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França: indústria da música denuncia cancelamento de shows de artistas LGBT+ por extremistas católicos

O setor musical francês está alarmado com os inúmeros cancelamento de shows, especialmente em igrejas (prática normal na França, país de Estado laico onde vários antigos locais religiosos acolhem eventos artísticos), diante da intimidação de grupos extremistas católicos, como aconteceu com o cantor Bilal Hassani, uma personalidade LGBTQIA+ francesa.

Cantor Bilal Hassani, que já representou a França no concurso musical Eurovision, teve show cancelado por causa de extremistas católicos de extrema direita do país.
Cantor Bilal Hassani, que já representou a França no concurso musical Eurovision, teve show cancelado por causa de extremistas católicos de extrema direita do país. Crédits: Dorothée Murail
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"O número de casos se acelerou desde abril deste ano. É uma questão urgente e precisamos permanecer vigilantes", enfatizou Aurélie Hannedouche, do Sindicato de Músicas Atuais (SMA) da França, durante um debate sobre "Liberdade de expressão e cancelamento de shows" no festival de música MaMA em Paris.

No início de abril, Bilal Hassani, cantor ex-representante da França no Eurovision, teve que cancelar seu show em uma igreja em Metz (leste da França) sob pressão de grupos católicos. 

No final de abril, um show de rap e música eletrônica planejado no telhado da basílica em Lyon (centro-leste) foi cancelado devido a ameaças de violência, sendo a cidade um dos bastiões da extrema direita na França.

Em meados de maio, a organista norte-americana Kali Malone foi impedida de se apresentar em uma igreja em Carnac (oeste da França) sob pressão de católicos fundamentalistas.

Carole Boinet, editora-chefe da revista francesa especializada em música Les Inrockuptibles e integrante da mesa-redonda, vê esses eventos como uma reação conservadora contra "os movimentos #MeToo e Black Lives Matter". 

"Diminuindo a liberdade"

"Há um arsenal jurídico que pode ser usado para apresentar reclamações após cancelamentos, especialmente se forem acompanhados de ameaças contra o artista, como no caso de Bilal Hassani", argumenta Clara Steg, uma das advogadas do cantor, que participou do debate.

Em meados de dezembro de 2022, sentenças de prisão suspensa que variam de três a seis meses foram proferidas a agressores cibernéticos do cantor Eddy de Pretto, outra figura LGBTQIA+ francesa, após um show em uma igreja de Paris, em junho de 2021.

"Mas essas queixas são um investimento financeiro e levam tempo", alerta a advogada, que também enfatiza "a carga mental muito pesada para a vítima, que não quer necessariamente voltar aos tuítes violentos, ou se encontrar em um julgamento enfrentando seus assediadores on-line".

Clara Steg também condena as "autoridades públicas", que muitas vezes se resignam e declaram "que não são capazes de garantir a segurança".

A liberdade de expressão é uma liberdade intangível que está diminuindo

"A liberdade de expressão é uma liberdade intangível que está diminuindo. Com muita frequência, as autoridades se escondem atrás do risco de perturbar a ordem pública para dizer 'isso não pode ser realizado'", acrescentou Frédéric Hocquard, outro palestrante e secretário municipal da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, responsável pela vida noturna parisiense, e também presidente da Federação nacional dos Coletivos de Cultura (FNCC).

 "Quem terá coragem?"

Em 2021, a cantora e organista sueca Anna von Hausswolff, desprogramada em igrejas em Nantes e depois em Paris sob ameaça de fundamentalistas, finalmente se apresentou na capital francesa em um local revelado apenas às pessoas que compraram ingressos.

"Dizem que somos a Cidade Luz e ela precisa se esconder para se apresentar. Fiquei com vergonha", lamenta Frédéric Hocquard.

"Fiquei horrorizado por ter que reclamar clandestinamente, porque nossa função como produtores de shows é dar justamente visibilidade aos nossos shows", confidenciou Pascale Miracle, cogerente do coletivo Voulez-Vous Danser, que estava presente no debate durante o festival de música em Paris.

"Tivemos dois cancelamentos em Nantes e Paris, mas em Bruxelas o governo fez o que era necessário para garantir que o show fosse realizado. Eu teria preferido que o show fosse cancelado em outro lugar e não na França, meu país", acrescentou ela.

Sophian Fanen, jornalista especializada em música contemporânea e co-fundadora da mídia on-line Les Jours, que estava presente na mesa redonda, aponta para um "silêncio político embaraçoso" diante desses incidentes na França. "Um silêncio que banaliza" essas intimidações, concordou Pascale Miracle.

"Se deixados por conta própria, os artistas poderiam começar a se auto-censurar e, no que diz respeito aos produtores, quem terá a coragem de produzí-los?", conclui Aurélie Hannedouche.

(Com AFP)

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