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Brasil/França

Como se mede a desigualdade social?

Por que os pobres franceses têm mais dinheiro do que os pobres brasileiros? E a diferença entre pobres e ricos parece mais gritante no Brasil? O economista francês Thomas Coutrot explica como e por que surgiram os indicadores econômicos que medem a desigualdade e sua aplicação nos relatórios divulgados pelos organismos internacionais.

Favela do Metrô-Mangueira no Rio de Janeiro
Favela do Metrô-Mangueira no Rio de Janeiro Tânia Rêgo/ Agência Brasil
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Um estudo da ONG britânica Oxfam, “A Distância que nos une”, divulgado no Brasil nesta segunda-feira (25), mostrou que apenas seis brasileiros têm a mesma riqueza que os 100 mais pobres do país. O cálculo utiliza dados de patrimônio fornecidos pelo banco Credit Suisse e a lista da Forbes das maiores fortunas do mundo

Como medir a desigualdade de um país? Rafael Georges, coordenador de campanha da Oxfam, conta que os dados de renda usados no estudo vieram da PNAD (Pesquisa anual e contínua por Amostras de Domicílio) e da Receita Federal. Para calcular a distribuição de renda, a organização utilizou o chamado índice de Gini (veja quadro abaixo), um dos cinco indicadores diferentes criados por estatísticos para comparar os salários dentro de uma população.

Para o cálculo das fortunas, os dados da Receita Federal foram fundamentais. “É muito importante que Receita aprimore ainda mais os dados disponíveis, o que já está acontecendo. Quanto mais isso for melhorado, mais entenderemos o fenômeno da desigualdade no Brasil”, diz.

“Os indicadores de desigualdade comparam as diferenças relativas dentro de uma sociedade. Essas diferenças são menores na França, o que naturalmente faz com que os pobres franceses sejam mais ‘ricos’ do que os pobres brasileiros”, explica Coutrot. “Um dos índices usados é a comparação do salário médio dos 10% mais ricos aos 10% mais pobres.” Essa diferença, diz, é uma das medidas usadas pelos economistas para definir a desigualdade dentro de um país.

Uma comparação entre países, desta forma, só seria possível sabendo qual indicador foi usado em cada pesquisa. “ONGs utilizam metodologias conhecidas e transparentes. De toda maneira, é difícil medir a desigualdade. Às vezes elas são tão profundas que é complicado até mesmo imaginar que existam pessoas tão ricas”, declara Coutrot. Segundo ele, por isso os indicadores são importantes: pra trazer à tona informações que surpreendem as pessoas e muitas vezes costumam passar despercebidas do público em geral.

Anos 80: mais pobres com melhor nível de vida

Os índices para medir a desigualdade foram criados por estatísticos nos anos 80, visando aperfeiçoar as análises baseadas até então na média dos ganhos da população de um país, ou no PIB (Produto Interno Bruto) por habitante. Esses estudos não levavam em conta as desigualdades e se contentavam em dividir a riqueza gerada em partes iguais.

A partir dessa década, diz Coutrot, a diferença entre ricos e pobres cresceu no mundo, levando os economistas a se interessarem mais à chamada “dispersão da riqueza”, que leva em conta as diferenças entre as diversas categorias na população, em vez de se ater apenas à sua distribuição média. “Antes dos anos 80, podia-se medir a desigualdade, mas havia poucos estudos e ferramentas, e pouco interesse pela questão”, explica o economista francês.

“Os anos 80 foram marcados pelo início da adoção de políticas neoliberais. Acreditou-se que, enriquecendo os mais ricos, haveria consequências positivas para os mais pobres, como a geração de empregos” afirma. Essa teoria, conhecida como "trickle down economics” defende que a diminuição dos impostos dos ricos aumentaria a capacidade de investimentos e inovação, criando mais riqueza para todos.

Os indicadores de desigualdade surgiram na tentativa de comprovar a eficácia das iniciativas neoliberais, aponta o economista francês. “Esse discurso ainda é dominante. Basta ouvir o que diz o presidente francês, Emmanuel Macron”, alfineta Coutrot. “Em todo caso, é política de muitos países ricos.”

Quase 40 anos depois, os indicadores mostram que o neoliberalismo aumentou a desigualdade social, afirma Coutrot. “Na Europa, o resultado é que os pobres não empobreceram mais, como é o caso dos Estados Unidos, mas progrediram menos do que os ricos. Em todo caso, há mais pobres no mundo hoje do que nos anos 80, eles só são menos pobres do que a população pobre de 1980.”

Caso Lula

Estatisticamente, a pobreza relativa é a renda inferior à metade da renda média da população. “A chamada pobreza absoluta (renda inferior a U$2 por dia) não é praticamente levada em conta nos relatórios. Em geral, na Europa, só utilizamos os indicadores de pobreza relativa”, explica. Indivíduos relativamente pobres têm o mínimo indispensável para viver mas não estão inseridos socialmente.

“É preciso ressaltar que desigualdade e nível de vida não estão ligados”, diz. Segundo ele, mesmo que pareça paradoxal, um estudo pode constatar, ao mesmo tempo, um aumento da pobreza e do nível de vida.

“Se a renda dos mais ricos e dos mais pobres aumentam, temos mais desigualdade e melhoria do nível de vida da população menos abastada”, explica. Foi o que aconteceu durante os governos Lula (2003-2011), observa. “Houve um aumento da renda dos mais pobres, mas como os ricos ficaram ainda mais ricos, tivemos um aumento da desigualdade, apesar do recuo da pobreza absoluta. De maneira relativa, a população ficou mais pobre em relação aos ricos, mesmo vivendo melhor”, diz.

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