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Linha Direta

Decreto de estado de emergência deve facilitar expulsão de migrantes irregulares da Itália

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O governo italiano decretou estado de emergência nacional devido ao alto fluxo de migrantes vindos pelo mar Mediterrâneo. A medida, que valerá por seis meses, dará mais poder de decisão aos prefeitos e presidentes regionais das áreas mais expostas, como Sicília e Calábria. A medida recebe críticas de ativistas, que consideram não haver uma crise migratória no país. A Itália recebeu este ano cerca de 30 mil migrantes, número muito inferior aos 200 mil recepcionados durante a crise de 2015.

Migrantes esperam para desembarcar de navio no porto siciliano de Catânia, em 12 de abril de 2023
Migrantes esperam para desembarcar de navio no porto siciliano de Catânia, em 12 de abril de 2023 AP - Salvatore Cavalli
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Em apenas três dias, mais de 3 mil pessoas desembarcaram na costa italiana. Este é o argumento do governo italiano para ter decretado emergência nacional.

A decisão do governo de extrema direita dará mais poder de decisão aos prefeitos e presidentes regionais das áreas mais expostas à pressão migratória, como Sicília e Calábria, e vai permitir ao governo de Giorgia Meloni tomar certas decisões sem passar pelo Parlamento.

Entre as facilidades permitidas pelo decreto estão, por exemplo, expulsões feitas com celeridade graças a um rápido processo de identificação e deportação. Entretanto, ainda não foi esclarecido como será a repatriação dos migrantes irregulares, ou seja, as pessoas que migraram por motivos econômicos e que, segundo a lei italiana, não têm o direito de permanecer no país porque chegaram de modo irregular.

Durante sua campanha eleitoral, Giorgia Meloni prometeu reduzir o número de migrantes na Itália. A primeira-ministra considera que migrantes irregulares ameaçam a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos italianos.

País tem poucos refugiados

Nos últimos anos, o governo italiano tem concentrado seus esforços na assinatura de acordos bilaterais de readmissão de migrantes com vários países africanos, incluindo Tunísia, Egito, Marrocos, Nigéria, Gâmbia, Costa do Marfim e Senegal.

Na lista de acordos de cooperação para deportação, porém, também estão países acusados de graves violações de direitos humanos, como o Sudão e Líbia. O governo italiano pode, assim, enviar migrantes para nações em que sua segurança não está garantida.

Além disso, na Itália o procedimento para reconhecer a condição de refugiado é lento e limitado aos que fugiram de seu próprio país em guerra ou porque foram vítimas de perseguições.

Segundo a Fundação Migrantes (organismo pastoral da conferência episcopal italiana), em junho de 2022, já em plena crise humanitária ucraniana, viviam na Itália pouco menos de 296.000 refugiados, o equivalente a cinco pessoas por mil habitantes. Na mesma data, havia 613 mil refugiados na França e 2.235.000 na Alemanha. Em 2021, a Itália registou 45.200 requerentes de asilo, enquanto a Alemanha registrou 148.200, a França contabilizou 103.800 e até a Espanha recebeu mais --62.050.

Aumento de 300% 

A Itália é um dos países onde mais chegam imigrantes pelo mar Mediterrâneo. Desde o início deste ano, 31.200 imigrantes desembarcaram no seu território, um aumento de 300% em relação a 2022. Com isso, os centros de acolhimento do país estão lotados.

A previsão é que nos próximos meses o número aumente devido às melhores condições meteorológicas para enfrentar o mar durante a primavera e o verão europeu.

Apesar dos números ostentados pelo governo, o decreto de emergência recebe críticas de ativistas. O estado de emergência, de acordo com a legislação italiana, só pode ser declarado para enfrentar uma calamidade com meios e poderes extraordinários: de crises humanitárias a desastres naturais.

Todos os objetivos para decretar o estado de emergência parecem exagerados, segundo o responsável de imigração da associação de promoção social Arci, Filippo Miraglia.

“O governo declarou estado de emergência devido ao número de chegadas em nossas costas e fronteiras terrestres. Mas nem os números nem as condições reais sugerem que haja uma emergência, já que é declarado pela chegada de 30.000 migrantes, quando em 2015 recebemos 200.000 e ninguém considerou declará-la”, observou.

Nos próximos dias deverá ser nomeado um comissário para cumprir os objetivos da medida, ou seja, superar a situação de emergência, reduzir os riscos gerados pela catástrofe e prestar assistência à população que sofreu as consequências da emergência em questão.

ONU diz que crise do Mediterrâneo é intolerável

Os migrantes de diversas nacionalidades, vindos da África, Ásia e Oriente Médio, partem principalmente da Líbia, Tunísia e alguns da Turquia. Eles atravessam o mar Mediterrâneo em pequenos barcos ou botes de borracha lotados. A travessia é muito perigosa não só pelas condições marítimas como também pelas embarcações obsoletas e lotadas. Além disso, em muitos casos os galões de combustível podem derramar dentro do barco e causar graves queimaduras nas pessoas.

O mar Mediterrâneo se transformou em um cemitério e muitas vezes devolve corpos sem vida próximos às praias sicilianas e calabresas. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas, nos últimos 10 anos 26 mil pessoas morreram tentando atravessar o mar na esperança de uma vida melhor.

O primeiro trimestre de 2023 foi o mais mortífero para os migrantes que atravessam o Mediterrâneo desde 2017, com 441 vidas perdidas tentando chegar à Europa, disse a ONU na quarta-feira. Mas a OIM acredita que esse número de 441 mortes entre janeiro e março de 2023 esteja abaixo da realidade.

“Com mais de 20.000 mortes registradas nesta rota desde 2014, temo que esses óbitos tenham se normalizado”, alertou, acrescentando que “atrasos e lacunas nas operações de busca e salvamento por parte dos Estados custam vidas humanas”.

Atrasos nas operações de busca e salvamento (SAR) foram um fator determinante em pelo menos seis incidentes até agora este ano, matando pelo menos 127 pessoas de 441 outras, disse a OIM.

“A crise humanitária contínua no Mediterrâneo central é intolerável”, disse o chefe da OIM, Antonio Vitorino.

O projeto Migrantes Desaparecidos da agência da ONU também está investigando vários casos de barcos desaparecidos, onde não há vestígios de sobreviventes, destroços e onde não foram realizadas operações de busca e resgate. Cerca de 300 pessoas a bordo desses barcos ainda estão desaparecidas.

“Salvar vidas no mar é uma obrigação legal dos Estados”, enfatizou Vitorino. “Precisamos de uma coordenação proativa dos Estados nos esforços de busca e salvamento. Guiados pelo espírito de compartilhamento de responsabilidade e solidariedade, convocamos os Estados a trabalharem juntos e se esforçar para reduzir as baixas humanas nas rotas migratórias”, acrescentou.

Nenhuma decisão concreta da União Europeia

Em fevereiro, os chefes de Estado e de governo dos 27 países membros da União Europeia discutiram durante o Conselho Europeu realizado em Bruxelas a gestão da questão migratória.

Em conferência de imprensa no final da reunião, a primeira-ministra Giorgia Meloni disse estar particularmente “satisfeita”, atribuindo méritos ao seu governo. No entanto, no texto do Conselho Europeu foram dedicadas poucas linhas à questão migratória. Segundo analistas políticos italianos, Giorgia Meloni se baseia mais em propaganda do que na realidade. 

Os pontos mencionados nas conclusões do Conselho Europeu são os mesmos do passado: reforço das fronteiras externas; acelerar repatriações; abordar os movimentos secundários, ou seja, os movimentos do primeiro país de entrada dos migrantes na União Europeia para outros Estados, apostando no mecanismo voluntário de solidariedade (não em redistribuição real, mas em mecanismo voluntário); e, finalmente, cooperar com os países parceiros para melhorar a gestão da migração e a “cooperação antitráfico”.

Durante a campanha eleitoral, Giorgia Meloni disse que faria um bloqueio naval nas costas do norte da África. Seu partido de extrema-direita, os Irmãos da Itália, faz parte de uma coalizão que fez da redução da imigração uma parte fundamental de sua plataforma. 

Seu governo também quer aumentar as repatriações, e criar obstáculos aos navios humanitários das ONGs que resgatam migrantes em dificuldade durante a travessia do Mediterrâneo. Vale ressaltar dos imigrantes que desembarcaram na costa da Itália em 2022, apenas 10% chegaram com navios humanitários. 

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