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Mulheres negras nas passarelas, música nos desfiles e ‘upcycling’: o legado de Paco Rabanne para a moda

O estilista espanhol Paco Rabanne morreu na sexta-feira, 3 de fevereiro, aos 88 anos. Místico, às vezes polêmico, mas acima de tudo famoso, a partir dos anos 1960, graças aos seus vestidos metálicos, ele trouxe um sopro de modernidade ao mundo da moda, com desfiles inovadores e perfumes que se tornaram sucessos de venda mundial.

Estilista espanhol Paco Rabanne morre aos 88 anos na França
Estilista espanhol Paco Rabanne morre aos 88 anos na França AP - Remy de la Mauviniere
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Silvano Mendes, de Paris

Nas aulas de história da moda, Paco Rabanne é frequentemente citado como um dos primeiros a introduzir a música nos desfiles de moda. Desde as primeiras apresentações, em 1966, ele convocou Pierre Boulez, o mago da música concreta, que concebeu Marteau sans maître, composição original que pontuou seu manifesto de desfile.

Mas esse foi apenas um dos momentos de pioneirismo na carreira do costureiro espanhol. Ele foi um dos primeiros a colocar mulheres negras nas passarelas - como Yves Saint Laurent -, além de fazer as modelos dançarem, sob o olhar estupefato de um público acostumado a desfiles de moda bastante engessados, herança da alta-costura.

Nascido em 1934 no País Basco espanhol, Francisco Rabaneda y Cuervo era filho de um comandante das forças republicanas, morto pelos franquistas. Ele e sua família fugiram em seguida para França e, ao chegar em Paris, estudou arquitetura na Escola de Belas Artes entre 1952 e 1964, onde tomou gosto por matérias-primas, como concreto ou metal. Mas depois de formado, esqueceu os prédios e começou a produzir bijuterias e botões de plástico, que vendia para nomes da alta-costura como Dior e Givenchy.

Seu amor pela moda estava presente desde a infância, quando via sua mãe trabalhar como costureira nos estúdios de outro espanhol, Cristóbal Balenciaga. No entanto, o design de moda só chegou de verdade na sua vida em 1965, quando começou a fazer seus primeiros vestidos. Mas como não via o mundo e a moda como os demais, Rabanne investiu em materiais inusitados, trocando tecido, linha e agulha por alicate, discos e correntes de metal. Um ano depois, lançou oficialmente sua maison apresentando "doze vestidos improváveis".

Vestidos confeccionados com peças metálicas (e, 1967), modelos negras nas passarelas (1970) e desfiles ritmados por música experimental (1969)foram alguns dos legados de Paco Rabanne.
Vestidos confeccionados com peças metálicas (e, 1967), modelos negras nas passarelas (1970) e desfiles ritmados por música experimental (1969)foram alguns dos legados de Paco Rabanne. © AP

O sucesso foi tamanho que ele chegou a inspirar personagens de filmes, como o estilista da cena de abertura de "A Elegante Polly Maggoo", de William Klein (1966). O trabalho de Paco Rabanne também ganhou projeção internacional em pouco tempo, expondo suas criações pelo mundo logo após a abertura de sua marca. Em 1967 ele apresentou pessoalmente seus modelos no Brasil. 

Além disso, rapidamente suas criações passaram a ser usadas pelas principais famosas da época, de Brigitte Bardot a Jane Birkin, passando por Jeanne Moreau ou Anouk Aimée. Sem esquecer Audrey Hepburn no filme “Um caminho para dois”, de Stanley Donen (1967), ou Jane Fonda, em "Barbarella" (1968), de Roger Vadim, que criaram imagens icônicas que inspiram até hoje.

Ecologista antes da hora?

O costureiro continuou sua pesquisa sempre destacando materiais inusitados e revisitados. Como a partir da década de 1980, quando passou a se interessar por esponjas, jornal, alumínio, concreto celular e, principalmente, reciclagem. Anos depois, ele explicou sua abordagem dizendo que queria "mostrar que poderíamos nos vestir com todos os materiais incríveis que permanecerão na Terra quando formos 20 bilhões de pessoas e não houver mais lã ou algodão”.

O sucesso internacional de Paco Rabanne foi rápido. Um ano após a criação de sua marca, ele apresentava seus modelos pelo mundo, como na foto feita em 1967, em São Paulo.
O sucesso internacional de Paco Rabanne foi rápido. Um ano após a criação de sua marca, ele apresentava seus modelos pelo mundo, como na foto feita em 1967, em São Paulo. AP - Oestado

Visionário apocalíptico, Paco Rabanne dizia produzir para uma época em que "só teremos o nosso lixo e teremos de reciclar". Uma abordagem que ganha outra ressonância hoje, em um momento em que termos como “upcycling” estão cada vez mais comuns no mundo da moda.

Fim do mundo

Por trás de sua aparência de guru místico, ele dizia ser apaixonado pelas ciências ocultas, acreditava na reencarnação e afirmava ter visto Deus pelo menos três vezes em sua vida. Mas suas declarações premonitórias nem sempre foram bem vistas e lhe renderam algumas críticas e muitas gozações. Como no livro “1999, o fogo do céu” (tradução livre), quando ele anunciou que a estação espacial Mir iria cair na Terra no dia 11 de agosto de 1999, exatamente às 11h22. Previsão que nunca se concretizou. 

Mas apesar desse lado pitoresco, Paco Rabanne não tinha nada de lunático. A forma como transformou a sua maison de moda num negócio rentável, sobretudo com as fragrâncias que lançou em 1973, é prova disso.

Desde 1986, sua marca pertence ao grupo espanhol Puig e Rabanne assinou sua última coleção em 1999, antes de se aposentar. Mas o sucesso de sua marca continua graças aos perfumes, alguns dos quais estão entre os mais vendidos do mercado. Como One Million, um dos mais recentes, que se tornou líder em vendas do segmento masculino por vários anos.

Desde 2013 a maison está sob a batuta do designer francês Julien Dossena, que conseguiu trazer frescor e modernidade à marca. Ao anunciar a morte de Paco Rabanne, a grupo Puig declarou que "seu legado continuará sendo uma fonte constante de inspiração".

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