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"Ser honesto já será um grande passo", diz ex-procuradora sobre novo presidente da Guatemala

O social-democrata Bernardo Arévalo, de 65 anos, toma posse neste domingo  (14) na presidência da Guatemala, depois de enfrentar uma perseguição judicial orquestrada, segundo ele, pela elite político-empresarial do país, envolvida em casos de corrupção. Arévalo e seu partido, o Movimento Semilla, prometem resgatar a frágil democracia guatemalteca. Em entrevista exclusiva à RFI, a ex-procuradora-geral Thelma Aldana, hoje exilada em Washington, analisa os desafios do novo governo.

Thelma Aldana foi procuradora-geral da Guatemala entre 2014 e 2018.
Thelma Aldana foi procuradora-geral da Guatemala entre 2014 e 2018. AFP - JOHAN ORDONEZ
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Paula Estañol, da RFI 

A posse de Arévalo encerra 12 anos de governos de direita na Guatemala. Ex-diplomata e também filósofo, ele substitui Alejandro Giammattei, que seus apoiadores dizem fazer parte do que chamam de "pacto de corruptos". Arévalo pode se inspirar no legado de seu pai, Juan José Arévalo (1945-1951), eleito democraticamente após a chamada "Revolução de Outubro", que pôs fim a décadas de ditaduras, e até hoje é considerado o melhor presidente da história desse pequeno país da América Central. 

Thelma Aldana foi procuradora-geral da Guatemala entre 2014 e 2018, mas acabou se exilando nos Estados Unidos devido à perseguição que também sofreu nos altos círculos políticos por sua luta contra a corrupção.

RFI: Após a posse de Arévalo, a senhora teme que o presidente continue a enfrentar problemas nos próximos meses?

Thelma Aldana: Na verdade, o triunfo do presidente eleito, Bernardo Arévalo, é a esperança que ele representa para a população e para nós que estamos no exílio. Somos mais de 50, incluindo juízes e procuradores anticorrupção no exílio, bem como jornalistas e defensores dos direitos humanos. Somos cerca de 100 homens e mulheres guatemaltecos que tiveram que se exilar devido à perseguição, especialmente por parte da Procuradora-Geral Consuelo Porras e dos governos dos ex-presidentes Giammatei e Jimmy Morales.

Ainda existem obstáculos? Sim, porque a aliança criminosa que na Guatemala é responsável pela criminalização e pelo controle de muitas das entidades do Estado, obviamente não quer um presidente democrático no poder, um presidente que vai lutar contra a corrupção. Vão buscar evitar isso até o último minuto. 

RFI: Há uma mudança na presidência, mas a atual procuradora-geral da República, Consuelo Porras, continuará no cargo. Essa situação é preocupante? 

Thelma Aldana: Uma das primeiras ações do presidente Arévalo será pedir a renúncia de Consuelo Porras. A partir desse momento, a institucionalidade do Ministério Público terá de ser recuperada. O sistema de Justiça em geral também deve ser resgatado para que funcione de forma objetiva e transparente.

RFI: Durante o mandato do ex-presidente Alejandro Giammattei houve repressão aos juízes. Existe a possibilidade de o novo presidente criar um Ministério da Justiça?

Thelma Aldana: Claro que valeria a pena criar um Ministério da Justiça, mas isso requer a aprovação do Congresso, ainda dominado por partidos aliados de Giammatei, da senhora Sandra Torres e da velha política que foi responsável pela destruição da Guatemala e do sistema de Justiça.

Mudanças têm que ser feitas e acredito que o mais importante é o Ministério Público. Chegou a hora de eleger um procurador-geral. Esse momento será determinante e será daqui a 2 anos, ainda no governo do presidente Arévalo. Será um momento determinante para iniciar verdadeiramente o resgate do sistema de justiça guatemalteco.

RFI: É possível que a procuradora-geral Consuelo Porras, resista no cargo? 

Thelma Aldana: O presidente Arévalo pode seguir um procedimento administrativo para demiti-la. Ela não pode ser demitida por processo penal, seja qual for a forma que tenha, mas existem infrações graves que podem ser comprovadas através de procedimento administrativo e ela pode ser demitida.

RFI: Como o presidente irá lidar com a falta de maioria no Congresso? Ele pode sofrer moções de censura?

Thelma Aldana: O presidente Arévalo, em princípio, terá que governar com as normas legais vigentes. É muito difícil para ele conseguir apresentar iniciativas legislativas que possam prosperar no seu primeiro ano de governo, então ele terá que trabalhar com as leis atuais. Mas acredito que o mais importante é que ele seja honesto, que use corretamente os fundos destinados ao orçamento, para o bem-estar do povo e que acabe com os negócios obscuros que têm existido entre o Legislativo e o Executivo.

Este é um bom primeiro passo e não exige reformas. O que é necessário é reformar comportamentos que foram utilizados no passado e no presente governo, favoráveis ​​à corrupção. Portanto, o primeiro desafio para ele será governar com o que tem, dar exemplo de honestidade e transparência e acabar com as práticas corruptas no governo guatemalteco.

RFI: A senhora vive exilada nos Estados Unidos, país que também acolheu outros juízes que foram alvo de manobras judiciais nos últimos anos. Que papel poderiam desempenhar países como os Estados Unidos nesta nova fase na Guatemala?

Thelma Aldana: Os Estados Unidos e a comunidade internacional têm apoiado o povo guatemalteco para que o seu exercício democrático seja respeitado. O presidente Arévalo, como sabemos, foi atacado de diversas formas pelo Ministério Público e sofreu ameaças de morte. Tem havido um apoio muito importante da União Europeia, da Organização dos Estados Americanos, dos Estados Unidos e de outros países e esperamos que este apoio internacional seja mantido para ajudar a democracia na Guatemala.

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