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Duas cineastas mulheres representam o Brasil nos curtas na Berlinale 2024

Uma ficção e um documentário encerram as estreias de produções brasileiras na 74ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim. A RFI conversou com Caroline Cavalcanti, diretora de “Lapso”, e Janaina Wagner, que assina “Quebrante”.

Cena de "Lapso", curta-metragem da cineasta mineira Caroline Cavalcanti, em competição na Berlinale 2024.
Cena de "Lapso", curta-metragem da cineasta mineira Caroline Cavalcanti, em competição na Berlinale 2024. © Divulgação
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Daniella Franco, enviada especial da RFI a Berlim

Os diálogos da Terra com a Lua nos levam até as cavernas da rodovia Transamazônica através do curta experimental da artista plástica paulista Janaina Wagner. O filme concorre na mostra Forum Expanded, seção da Berlinale dedicada a obras com um discurso sócio-artístico e que fazem uma ponte entre a arte contemporânea e o cinema.

Para produzir o filme, Janaina se inspirou no The Truly Underground Cinema, do americano Robert Smithson, um projeto jamais realizado, mas que idealizou a criação de uma sala de projeções dentro de uma caverna. A ideia veio depois que a artista descobriu, durante suas pesquisas sobre a Transamazônica, que Rurópolis (PA) abriga um imenso universo subterrâneo que veio a público graças à curiosidade e à audácia da professora paraense Erismar.  

“Eu achei que seria muito interessante trabalhar essas duas formas: a mais circular da caverna e a retilínea da estrada, como um corte, uma cicatriz na terra”, explica Janaina. “Levantar esse cinema do Smithson ali nessa estrada, que interpassa a história do país de tantas maneiras, poderia trazer uma camada específica para o contexto do Brasil”, reitera.

Como no projeto do artista americano, o cinema na caverna projetado por Janaina não tem um público humano: os únicos expectadores são pedras. “A dona Erismar é uma ‘rocha testemunha’ de toda essa história”, observa a diretora de “Quebrante”.

A chegada à personagem ocorreu por meio do espeleólogo Daniel Menin, que recomendou “a mulher das cavernas” à Janaina. No filme, dona Erismar atua como um fio condutor, levando o expectador a desvendar junto a ela o desconhecido universo das entranhas da Amazônia.

A artista plástica paulista Janaina Wagner dirigiu o documentário "Quebrante", concorrente da seção Forum Expanded na Berlinale 2024.
A artista plástica paulista Janaina Wagner dirigiu o documentário "Quebrante", concorrente da seção Forum Expanded na Berlinale 2024. © Daniella Franco

Outro personagem fundamental de “Quebrante” é a lua, fisicamente representada por uma imensa bola inflável que Janaina fez transitar pelos locais de filmagem. Segundo a artista, o objetivo foi dar uma dimensão épica ao documentário.

“O filme explica na abertura que um meteoro se chocou contra a Terra e uma parte dela foi para o espaço, virou a Lua. É por isso que a gente olha para a Lua e sente uma espécie de falta, saudade. Nossa relação romântica com ela talvez venha disso, é uma parte que falta para a gente e que nunca vamos conseguir recuperar”, reflete.

“Quebrante” estreou nesta segunda-feira (19) na Berlinale. “Ter o filme selecionado para a Forum Expanded, neste que é um dos maiores festivais do mundo, é uma honra gigantesca”, avalia. Segundo a artista, uma das magias do cinema é perpetuar as obras para além da existência dos cineastas: “uma vez que o filme está na Berlinale, as chances que ele tem de ir para o mundo e de existir para além da minha existência se multiplicam”, comemora.

Cartaz do documentário "Quebrante", de Janaina Wagner, em competição na mostra Forum Expanded na Berlinale 2024.
Cartaz do documentário "Quebrante", de Janaina Wagner, em competição na mostra Forum Expanded na Berlinale 2024. © Divulgação

Invisibilização da juventude periférica

O outro curta brasileiro concorrendo no festival alemão é “Lapso”, da diretora mineira Caroline Cavalcanti. A ficção conta a história do encontro dos adolescentes Bel (interpretada por Beatriz Oliveira) e Juliano (Juan Queiroz), na periferia de Belo Horizonte (MG), em meio a uma realidade de exclusão social e repressão policial.

No curta, Caroline também aborda a temática das pessoas com deficiência auditiva. A personagem Bel tem a audição comprometida, mas supera os obstáculos com coragem e determinação.

Em entrevista à RFI, a cineasta mineira conta que o projeto de “Lapso” surgiu “de um momento autoral”. “Em 2018 eu perdi parte da minha audição e isso me fez buscar narrativas que tivessem essa temática. Foi uma busca pela aproximação com a comunidade surda, para poder também entender esse espaço e como é escasso esse lugar”, explica.

A cineasta mineira Caroline Cavalcanti dirigiu o curta-metragem "Lapso", em competição na mostra Generation 14plus no Festival Internacional de Cinema de Berlim.
A cineasta mineira Caroline Cavalcanti dirigiu o curta-metragem "Lapso", em competição na mostra Generation 14plus no Festival Internacional de Cinema de Berlim. © Daniella Franco

Em meio à invisibilização da juventude periférica por todo um sistema, “Lapso” também é uma história de afeto. “Os personagens conseguem se conectar apesar de toda a repressão, e de uma forma muito bonita e afrontosa também”, ressalta, apontando ao desfecho do filme.

O curta faz sua estreia europeia nesta terça-feira (20) na mostra Generation 14plus, dedicada a enredos que retratam a infância e a adolescência das mais variadas formas. “’Lapso’ tem uma belíssima estrada pela frente, principalmente por estar passando por aqui agora. A gente entende que um festival enorme como esse consegue alcançar mais pessoas, e isso é um dos nossos objetivos”, conclui Caroline.

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