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Um pulo em Paris

Governo francês quer confiscar celulares e proibir redes sociais a autores de bullying nas escolas

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A França foi palco neste ano de três suicídios de adolescentes vítimas de bullying na escola. O problema preocupa famílias e educadores e o governo não descarta a adoção de medidas drásticas. Entre elas, a apreensão de celulares e o bloqueio das redes sociais aos agressores.

Segundo dados do governo francês, a cada ano, entre 800 mil a um milhão de alunos são vítimas de bullying nas escolas da França. Foto ilustrativa.
Segundo dados do governo francês, a cada ano, entre 800 mil a um milhão de alunos são vítimas de bullying nas escolas da França. Foto ilustrativa. AFP/File
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Daniella Franco, da RFI

O bullying nas escolas volta à tona no início deste novo ano escolar na França devido ao caso recente de um jovem que cometeu suicídio após ter sido assediado durante meses por dois colegas. Nicolas, de 15 anos, resolveu tirar a própria vida no último 5 de setembro ao perceber que as próprias autoridades administrativas não conseguiam encontrar uma saída para o seu caso.

A morte do adolescente ganhou uma forte repercussão nas mídias francesas e chegou a sensibilizar a primeira-dama da França, Brigitte Macron. A mãe e o pai de Nicolas contaram à imprensa que alertavam, desde o ano passado, inspetores da escola onde o garoto estudava, em Poissy, na periferia de Paris, sobre dois colegas que o importunavam com violências físicas e psicológicas.

Após uma primeira tentativa de suicídio de Nicolas, em janeiro deste ano, a família se desesperou e apelou a todas as medidas possíveis para evitar uma tragédia. Os pais registraram um boletim de ocorrência na polícia e acionaram os gestores do sistema de educação local e regional, mas sem obter resultados.

Além de o assédio contra Nicolas continuar, a família recebeu como resposta do serviço jurídico do reitorado local uma carta sugerindo “denúncias caluniosas”. O texto também lembrou o risco que o pai e a mãe do garoto corriam de serem condenados a uma pena de cinco anos de prisão e a pagar uma multa de € 45 mil pelo comportamento considerado “desrespeitoso”.

“Nós éramos vítimas e nos tornamos culpados!”, diz Béatrice, mãe de Nicolas, ao Journal du Dimanche. Em entrevista ao diário, ela descreve um adolescente calmo e gentil, que passou a desconfiar de todo mundo após ser vítima de assédio na escola. “Nicolas conhecia todos os casos de bullying com adolescentes que terminaram em tragédia nesses dois últimos anos. Ele se dizia indignado com a falta de soluções para essa situação”, reitera.

Entrada da escola Adrienne Bolland, em Poissy, subúrbio de Paris, onde Nicolas estudava. Imagem de 7 de setembro de 2023, dois dias após o adolescente ter cometido suicídio.
Entrada da escola Adrienne Bolland, em Poissy, subúrbio de Paris, onde Nicolas estudava. Imagem de 7 de setembro de 2023, dois dias após o adolescente ter cometido suicídio. AFP - JULIEN DE ROSA

Suicídios de alunos se multiplicam

O caso de Nicolas não é uma exceção: suicídios de adolescentes devido ao bullying nas escolas vêm se repetindo na França. São tragédias que dizem respeito a adolescentes cada vez mais jovens, como Lucas, de 13 anos, de Golbey, no nordeste da França, que se suicidou no começo deste ano após meses de assédio de dois colegas por ser homossexual. Em maio, foi a vez de Lindsay, de 13 anos, tirar sua própria vida em Vendin-le-Veil, no norte do país, por sofrer cyberbullying.

Segundo dados do próprio governo francês, entre 800 mil e um milhão de alunos por ano são vítimas de bullying de colegas. O Unicef aponta que um a cada dez estudantes de 13 a 15 anos na França é alvo de intimidação nas escolas. Embora o problema não seja novo, foi apenas a partir dos anos 2000 que as autoridades começaram a se preocupar com esse tipo de agressão, que pode ser verbal, física ou psicológica.

Até os anos 1980, o bullying era visto como algo normal nas escolas francesas, uma espécie de rito de passagem. Foi só em 2022 que o assédio escolar passou a ser considerado um delito, com penas que podem ir a até 10 anos de prisão e € 150 mil de multa. Ainda assim, o governo tem dificuldade de lidar com o problema e poucos resultados concretos vêm sendo obtidos.

"Por Lindsay, vamos erradicar o assédio escolar e o cyberbullying" diz cartaz exibido durante uma marcha em  homenagem a adolescente Lindsay, de 13 anos, que cometeu suicídio após ser assediada por colegas em Vendin-le-Vieil, norte da França, em 18 de junho de 2023.
"Por Lindsay, vamos erradicar o assédio escolar e o cyberbullying" diz cartaz exibido durante uma marcha em homenagem a adolescente Lindsay, de 13 anos, que cometeu suicídio após ser assediada por colegas em Vendin-le-Vieil, norte da França, em 18 de junho de 2023. AFP - DENIS CHARLET

Novas medidas

Desde 2021, a França conta com o Phare, um programa de sensibilização e prevenção implementado em todas as escolas do país contra o bullying. No entanto, diante da repetição de tragédias, o método dá provas de ser insuficiente para lutar contra o problema.

Antes do início deste ano letivo, o governo já havia anunciado algumas mudanças no programa, como, por exemplo, mudar de estabelecimento o aluno agressor. No entanto, diante da forte repercussão do suicídio do adolescente Nicolas, o ministro francês da Educação, Gabriel Attal, pediu, há poucos dias, uma auditoria em todas as escolas onde haja registros de casos de assédio.

Na segunda-feira (18), ele se reuniu com os reitores que gerem as escolas da França pra debater a questão. Dois dias depois, Attal conversou sobre o problema com representantes de todos os grupos políticos na Assembleia de Deputados da França.

Na próxima quarta-feira (27), o governo pretende apresentar mais medidas contra o assédio nas escolas, principalmente contra o cyberbullying. O jornal francês Le Parisien teve acesso ao plano e revelou nesta sexta-feira (22) cinco pontos principais desse novo programa.

Toque de recolher digital

Entre as principais medidas estão o controle do acesso de adolescentes às redes sociais, para impedir que menores de 15 anos se inscrevam nessas plataformas sem o acordo parental. Autores de bullying também poderão ter seus celulares confiscados e podem ter que obedecer a um “toque de recolher digital”, das 8h às 18h.

Além disso, o governo está refletindo sobre a criação de “brigadas antibullying”, com grupos formados por professores, inspetores e psicólogos para lutar contra o assédio nas escolas. O Ministério da Educação também pretende distribuir questionários a todos os alunos da França com o objetivo de identificar crianças e adolescente que estejam sendo assediados na escola.

Gabriel Attal também diz desejar que duras sanções sejam impostas aos agressores, que podem ser alvo de processos judiciais. “É importante identificar medidas suplementares que possam ser tomadas, desde o início de um procedimento, para reduzir ao máximo os riscos”, sublinhou.

O ministro francês da Educação está atualmente na Dinamarca para onde viajou para estudar medidas que o país escandinavo aplica contra o bullying, entre elas, “aulas de empatia”. A iniciativa, implementada nas escolas dinamarquesas há 20 anos, tem o objetivo de estimular o sentimento e o comportamento de comunidade nas crianças e adolescentes, trabalhando valores como tolerância, respeito e coragem.

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