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“Brasil deu um salto perigoso na direção do abismo”, diz Milton Hatoum em Paris

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Milton Hatoum é um dos escritores brasileiros de maior visibilidade na França. Praticamente todos seus livros foram publicados em francês e o último deles, “A noite da espera, o primeiro da trilogia “O Lugar Mais Sombrio”, chegou às livrarias no final de 2021. Milton Hatoum veio à França a convite do Festival Internacional de Literatura de Lyon para falar de sua literatura e do Brasil.

O escritor Milton Hatoum
O escritor Milton Hatoum © RFI
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“A Noite da Espera”, em francês “La Nuit de l’attente”, chegou às livrarias francesas pela Editora Actes Sud, com tradução de Michel Riaudel. O romance de formação começa em Paris, no final dos anos 1970. Ele é narrado por um jovem paulistano que se exilou na França e fala da juventude de um grupo de estudantes, principalmente em Brasília, durante os anos da Ditadura Militar no Brasil. O segundo volume da trilogia, “Pontos de Fuga”, já foi lançado em português, mas ainda não tem data prevista para ser editado em francês.

No Festival Internacional de Literatura de Lyon, Milton Hatoum participou de várias mesas redondas em Lyon, mas também em diversas cidades da região sudeste francesa, sobre História e memória, que são elementos fundamentais de sua obra literária. Ele constatou que muitos leitores franceses já haviam lido “A Noite da Espera”, que eles estão a par do que está acontecendo no Brasil e fizeram perguntas sobre a situação brasileira.

“Perguntaram muito se eu tinha escrito ‘A Noite da Espera’ pensando nesse governo que está aí, nessa ressonância. Eu disse que não tinha ideia do que ia acontecer quando comecei a escrever a trilogia”, esclarece. O amazonense, que hoje mora em São Paulo, passou a juventude em Brasília e morou na França como o narrador do romance, ressalta que levou anos para escrever a trilogia. A história fala de uma geração que cresceu sob a ditadura e eu “não podia imaginar em 2007-2008, quando comecei a escrever a trilogia, que a extrema direita ia tomar o poder no Brasil”.

“Centenas de páginas de pesadelos”

“Eu tinha dentro de mim centenas e centenas de páginas, de pesadelos da ditadura, e esse pesadelo que é da minha geração também, estava latente”, diz o escritor, que termina o terceiro volume de “O Lugar Mais Sombrio”, que deve ser lançado até o início do ano que vem no Brasil.

“Quando a gente pensa que as coisas no Brasil vão bem, há um sobressalto, uma espécie de salto para trás, salto perigoso na direção do abismo. É isso que está acontecendo no Brasil”, exemplifica. Mas ele não acha que a história se repete. “A extrema direita, o fascismo, o autoritarismo, estão sempre a postos, preparados para tomar o poder por algum tipo de manipulação”, acredita. A novidade, segundo ele, são as fake news, que “ajudaram o atual governo a se eleger. Uma estratégia que eu acho não vai se repetir, não vai dar certo agora em outubro”.

Ao contrário de seus primeiros romances, “Relato de um certo Oriente”, “Dois Irmãos”, “Cinzas do Norte” e “Orfãos do Eldorado”, centrados em Manaus, “A Noite da Espera” tem uma “estrutura fragmentária” e se passa entre Paris, Brasília e São Paulo. A história começa na capital francesa, onde o narrador Martim lembra dos anos difíceis da ditadura e do sumiço da mãe, que norteia a história.

Paris, lugar de memória

Paris é para Milton Hatoum “um lugar de memória, do exílio”, mas também um lugar de felicidade. “Em Paris, eu acho, passei um dos momentos mais felizes da minha vida, apesar da precariedade. Aqui, eu me libertei de muitas coisas. A distância em relação ao Brasil foi importante para escrever. Escrevi uma parte do meu primeiro romance em Paris. Foi aqui que eu realmente conheci a liberdade total porque a minha geração viveu toda a sua juventude e uma parte da vida adulta sob a ditadura”, conta.

O autor compara a opressão da época para quem queria escrever, com a situação atual. “Esse governo, quem ele persegue? Ele persegue todo mundo porque ele é antidemocrático, mas principalmente os artistas e o sistema educacional”. Para o autor, o atual presidente “é um ditador disfarçado”. Milton Hatoum diz que não gosta de idealizar nada, mas ressalta que a França “é um país que tem uma cultura democrática, muito forte, muito enraizada”.

No Festival Internacional de Literatura Lyon ele também falou dessa relação com a França, a Cultura e a literatura francesa, que influenciaram sua obra. “A literatura francesa foi importantíssima para a minha formação e eu quis escrever um romance de formação de um grupo de jovens que estão se formando sob um regime militar e mesmo assim não renunciam a sua formação, intelectual, política, artística, afetiva. Nessa formação, a obra do Flaubert e sobretudo o “Educação Sentimental” está no centro.”

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