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“A Copa é uma festa e o Catar atingiu seus objetivos”, diz sociólogo

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O confronto Argentina e França neste domingo (18) encerra mais uma edição da Copa do Mundo de futebol. Durante um mês, o Catar acolheu o primeiro Mundial realizado em um país árabe do Oriente Médio e atraiu mais de 1 milhão de pessoas. Para o pequeno país, o evento teve contornos geopolíticos e serviu também de vitrine para projetar mundialmente uma imagem mais positiva. A escolha do rico emirado foi contestada e alvo de críticas do Ocidente principalmente em relação aos direitos humanos e trabalhistas.

A torcida argentina comemora após a partida das oitavas de final da Copa do Mundo entre Argentina e Austrália no Estádio Ahmad Bin Ali, em Doha, Qatar, domingo, 4 de dezembro de 2022.
A torcida argentina comemora após a partida das oitavas de final da Copa do Mundo entre Argentina e Austrália no Estádio Ahmad Bin Ali, em Doha, Qatar, domingo, 4 de dezembro de 2022. AP - Lee Jin-man
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Para avaliar o balanço dessa Copa, a RFI conversou com o sociólogo mexicano Fernando Segura, que acompanhou de perto a realização do evento.

“O balanço dessa Copa do Mundo é positivo em vários aspectos”, destaca Fernando Segura, que fez uma primeira visita ao país durante 10 dias em outubro, antes do início do evento.

“Na organização, tudo aconteceu numa completa normalidade. Não houve problema nenhum quanto à bagunça entre torcedores, confrontos com a polícia, com voluntários. As torcidas foram bem acolhidas”, observa o especialista, que também trabalhou para a tevê estatal mexicana Canal 14.

Fernando elogiou também a decisão das autoridades do Catar de suspender barreiras sanitárias para os visitantes. Inicialmente, o governo catariano tinha estabelecido a exigência de apresentação de testes negativos anticovid para entrar no país e o uso de um aplicativo de monitoramento dos turistas.

“Parece uma banalidade, mas chegar sem essas restrições faz uma diferença, pelo menos para mim. Pode acontecer de ter havido propagação de alguma contaminação. mas acho que não é Covid", estima.  "Mas do ponto de vista de todas aquelas restrições que nós imaginávamos, e eu estou acompanhando aqui a Copa do Mundo com os jornalistas, não houve restrição alguma para fazer gravações, para a gente se movimentar”, afirmou.

Uma rua do souk de Doha decorada com as bandeiras dos times participantes da Copa do Mundo em Doha, Qatar, quinta-feira, 1º de dezembro de 2022.
Uma rua do souk de Doha decorada com as bandeiras dos times participantes da Copa do Mundo em Doha, Qatar, quinta-feira, 1º de dezembro de 2022. AP - Julio Cortez

Ao observar as movimentações e comportamento dos torcedores nas ruas, nos estádios e a interação com a população local, que é formada em sua imensa maioria por estrangeiros, o sociológo estima que a aposta do Catar em usar o Mundial para projetar uma imagem positiva do emirado foi um sucesso. 

“A minha impressão é que a Copa está bem-sucedida, que está sendo uma festa com certa tranquilidade nas celebrações, nessa confraternização das torcidas que ficaram aqui vários dias juntas, e que a impressão das pessoas que chegaram e passaram uns dias aqui no Catar. Apesar de algumas decepções, tem sido positiva. Então, em termos estratégicos do Estado do Catar, eu acho que tem atingido o objetivo deles, não o objetivo dos europeus, dos governos europeus, da imprensa europeia”, avalia

Torcedores em uma rua antes do jogo de futebol das quartas de final da Copa do Mundo entre Marrocos e Portugal, em Doha, Qatar, sábado, 10 de dezembro de 2022.
Torcedores em uma rua antes do jogo de futebol das quartas de final da Copa do Mundo entre Marrocos e Portugal, em Doha, Qatar, sábado, 10 de dezembro de 2022. AP - Pavel Golovkin

Morte de trabalhadores

Na entrevista à RFI Brasil, o sociólogo comentou ter ido juntamente com dois jornalistas argentinos visitar uma área industrial fora de Doha, para falar com os trabalhadores do país. O objetivo foi o de observar as condições de trabalho, muito criticadas e na origem de denúncias de centenas de mortes durante as construções dos estádios e de outras obras de infraestrutura para o Mundial.

As versões variam e trazem números discordantes. Oficialmente, o Catar afirma que foram contabilizados 414 mortos durante 2014 e 2020, mas ONGs estimam que mais de mil pessoas podem ter perdido a vida nas obras.

“Eu não tenho os números precisos e o que tenho são impressões. Agora, pode ser que o Catar tenha sido muito estratégico para esconder algumas situações nessas condições. Pode ser.  Agora, para fazer um balanço, eu acho que em termos de rigor jornalístico e sociológico, deveríamos voltar. E não é fácil voltar daqui uns três, quatro meses, porque agora o balanço é mais ligado à Copa do Mundo”, justifica.

“A impressão que tivemos é que os trabalhadores estavam, sim, em uma situação de solidão muito forte. Porém, as condições não eram tão precárias quando o quanto a gente imaginava desde o nosso horizonte ocidental”, afirmou.

aranha-céus com as gigantescas imagens das estrelas do futebol Cristiano Ronaldo de Portugal, André Ayew de Gana e Dusan Tadic da Sérvia, da direita, em Doha, Qatar, terça-feira, 29 de novembro de 2022.
aranha-céus com as gigantescas imagens das estrelas do futebol Cristiano Ronaldo de Portugal, André Ayew de Gana e Dusan Tadic da Sérvia, da direita, em Doha, Qatar, terça-feira, 29 de novembro de 2022. AP - Martin Meissner

Além das questões relacionadas aos direitos trabalhistas, o Catar foi alvo de críticas no quesito dos direitos da comunidade LGBTQIA+, uma vez que o país proíbe e reprime a homossexualidade.  A Fifa chegou a ameaçar de sanções as seleções que fizessem alusão em defesa da diversidade de gênero. Um torcedor chegou a invadir o gramado durante a partida entre Portugal e Uruguai com a bandeira do arco-íris, símbolo do movimento. Em sua camiseta, o torcedor também exibiu uma camiseta com palavras em defesa dos direitos das mulheres.

Para o sociólogo Fernando Segura, esses momentos simbólicos e a presença de milhares de torcedores vindos de todas as regiões do mundo não necessariamente provocam mudanças na sociedade e nos valores locais. ”Eu acredito que às vezes esperamos milagres de uma Copa do Mundo, que uma Copa do Mundo transforme completamente um país, como foi talvez o caso antes da Copa do Mundo no Brasil. Eu lembro daquela expressão ‘não queremos estádios padrão Fifa, queremos hospitais padrão Fifa’. Eu estive na Copa do Mundo no Brasil, eu estive na Copa do Mundo da Rússia, que também foi muito bem-sucedida em termos de organização. Aqui no Catar tenho a mesma impressão, inclusive mais positiva”, afirma.

“O Catar tem uma janela para pensar e introduzir mudanças voluntárias, num plano estratégico para uma melhor comunicação com o resto do mundo, inclusive para fazer do Catar um país turístico, um país conhecido e até reconhecido no mundo. Claro que tem ainda muito caminho a percorrer. Logicamente não podemos esperar que uma Copa do Mundo transforme uma cultura patriarcal", garante.

"Porém, eu percebo nas ruas uma certa euforia, não só dos catarianos, porque a gente não vê muitos catarianos ou não sabe quem são catarianos ou não, mas dos trabalhadores que estão aqui, que estão curtindo, talvez só por um instante, mas estão felizes de receber tantos estrangeiros”, garante.

Fernando Segura - Sociólogo
Fernando Segura - Sociólogo © Arquivo Pessoal

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