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Brasileira estreia na França com romance sobre mulher negra trans no Rio do século 18

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Eliana Alves Cruz é escritora. Ela tem quatro romances publicados no Brasil que contam histórias de resistência e negritude, do século 18 até os dias de hoje. Seu terceiro romance “Nada digo de ti, que em ti não veja”, publicado em 2020 no Brasil pela Pallas, acaba de ser traduzido para o francês com o título “Je ne dis rien de toi que je ne vois pas em toi”, pela Tropismes Éditions.

Capa do livro da escritora Eliana Alves Cruz
Capa do livro da escritora Eliana Alves Cruz © Captura de tela
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“Nada digo de ti, que em ti não veja” é um romance histórico, que se passa no século 18 e conta a história de Vitória, uma mulher trans, negra e escravizada, que conseguiu comprar a sua liberdade. Ele é primeiro romance de Eliana Alves Cruz traduzido e marca a estreia da escritora carioca no mercado internacional.

Segundo ela, o “processo foi incrível” e um desafio para o tradutor Daniel Matias. “É um desafio porque o ‘Nada digo de ti’ é um livro que recorre a muitas metáforas. Se eu fosse resumir o livro numa palavra, seria hipocrisia", afirma.

 

Eliana Alves Cruz, escritora, lança na França seu romance de estreia no mercado internacional.
Eliana Alves Cruz, escritora, lança na França seu romance de estreia no mercado internacional. © Arquivo pessoal

 

Temas atuais

O livro, que nas palavras da autora é uma “fábula sobre as coisas que a gente esconde e revela”, levanta temas atuais, como intolerância religiosa, transidentidade, racismo. “Era esse o meu objetivo, falar desses temas que são tão atuais e que sempre estiveram aí”, indica a escritora.

Ela descobriu a personagem principal do livro fazendo pesquisas para um outro romance. A mulher trans que no “Nada digo de ti...” ganhou o nome de Vitória existiu, mas viveu em Portugal no século 17. Para a sua fábula, Eliana Alves Cruz colocou a personagem no Rio de Janeiro do século 18, no auge da exploração das minas de ouro e diamantes de Minas Gerais.

“Eu quis trazer personagens que existiram, que podem parecer um tanto irreais para quem não mergulha na história ou que tem um olhar baseado nos estereótipos e nas imagens que ao longo dos anos a gente construiu sobre essas pessoas escravizadas que não correspondem quase nada à realidade”, explica.

Ela quis desenvolver o livro em torno dessa mulher trans e escravizada porque “pelo menos aqui no Brasil, muitas pessoas acreditam que (ser LGBT) é uma questão de moda. Tem um público conservador que não consegue entender que a orientação das pessoas é desde sempre”.

Resgate da ancestralidade

Além de “Nada digo de ti, que em ti não veja”, Eliana Alves Cruz tem publicado “Água de barrela”, seu romance de estreia sobre a história das mulheres de sua família; “O Crime do cais do Valongo” e “Solitária”, publicado no ano passado.

Um tema recorrente em suas obras é o resgate da ancestralidade e da pluralidade de cultura dos africanos que foram escravizados e levados à força para o Brasil. “Uma Riqueza humana imensa que durante muito tempo nós delegamos ao esquecimento e nos empobrecemos (com uma visão única)”, diz.

Ela acredita que o processo de colonização e de escravização tem ecos até hoje no Brasil. “O povo não passa por uma experiência de quatro séculos de escravização incólume. A gente tem muitas marcas, ainda teremos durante muito mais tempo e isso é importante trazer para as novas gerações”, aponta a escritora.

“Movimento diaspórico”

Eliana Alves Cruz desponta como uma das grandes autoras contemporâneas, narrando e recuperando essa história interrompida e escondida, mas ela ressalta que não é a única e integra um “movimento belíssimo, que é inclusive diaspórico. Um movimento do mundo negro, do mundo preto que se vê numa encruzilhada, numa necessidade de afirmação, porque a gente tem um recrudescimento de coisas muito pesadas”.

Ela cita o recrudescimento da violência racial, do extremismo, do neonazismo. “Todas essas ideias supremacistas estão tentando se impor, tentando outra vez fazer com que a história se repita. Mais do que nunca a gente precisa mexer com esse imaginário popular”, salienta.

Independentemente dos temas que levanta e que são vinculados também a sua história pessoal e familiar, Eliana Alves Cruz garante que, antes de mais nada, quer “escrever uma boa história”.

 

 

Capa do livro da escritora Eliana Alves Cruz
Capa do livro da escritora Eliana Alves Cruz © Captura de tela

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