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Lula faz críticas à ONU em Madri, sugere formação de um 'G20 da paz' e defende criação de nova moeda

Nesta quarta-feira (26), durante cerca de uma hora e meia e logo após se reunirem a portas fechadas no Palácio da Moncloa, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, falaram com membros da imprensa espanhola e brasileira sobre diversos assuntos discutidos na conversa de mais cedo. As relações bilaterais entre os dois países, o conflito na Ucrânia e um possível acordo entre União Europeia e Mercosul estivem no centro da conversa. No discurso de Lula, chamaram atenção críticas feitas à ONU e à condução do debate internacional sobre a guerra.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva durante coletiva de imprensa após encontro com chefe do governo espanhol em Madrid
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva durante coletiva de imprensa após encontro com chefe do governo espanhol em Madrid © Divulgação / Ricardo Stuckert
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Ana Beatriz Farias, correspondente da RFI em Madri

Logo no início da sua fala, o líder do executivo brasileiro agradeceu a Pedro Sánchez que, segundo Lula, o recebeu num momento em que ele “ainda não era nem candidato e tinha acabado de sair da prisão”. Sobre a Espanha, o presidente reforçou a importância do país ibérico como parceiro comercial, lembrou que aproximadamente 15 milhões de espanhóis ou descendentes de espanhóis vivem no Brasil e brincou ao dizer que “até meu time de futebol, o Corinthians, foi fundado por espanhóis”.

Lula seguiu seu discurso e foi taxativo ao afirmar que ninguém pode ter dúvidas de que o Brasil se opôs à guerra entre Rússia e Ucrânia desde o primeiro minuto do conflito. O presidente enfatizou, porém, que a guerra já começou e que a necessidade agora é de frear os movimentos de violência e promover a paz. “A gente só vai chegar a um acerto de contas quando parar de dar tiro”, disse.

Neste sentido, Lula criticou a Organização das Nações Unidas, dizendo que “vivemos num mundo muito esquisito, em que o Conselho de Segurança da ONU, os membros permanentes, são os maiores produtores e vendedores de armas e são os maiores participantes de guerra. Eu fico me perguntando se não cabe a nós, que não somos membros permanentes do Conselho de Segurança, fazer uma mudança na ONU”, lançou o presidente. O líder brasileiro afirmou ainda que está na hora de mudar as coisas e criar o “G20 da paz” para realizar o que, segundo ele, seria o papel da ONU.

Ao ser questionado por um jornalista espanhol se considerava as regiões da Crimeia e do Dumbass como território russo ou ucraniano, Lula se esquivou. “Não cabe a mim decidir de quem é a Crimeia, eu acho que, quando você senta numa mesa de negociação, você pode discutir qualquer coisa, até a Crimeia. Mas não sou eu que vou discutir isso. Quem tem que discutir isso são os russos e os ucranianos. Primeiro para a guerra e depois vamos conversar. O dado concreto é que o povo está morrendo e só tem um jeito: parar para fazer um acordo”.

China: primeira potência mundial

Ao falar sobre a China, país visitado recentemente por ele, Lula declarou: “eu, quando vejo alguns países preocupados com o crescimento da China, fico me perguntando se a gente está lembrado do discurso que era feito nos anos 80, depois do famoso consenso de Washington, depois que se criou a ideia que o mundo não teria mais problema se fosse globalizado”. E completou: “por conta disso, todas as mega empresas americanas foram investir na China. Para desenvolver a China? Não, para utilizar a mão de obra barata que a China oferecia naquele instante”.

O presidente brasileiro continuou seu argumento dizendo que, com a eleição de Trump, quando surgiu a proposta de retirada dos investimentos na China, já era tarde, porque “os chineses souberam tirar proveito do investimento”. Segundo Lula, “a China já é a segunda potência mundial e, possivelmente, no próximo ano ou no outro, será a primeira economia do mundo”.

Ele destacou ainda que há anos Pequim não faz parte de guerras e que isso serve como demonstração de que “só com muita paz é possível aproveitar o dinheiro produzido pelo povo para construir o bem-estar social”, voltando a utilizar um argumento contra o conflito.

Nova moeda “como o euro”

Ao adentrar o campo da economia, o presidente brasileiro disse acreditar na necessidade de criação de novos mecanismos. “Eu sou favorável, no caso do Brasil com a América do Sul, a que a gente crie uma moeda para negociar e comercializar. Sou favorável a que a gente crie nos BRICS uma moeda de negociação entre os nossos países, como os europeus criaram o euro”.

Lula salientou que quer que o Banco do BRICS se transforme num grande banco de investimento. “Se for possível, maior que o Banco Mundial. Aliás, isso não é grande coisa, porque o BNDES, no Brasil, foi, durante muito tempo, maior que o Banco Mundial”, declarou, citando ainda outros bancos públicos brasileiros — Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia — como de extrema importância para a economia do país.

Palavra de anfitrião

Pedro Sánchez destacou o peso do fechamento de acordos entre Brasil e Espanha: “nós damos uma extrema importância a essa visita e a essa nova visão conjunta que é compartilhada e que nos ajudará na parceria entre os dois países”.

Entre as dimensões estratégicas destacadas por Sánchez, está a econômica. “Sabemos que o Brasil se tornou, no ano passado, nosso principal parceiro comercial e que a Espanha é o segundo investidor do Brasil e estamos cheios de esperança em relação à criação de empregos e de riquezas para o nosso país”, afirmou.

Lula foi recebido pelo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em Madri
Lula foi recebido pelo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, em Madri © Divulgação/Ricardo Stuckert

O primeiro-ministro citou ainda as conexões hispano-brasileiras em termos de cultura e educação, além de ressaltar que o Brasil vai presidir o Mercosul no segundo semestre desse ano, coincidindo com o período em que a Espanha ocupará a presidência rotativa da União Europeia. “É uma oportunidade extraordinária para materializar uma aproximação em processos concretos dentro da União Europeia e Mercosul”, disse.

Ao ser perguntado pela imprensa sobre quando esse acordo entre blocos poderia finalmente entrar em vigor, Sánchez foi sucinto ao afirmar que deseja avançar nesse sentido ainda em 2023, apesar de reconhecer que há países da União Europeia que ainda são reticentes em relação ao assunto.

Durante o encontro entre os governantes, foram assinados três documentos referentes a acordos entre Brasil e Espanha, um memorando de entendimento na área de educação, referente à cooperação no ensino superior universitário; outro memorando de entendimento sobre cooperação entre os ministérios do trabalho dos dois países e uma carta de intenções na área da ciência, tecnologia e inovação.

Depois do encontro com Pedro Sánchez, Lula seguiu para o Palácio Real, onde foi recebido, com as comitivas brasileira e espanhola, para um almoço. Na ocasião, voltou a criticar a guerra e a defender um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia.

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