológico do mundo.

Mas ainda não está pronto. Projeto lançado há 20 anos, sua obra ainda não foi concluída. A culpa é da crise financeira de 2008, da Primavera Árabe de 2011 e, depois, da epidemia de Covid-19. A sua inauguração, constantemente adiada, está agora prevista para fevereiro. Em todo o caso, o governo egípcio quer mostrar que leva o assunto a sério: o ministério do Turismo e Antiguidades indica que “ordenou o estabelecimento de um calendário para o fim dos trabalhos” e solicitou reuniões quinzenais de acompanhamento.

Um símbolo

Embora imaginado na década de 1990 sob a presidência de Hosni Mubarak, o Grande Museu Egípcio simboliza a política seguida por Abdel Fattah al-Sissi, que pode conseguir a reeleição sem surpresa.

O museu se junta à lista de projetos arqueológicos patrocinados pelo governo celebrados com grande alarde, como a transferência, em abril de 2021, de 22 múmias reais do Museu Egípcio na Praça Tahrir para o novo Museu Nacional da Civilização Egípcia instalado nos subúrbios ao sul do Cairo. Transportados pela capital em veículos militares blindados transformados em barcas funerárias, foram recebidas pelo presidente al-Sissi e por 21 tiros de canhão diante dos meios de comunicação de todo o mundo. A população só pôde acompanhar a cerimônia pela televisão, pois as ruas haviam sido isoladas pela polícia.

O presidente al-Sissi acolhe 22 múmias reais no Museu Nacional da Civilização Egípcia, 3/4/21, no Cairo.
O presidente al-Sissi acolhe 22 múmias reais no Museu Nacional da Civilização Egípcia, 3/4/21, no Cairo. AP

O objetivo dessa política é triplo. Isso envolve unir a população em torno de um passado comum, inevitavelmente glorioso. “O desfile de múmias realmente contribuiu para aumentar a conscientização entre os egípcios”, disse o ex-ministro do Turismo e Antiguidades, Khaled el-Hanany, nas colunas da revista National Geographic em outubro de 2022. “Isso mostra que pertencemos todos a uma grande civilização, que respeitamos os nossos antepassados. O Grande Museu Egípcio enviará as mesmas mensagens de formas novas e poderosas, com orgulho, respeito, unidade e força."

A exploração da Antiguidade para fins políticos não é nova. Já na década de 1930, num contexto de crescente nacionalismo egípcio, surgiu um movimento ideológico que reivindicava esse passado antigo como parte integrante da identidade egípcia: o faraonismo.

A tendência tomou forma na década de 1980, sob o regime de Hosni Mubarak e continua até hoje. “Os egípcios mobilizam figuras faraônicas cada vez que querem unir a nação em torno de uma referência comum que crie consenso. Os faraós são muito práticos para isso, porque vão além da divisão muçulmano-cristã”, observou Frédéric Mougenot, curador de antiguidades do Museu de Belas Artes de Lille, no nordeste da França, num documentário da France Culture.

Relançar o turismo

A promoção da história faraônica também visa reavivar um setor turístico moribundo que, no entanto, é essencial para a economia egípcia – representa um décimo do produto interno bruto e é a principal receita cambial – que se encontra em perigo. O país mais populoso do mundo árabe enfrenta há anos uma crise econômica latente, agravada pela guerra na Ucrânia. A libra egípcia perdeu metade do seu valor face ao dólar, conduzindo a uma inflação que atinge atualmente os 40%.

“As antiguidades são claramente vistas pelo regime de al-Sissi como um meio de incentivar a chegada de turistas”, considera um pesquisador francês, entrevistado pela RFI, “convidado” pelo ministério do Turismo e Antiguidades, assim como outros diretores de escavações, para promover sítios arqueológicos egípcios. A fusão do ministério do Turismo com o das Antiguidades em 2019, e depois a substituição no ano passado do dirigente desse ministério conjunto, o egiptólogo Khaled el-Enany, pelo ex-banqueiro Ahmed Issa, diz muito a respeito.

E quando os turistas estrangeiros não vão até ele, o antigo Egito vai até eles. Após o sucesso global da exposição itinerante de Tutancâmon em 2019, o Cairo voltou este ano com uma nova variante, desta vez dedicada a Ramsés II. “O Egito moderno tem orgulho em compartilhar a sua história”, vangloria-se o secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades do Egito, Mostafa Waziry, no prospecto de apresentação.

Soft power

Trata-se do terceiro objetivo desta ofensiva memorial. “Ao exaltar o seu passado antigo, o regime de Abdel Fattah al-Sissi procura devolver ao Egipto o seu lugar na cena internacional, onde foi eclipsado pelos países do Golfo”, observa Sara Tonsy, pesquisadora em Ciências Políticas na Universidade de Sant'Anna em Pisa e em Mesopolhis, em Aix-en-Provence. A estratégia do soft power resulta também em uma febre de construção e em projetos arquitetônicos desproporcionais, como a duplicação do Canal de Suez ou a construção de uma nova capital administrativa nos moldes de Dubai, que abrigará aquela que é apresentada como "uma das maiores mesquitas do Oriente Médio.

“O que acontece hoje no Egito deve ser comparado com o que está acontecendo na Arábia Saudita. Aqui também o patrimônio está sendo reavivado com grande cobertura da mídia e projetos futuristas, que não são contraditórios com esta reativação do passado para se dar legitimidade junto da opinião ocidental,” analisou o especialista em geopolítica Marc Lavergne, diretor de pesquisa do CNRS, na rádio France Culture.

Nada garante que não sejam realmente contraditórios. A política patrimonial seguida pelo presidente egípcio é seletiva e se ele tiver que escolher entre o passado e o futuro, é o futuro que parece ter sua predileção. Isso é evidenciado pela destruição parcial da Cidade dos Mortos, a maior e mais antiga necrópole do Oriente Médio listada como patrimônio mundial da UNESCO, para acomodar uma rede rodoviária.

Depois de chegar poder em 2013 ao derrubar o presidente da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, o ex-marechal Abdel Fattah al-Sissi venceu as eleições presidenciais de 2014 e 2018 com mais de 96% dos votos. Graças a uma revisão constitucional que aumenta a duração do mandato presidencial de quatro para seis anos, se vencer, poderá manter o poder até 2030. Faraônico.

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