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Saúde em dia

Como saber quando o consumo de álcool se torna um problema?

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O álcool - e não somente o abuso da substância - é um problema de saúde pública, responsável por mais de 200 doenças. Qualquer consumo, mesmo baixo, tem efeito deletério para o organismo, sublinham os especialistas franceses. Apenas na França, a cada ano, 41 mil mortes são atribuídas às bebidas alcoólicas, segundo o Instituto Nacional de Saúde e Pesquisas Médicas (Inserm). 

Bebidas alcoólicas são reponsáveis por mais de 200 doenças.
Bebidas alcoólicas são reponsáveis por mais de 200 doenças. AP - Amr Nabil
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Paloma Varón, da RFI

O médico e secretário-geral da Federação Francesa de Estudos de Vícios, Bernard Basset, explica que, embora não exista um limite abaixo do qual o consumo de álcool seja isento de riscos, o conhecimento científico permite definir parâmetros de referência.

"Nós somos uma associação que se baseia em dados científicos e temos como primeiro princípio informar quais são os perigos do álcool, e esse perigo começa desde o primeiro copo. Não podemos nos contentar a lutar contra os abusos; devemos dar conselhos de prevenção a todos aqueles que bebem álcool. Seguimos os conselhos de prevenção da Agência de Saúde Pública francesa, que diz: não consumir mais de dez copos por semana, não mais de dois copos por dia e ficar pelo menos dois dias por semana sem beber", afirma.

Algumas doenças são exclusivamente atribuíveis ao álcool, em particular a cirrose alcoólica ou certos distúrbios neurológicos, como a encefalopatia de Gayet-Wernicke e a síndrome de Korsakoff.

Para outras patologias, o álcool é um fator de risco. É o caso dos cânceres de boca, faringe, laringe, esôfago, fígado, mama, colorretal e das doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial, cardiopatia isquêmica. Distúrbios cognitivos também são observados em mais de 50% dos dependentes de álcool: comprometimento da memória, desajuste de certos movimentos, etc. Além disso, Basset diz que, na França, 16 mil mortes por câncer ao ano são ligadas ao abuso de álcool. 

Na França, a cada ano, 41 mil mortes são atribuídas às bebidas alcoólicas.
Na França, a cada ano, 41 mil mortes são atribuídas às bebidas alcoólicas. AP - Rick Bowmer

Falta de controle sinaliza dependência

"Sabemos que se tornou um sofrimento quando a pessoa não consegue mais controlar o consumo, quando não consegue fazer pausas e se torna dependente. É a falta de autocontrole que sinaliza a dependência", explica Basset.

Além de promover campanhas de prevenção e acompanhamento, a Federação Francesa de Estudos de Vícios ajuda as pessoas que têm problemas com álcool no dia a dia. 

"Nós publicamos conselhos bastante práticos para controlar o consumo. Por exemplo, se você não quer beber, o método mais eficaz é de anunciar antes. Então, terá informado os amigos, que, a princípio, respeitam a sua escolha. E pelo fato de ter se comprometido a não beber, você tem uma carga moral para respeitar seus compromissos. Temos outros conselhos como não deixar que encham seu copo, pedir bebidas sem álcool… São conselhos concretos para ocasiões de encontros e celebrações", salienta. 

Clubes de degustação para abstêmios

Na mesma linha, a chefe de projetos Corinne Bordin-Lherpinière trabalha com a prevenção ao alcoolismo na prefeitura Châtearoux, no Vale do Loire, uma cidade com pouco mais de 40 mil habitantes no centro da França. 

"Faz de mais de dez anos que trabalho com alimentação. Aos poucos, fomos inserindo a questão da bebida e da bebida alcoólica mais especificamente. Criamos seminários para abordar o sofrimento causado pelo álcool. O álcool no trabalho, nos momentos difíceis da vida, em lugares de acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade… E depois, a partir deste trabalho, criamos uma ação de prevenção que são os Clubes de Degustação. Nós promovemos as bebidas sem álcool no espaço público", conta Corinne. 

Corinne gosta de frisar que os Clubes de Degustação de bebidas sem álcool são realizados várias vezes ao ano em lugares que as pessoas frequentam normalmente, e não em estabelecimentos de saúde. 

"Os clubes acontecem sempre em lugares culturais da cidade, em datas próximas a eventos em que, de um ponto de vista social, o álcool está presente. Então fazemos em novembro, quando tem a festa do Beaujolais e antes do Natal; em março, perto do Dia de São Patrick e da primavera, e depois em junho, antes da Festa da Música. Além destes, podemos estar presentes em outros eventos da cidade", diz. 

Os clubes oferecem coqueteis saborosos e bem elaborados, sempre sem álcool. "A ideia do clube é também apoiar homens e mulheres abstêmios. Na sociedade francesa, quando somos abstêmios, não é fácil. O álcool é muito presente nas nossas vidas. O clube liga a questão de saúde com a cidadania. Nossos clubes reúnem de 40 a 60 pessoas e entraram na vida pública de Châtearoux", completa. 

Calcula-se que 25% dos adultos franceses ultrapassam o limite de consumo de álcool preconizado pela Agência Pública de Saúde de dez copos por semana.
Calcula-se que 25% dos adultos franceses ultrapassam o limite de consumo de álcool preconizado pela Agência Pública de Saúde de dez copos por semana. ASSOCIATED PRESS - Michael Macor

Mudança de mentalidade

Basset explica que mudar a mentalidade das pessoas não é fácil, mas é necessário. "É todo um desafio de prevenção, que necessita um esforço contínuo, um esforço de pedagogia e de comunicação… De fato, é difícil na França, porque somos um país produtor e exportador de álcool, é um setor que gera empregos. Então há muita resistência." 

Mas o médico vê uma evolução: "Eu diria que o estado de espírito mudou nos ultimos 15 anos e as pessoas entenderam que o álcool não é só um produto ligado ao prazer, todos entenderam que é um produto que traz riscos à saúde. As mudanças de mentalidade são lentas, porque são hábitos culturais muito arraigados, mas vemos que o consumo de álcool tem baixado bastante desde o fim da Segunda Guerra Mundial". 

A cruzada antialcoolismo na França

Basset lembra que, até os anos 1950, o consumo de álcool na França era praticamente irrestrito, principalmente quando se tratava do vinho. 

"Aqui na França se servia vinho nas cantinas escolares, para crianças. Vinhos com menos teor alcoólico, mas ainda sim com álcool, eram servidos durante o almoço nas escolas. Se bebia vinho também nos hospitais; os doentes podiam beber durante as refeições. Isso foi denunciado e proibido pelo primeiro-ministro Pierre Mendès-France, em 1954. Demorou ainda um tempo para que a proibição chegasse a todo o país, mas foi ele quem liderou esta campanha nos anos 1950."

Pierre Mendès-France (1907-1982) foi, de fato, um pioneiro na luta contra o alcoolismo e para uma mudança cultural na França. "Ele lançou esta campanha e ele mesmo fazia a comunicação disso. Tem fotos célebres dele bebendo um copo de leite na Câmara dos Deputados, em viagens... Isso provocou reações fortes entre os produtores de vinho, que criticavam esta opção de lutar contra o consumo de álcool. Ele foi muito insultado", afirma Basset.

O presidente do Conselho de Ministros (antigo nome dado ao cargo de primeiro-ministro na França) Pierre Mendès France (à esquerda) bebe leite com Tony Vacaro, presidente do Clube Nacional de Imprensa, em 22 de novembro de 1954, durante uma viagem oficial aos Estados Unidos.
O presidente do Conselho de Ministros (antigo nome dado ao cargo de primeiro-ministro na França) Pierre Mendès France (à esquerda) bebe leite com Tony Vacaro, presidente do Clube Nacional de Imprensa, em 22 de novembro de 1954, durante uma viagem oficial aos Estados Unidos. AFP - -

"Na França, se diz: 'não existe festa sem álcool'. E a gente, na Federação Francesa de Estudos de Vícios, diz o contrário: 'É perfeitamente possível de se divertir entre amigos e não consumir bebidas alcoólicas a cada vez'", afirma Basset. O especialista lembra que, ao perceber que se está perdendo controle sobre o consumo de álcool, a pessoa deve procurar um médico ou um posto de saúde. 

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