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Diretor brasileiro estreia em Veneza filme sobre jovem europeia que se casa com jihadista

O Festival de Cinema de Veneza anunciou nesta terça-feira (30) a programação oficial de sua 79ª edição. Entre os filmes selecionados está "A Noiva", do diretor brasileiro Sérgio Tréfaut, que participa da competição da seção "Horizontes". "A Noiva", que realiza sua estreia mundial em Veneza no dia 9 de setembro, é uma ficção inspirada em histórias reais de meninas europeias que se casaram com jihadistas do grupo Estado Islâmico (EI), e foi filmada no Curdistão iraquiano.

Frame do longa-metragem "A Noiva", do diretor brasileiro Sérgio Tréfaut, que realiza sua estreia mundial na 79a. edição do Festival de Cinema de Veneza.
Frame do longa-metragem "A Noiva", do diretor brasileiro Sérgio Tréfaut, que realiza sua estreia mundial na 79a. edição do Festival de Cinema de Veneza. © Divulgação
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“Visitei o último campo de prisioneiros de jihadistas [do grupo Estado Islâmico] no Iraque, perto de Mossul, em 2019”, conta o diretor Sérgio Tréfaut sobre o trabalho de pesquisa que precedeu o longa-metragem “A Noiva”, uma produção portuguesa desse realizador que nasceu no Brasil em 1965, mas que cresceu entre Portugal e França, e vive no Rio de Janeiro desde 2018. “Ainda existiam campos durante muito tempo, e creio que ainda existem na Síria, na parte curda do país”, afirma.

Tréfaut conta que, na época, não havia muita perspectiva sobre o futuro da situação dos jihadistas no Iraque. “Nunca imaginei que os governos europeus protelassem essa questão e lavassem as mãos como fizeram, ao longo de cinco anos, desde a queda de Mossul”, critica. “Há uma série de documentários suecos curiosos sobre pais [de jovens que se casaram com jihadistas] que contrariam os governos, indo buscar estas adolescentes”, lembra.

“O filme aborda essa questão, e fica subentendido que houve regras europeias que diziam que todos os homens poderiam ser executados sem discussão – e, aliás, os ingleses mandavam drones para matar os cidadãos ingleses [que haviam se juntado ao EI] antes de prender, porque eram considerados terroristas, mas não aconteceu a mesma coisa com as mulheres”, afirma. “Ao passo que as viúvas de jihadistas, sejam russas, turcas ou de outros países da Ásia Central de tradição islâmica, poderiam ser executadas no Iraque, há um acordo tácito para que nenhuma europeia o fosse”, pontua o diretor. “Basta ver os números. Não há execuções de europeias no Iraque”, lembra. “O filme aborda essa questão, sem querer explicar ou dar respostas a essas coisas de forma cabal, porque não há respostas claras para ninguém”, destaca Tréfaut.

Cena do filme "A Noiva", de Sérgio Tréfaut.
Cena do filme "A Noiva", de Sérgio Tréfaut. © Divulgação

“Um dos lados que sempre me interessou [ao fazer o filme] foi o do mistério”, diz o diretor. “Estudei bastante a questão das associações de pais de jovens que foram para a Síria ou Iraque para se alistar no Estado Islâmico, e o denominador comum é o fato deles próprios não entenderem os filhos. Eles tentam se autoajudar para compreender. Um pouco parecido com as situações de pais desesperados com questões relativas ao uso de drogas, alcoolismo, coisas assim. Há um sofrimento muito grande causado por essa incompreensão. Há uma dimensão de mistério que não tem justificativas”, destaca.

Viagem ao desconhecido

Para Sérgio Tréfaut, uma das propostas do filme é oferecer uma “viagem a um lugar onde o espectador nunca chegaria normalmente”. “Viver um pouco um cotidiano que ele não imagina, porque as reportagens [sobre o assunto] são sempre rápidas, imediatas, e enganadoras a respeito do que é esse universo”, acredita. “O que é esse universo de mulheres dentro de um campo de prisioneiros? É curioso que no início desses campos, chegaram a misturar refugiados e prisioneiros, o que era bem estranho, mas depois passou a serem campos exclusivamente de prisioneiros”, diz.

Documentarista premiado, Tréfaut fala sobre a influência da linguagem do documentário sobre a ficção. “[O longa] é uma ficção que conta uma história e que nos permite vivenciar essa proximidade, o que também é uma possibilidade do documentário. Não é uma questão de ‘tempo’. O documentário pode ser super rápido, como os televisivos norte-americanos; mas no caso deste filme, é uma questão de ‘estar com’, de usar o privilégio desse tempo de reflexão, de ver e poder imaginar, se aproximar da cabeça de uma menina de 20 anos nessa situação”, sublinha o cineasta.

Cartaz do filme "A Noiva", de Sérgio Tréfaut.
Cartaz do filme "A Noiva", de Sérgio Tréfaut. © Divulgação

O diretor acredita que o longa-metragem “A Noiva” terá um público interessado, depois da estreia mundial em Veneza. “O filme tem um tema muito interessante em termos políticos, de atualidade. A estreia em Portugal está prevista para dezembro deste ano, para a França no começo de 2023, se não for antecipada. Ainda não tenho previsões para os outros países. Veneza é que será, eu acho, a pedra de toque deste filme. Acredito que possamos ter grandes audiências por muitas razões”, diz o diretor, cujo projeto será distribuído por Paulo Branco, nome conhecido no meio do cinema, produtor de diretores como Manoel de Oliveira e Wim Wenders.

Crise no cinema brasileiro por razões políticas

No ano passado, o Brasil tinha 5 filmes na programação do tradicional Festival de Cinema de Veneza. Um deles, "Deserto Particular", de Aly Muritiba - premiado no mesmo ano em Gramado - levou o Prêmio do Público da mostra Venice Days. Segundo o diretor Sérgio Tréfaut, as razões desta ausência brasileira em Veneza em 2022 são acima de tudo políticas. “Quando decidi voltar para o Brasil, em 2018, foi o momento em que a crise do cinema, por razões políticas, se instalou no país”, lembra.

“Com a posse do governo Bolsonaro, a Ancine foi dizimada, decapitada, as pessoas que fazem cinema numa escala que chega aos festivais de Veneza, Cannes, Berlim, etc, deixaram de ter qualquer apoio [no Brasil]. Houve uma frase que ficou para a História, do presidente brasileiro, ele dizia que ou o cinema seria censurado, ou não seria. E não foi”, constata o diretor. “Ou seja, os apoios ao cinema acabaram, a Ancine congelou, a única coisa que funciona é uma tentativa [do governo brasileiro] de impedir os produtores de funcionar, tentando cobrar contas de 30 anos atrás”, denuncia, fazendo eco a depoimentos de diversos cineastas brasileiros.

O Festival de Cinema de Veneza abre suas portas oficialmente nesta quarta-feira (31) e fica em cartaz até o dia 10 de setembro.

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