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Proibição de saias e miniblusas: estudantes protestam contra regras sexistas nas escolas da França

Uma volta às aulas depois de meses conturbados pela pandemia de Covid-19, os termômetros marcando quase 40°C em toda a França e… a proibição de certas roupas apenas para garotas. As estudantes dos liceus do país se revoltaram nesta semana contra a súbita imposição de regras de vestuário que julgam sexistas e exageradas.

Cartaz exibido em duas escolas de Dax, no sudoeste da França, mostra o tipo de roupa proibido para as garotas da escola com a mensagem: "vestuário correto exigido".
Cartaz exibido em duas escolas de Dax, no sudoeste da França, mostra o tipo de roupa proibido para as garotas da escola com a mensagem: "vestuário correto exigido". © Instagram borda_revolte
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Tudo começou em Dax, uma pequena cidade de pouco mais de 20 mil habitantes no sudoeste da França. Ao chegarem em duas escolas do Ensino Médio da localidade, na semana passada, as estudantes se depararam com cartazes exibindo a mensagem: “vestuário correto exigido”. Abaixo da frase, fotos de duas mulheres mostravam dois exemplos de roupas que não seriam aceitas: blusas que deixassem o umbigo à mostra ou minissaias.

Revoltadas, as garotas de uma das escolas palco da proibição, o liceu Borda, criaram um movimento de protesto. No Instagram, elas manifestaram sua indignação.

“Eles falam que as mulheres têm que se cobrir, não usar roupas curtas. A justificativa é certamente que isso desconcentra os garotos. Mas os homens podem se vestir como eles querem”, reclamam.

As jovens também lembraram as altas temperaturas neste momento na França. “Eles nos sexualizam quando estamos nos vestindo desta forma somente devido ao calor que está fazendo. Deveríamos usar um moletom para satisfazê-los? Deveríamos colocar três camadas de roupas para não incomodarmos seus olhos tão frágeis?”, reiteram.

As jovens também denunciam a incoerência das autoridades sobre a questão. “Eles colocam cartazes sobre o assédio sexual e o consentimento, mas restrigem nossa liberdade, reforçando o sexismo comum. Preferem nos lembrar que a mulher é um objeto, antes de se preocupar com outros problemas na escola, que são vários”.

O caso ganhou repercussão nacional. Nos últimos dias, estudantes de toda a França começaram a postar fotos vestindo as roupas consideradas inadaptadas na escola.

“Uma responsável do meu liceu se permitiu fazer hoje uma observação sobre a minha roupa que considerou muito curta e que poderia provocar. Isso é provocante?”, diz uma jovem no Twitter mostrando o figurino escolhido para ir à aula: calça comprida e camiseta deixando uma pequena parte da barriga à mostra.

Outra jovem publicou em sua conta no Twitter um vídeo em que se filma em frente ao espelho, de calça jeans e regata, com um ombro à mostra. “Hoje, no liceu, me disseram que a minha roupa era ‘vulgar’??”, escreve.

Uma estudante apontou também o fato de os garotos não serem criticados sobre a escolha de suas roupas para ir à escola. “Minha amiga acabou de receber uma advertência, mas o short que ela usa é tão curto quanto o de um colega. Mas nada aconteceu com ele”, escreve a jovem no Twitter, publicando a foto em que dois estudantes – uma menina e um menino – aparecem usando uma bermuda com o mesmo comprimento.

Feministas apoiam o movimento

Com o apoio das maiores organizações e coletivos feministas, na última segunda-feira (14), as estudantes realizaram uma manifestação nacional contra a exigência de “roupas corretas” nas escolas. Em toda a França, as garotas desafiaram as autoridades e foram à escola deixando o umbigo e as pernas à mostra.

No entanto, muitos estabelecimentos não deixaram as garotas assistirem às aulas: uma atitude denunciada nas redes sociais. “Na minha cidade uma escola deixou entrar apenas 40 garotas, sabendo que é uma grande escola… Eles fizeram uma “triagem” das meninas no portão de entrada. Que tipo de comportamento é esse?”, questionou uma estudante no Twitter.

A polêmica chegou até a alta cúpula do governo. A ministra da Cidadania, Marlène Schiappa, ex-secretária de Estado encarregada da Igualdade entre Homens e Mulheres, se manifestou no Twitter sobre a questão. “Como mãe, eu apoio o movimento com sororidade e admiração”, escreveu.

Em entrevista ao Journal du Dimanche, ela elogiou a atitude da nova geração que tem “um discurso politizado e consciente”. Schiappa também contou que a própria filha, aluna do ensino fundamental, participou do protesto de segunda-feira na escola. “É preciso passar a mensagem de que a indecência está nos olhos daquele que observa”, ressaltou.

No entanto, a reação do ministro francês da Educação, Michel Blanquer, ajudou a endossar a polêmica. Questionado sobre a mobilização, ele sugeriu “equilíbrio e bom senso” da parte das estudantes. “Basta se vestir normalmente e tudo irá bem”, resumiu.

A declaração indignou ainda mais as feministas. No Instagram, Caroline de Haas, fundadora do coletivo Nous Toutes, reagiu. “As estudantes denunciam o sexismo e a culpabilização das vítimas de violências. O ministro da Educação diz que é preciso se vestir normalmente. Temos ainda muito a fazer”, escreveu.

Regulamento indefinido e confuso

Florence Delannoy, secretária-geral adjunta do Sindicato Nacional dos Funcionários de Direção da Educação Nacional (SNPDEN) e diretora de um liceu de Lille, no norte da França, lembra que não há uma lei ou uma regulamentação geral que defina como se vestir nas escolas públicas francesas. A Constituição do país estabelece apenas os princípios de “neutralidade” e de “laicidade”. Desde 2004, os estudantes são proibidos de manifestar sua religião de forma ostentatória.

Cada instituição tem o direito de estabelecer suas próprias regras em relação ao vestuário dos alunos. Mas, para Delannoy, é essa falta de definição sobre o que é permitido ou não que estimula as polêmicas. “A noção do ‘vestir-se corretamente’ utilizada nas escolas abre espaço para uma grande interpretação e, então, para toda a contestação”, observa, em entrevista à RFI.

Por isso, para ela, é importante que todas as partes envolvidas debatam sobre o assunto “para ao menos encontrar um acordo sobre essa noção”. “Depois, é responsabilidade de cada estabelecimento de ensino, junto a alunos, pais e empregados, determinar o que eles entendem por ‘roupas adequadas’ e estabelecer suas normas sobre o que deve ser autorizado ou proibido”, diz.

Delannoy descarta, no entanto, a necessidade de um debate nacional para a criação de um código comum a todas as escolas. “Acredito que os diálogos devem acontecer localmente, em função da personalidade do estabelecimento. Por exemplo, na França, temos escolas particulares religiosas, católicas ou muçulmanas e eles definem sua própria regulamentação de acordo com o que deseja sua comunidade educativa. Temos estabelecimentos públicos onde as roupas não causam problemas e não há ambiguidade. Criar uma diretiva nacional será impossível, já que o vestuário tem relação com a moda e a moda evolui constantemente. Mas com um pouco de diálogo, podemos resolver essa questão”, reitera.

No entanto, a polêmica parece estar longe de se restringir ao ambiente escolar na França. Na semana passada, a francesa Jeanne foi barrada na entrada do Museu d’Orsay porque o decote de seu vestido foi considerado inapropriado.

Após publicar uma carta aberta ao lado de uma foto em que mostra o decote que chocou os funcionários do museu, a jovem recebeu um pedido de desculpas oficial da instituição. O caso teve forte repercussão na mídia francesa, o que trouxe à tona depoimentos de diversas mulheres que passaram pelo mesmo tipo de situação.

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