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Reforma urbana para Olimpíada pode acabar com símbolo de Paris, dizem livreiros às margens do Sena

"Buquinista": é assim que são conhecidos os tradicionais livreiros que vendem obras antigas e de segunda mão em grandes caixas de madeira às margens do Sena, em Paris, nesta que vem sendo chamada de 'a maior livraria a céu aberto do mundo'. No entanto, a chegada da Olimpíada em 2024 remodela a capital francesa, e a organização pretende removê-los do local. Os livreiros têm resistido e se negam a deixar as margens do rio, onde se estabeleceram há 450 anos.

Os tradicionais livreiros do Sena são chamados de "buquinistas".
Os tradicionais livreiros do Sena são chamados de "buquinistas". gettyimages/ :DEA / M. NASCIMENTO
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A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, prevista para acontecer em 26 de julho de 2024, será a primeira na história da competição a ser realizada fora de um estádio. Mais de 100 barcos carregados com atletas de todo o mundo flutuarão pelo rio Sena, passando por monumentos conhecidos em todo o planeta, como a catedral de Notre Dame, o Museu do Louvre e a Torre Eiffel. 

Os organizadores, no entanto, foram solicitados a limitar o número de espectadores na beira do rio a cerca de 500 mil pessoas. Para isso, será necessário realizar uma grande operação de segurança. A questão é que os "buquinistas", e seus tradicionais estandes, estão enfileirados em parte do caminho que deverá acolher o público e ser protegido pela polícia. 

Os cerca de 200 livreiros do Sena, que juntos compõem o maior mercado de livros a céu aberto da Europa, ficaram revoltados com uma carta enviada a eles pela autoridade policial de Paris. A carta dizia que seria "essencial remover" as caixas de livros presas às muretas dos cais, que margeiam o rio, nas quais os vendedores estocam e expõem livros de segunda mão, objetos e publicações raras, além de antiguidades.

A polícia francesa alega que precisa estabelecer um perímetro onde "o acesso e a movimentação de pessoas sejam controlados", para garantir a segurança de um "local ou evento exposto ao risco de atos de terrorismo". O governo francês planeja mobilizar uma força sem precedentes de quase 35.000 policiais para garantir a segurança da cerimônia de abertura dos Jogos.

Jérôme Calais é presidente da Associação Cultural dos Buquinistas de Paris.
Jérôme Calais é presidente da Associação Cultural dos Buquinistas de Paris. © RFI/Pierre Olivier

"Um símbolo de Paris"

Jérôme Callais, presidente da Associação Cultural dos Buquinistas de Paris, que representa 88% dos livreiros do Sena, disse que eles "não tinham a intenção de deixar o local".

"O funcionário responsável pelo Sena nos explicou que estaríamos obstruindo a vista no dia da cerimônia."

"Em uma reunião realizada na prefeitura de Paris em 10 de julho, o encarregado pelo Sena explicou claramente que estaríamos obstruindo a vista no dia da cerimônia", conta Callais. "Somos um símbolo importante de Paris. Estamos aqui há 450 anos", enfatizou ele.

"Querer nos apagar da paisagem quando a celebração desses Jogos deveria ser uma celebração de Paris parece um pouco louco", denunciou. Na última quinta-feira (27), a prefeitura de Paris emitiu um comunicado à imprensa assegurando aos livreiros seu apoio e reconhecendo que sua atividade "faz parte da identidade das margens do Sena".

Franceses e turistas caminham na área em que estão instalados os "buquinistas" de Paris, nos arredores da sede da prefeitura da capital, nas margens do rio Sena.
Franceses e turistas caminham na área em que estão instalados os "buquinistas" de Paris, nos arredores da sede da prefeitura da capital, nas margens do rio Sena. AP - Christophe Ena

A prefeitura estimou que 570 caixas, ou 59% do total, seriam retiradas. As autoridades se oferecem para pagar pela remoção e a reinstalação das prateleiras, além de pagar pelo conserto de todas as que forem danificadas no processo.

Segundo a prefeitura da capital, essa poderia ser uma "renovação" que apoiaria a candidatura dos livreiros à lista de patrimônio cultural imaterial da Unesco, pela qual eles vêm lutando desde 2018.

Mas Callais disse que algumas das caixas eram "frágeis demais" para serem removidas, e estimou que custaria € 1,5 milhão (cerca de R$ 7,8 milhões) para renovar todas elas.

Albert Abid, um dos livreiros nos cais do Sena, declarou sentir que ele e seus colegas estão sendo "excluídos das festividades". Ele teme que suas caixas, que têm pelo menos cem anos de idade, possam ser danificadas durante a mudança. "(Elas) são muito frágeis (...), nossas caixas não resistiriam a essa operação, nem o moral da gente", sublinhou.

Visitantes passam pelos sebos históricos dos "buquinistas", em Paris.
Visitantes passam pelos sebos históricos dos "buquinistas", em Paris. AP - Christophe Ena

Origem dos "buquinistas"

Os "buquinistas" originaram-se a partir da da palavra "bouquin", uma forma coloquial de se dizer livro em francês. Impresso pela primeira vez em 1459, o termo era tipografado como "boucquain", tornando-se "bouquin" no final do século 16. Deriva da palavra flamenga "boeckin", que significa livro pequeno [no sentido pejorativo de um livro de pouco valor ou estima], formada a partir da palavra "boek", do holandês medieval, que significa livro.

O termo "bouquiniste", em francês, apareceu pela primeira vez no dicionário de Trévoux em 1752, quando foi definido como "um vendedor de livros antigos, bouquins". Naquela época, a profissão era exercida principalmente por homens. No entanto, o termo "bouquiniste" apareceu conjugado em ambos os gêneros na 8ª edição do dicionário da Académie Française, em 1932.

Inicialmente estabelecidos apenas na margem esquerda do Sena, eles se espalharam gradualmente para ambas as margens do rio e eram cerca de 300 comerciantes quando a Revolução Francesa estourou.

"Abridor de latas"

O livreiro, ou "buquinista", é muito mais do que um "abridor de latas", um termo usado pejorativamente por alguns parisienses para descrever os funcionários desses sebos que não conhecem realmente a profissão. No entanto, a caixa metálica esverdeada, tão característica do métier, é o coração deste comércio e evoluiu com o tempo.

As estruturas atuais foram oficializadas em 1891, quando uma lei municipal autorizou os livreiros a deixar suas mercadorias durante a noite na área de vendas que lhes havia sido concedida. Até então, os livros eram vendidos em pequenas caixas de madeira, que eram fáceis de manusear.

Por volta de 1900, foi exigido que todas as caixas tivessem a mesma cor, conhecida como "verde vagão", à imagem do primeiro metrô, das fontes de água Wallace e das colunas Morris, verdadeiros símbolos parisienses. Além disso, a tampa elevada não deve estar a mais de 2,10 m acima do solo, para não obstruir a visão dos passantes.

(Com RFI e agências)

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