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'Sextortion': quando adolescentes se tornam o alvo principal de criminosos na internet

A chantagem com vídeos ou fotos íntimas está aumentando vertiginosamente nas redes sociais. O fenômeno não é novo, mas os menores de idade são agora as principais vítimas. Por trás dessas ameaças estão redes de criminosos cibernéticos, muitas vezes baseadas na África Ocidental, que estão constantemente adaptando seus métodos. Saiba como identificá-los e evitá-los nesta reportagem especial da RFI.

Jovens são as primeiras vítimas de golpes cibernéticos que ameaçam publicar fotos ou vídeos íntimos se não pagarem ao agressor. Getty Images - Anchiy
Jovens são as primeiras vítimas de golpes cibernéticos que ameaçam publicar fotos ou vídeos íntimos se não pagarem ao agressor. Getty Images - Anchiy Getty Images - Victor Dyomin
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Aurore Lartigue, da RFI

No fórum do Reddit "r/Sextortion", as mensagens chegam, variando de pedidos de ajuda em pânico a depoimentos tranquilizadores. Abaixo de cada mensagem há um aviso da plataforma: "Se você está lendo isso, provavelmente é uma vítima recente de sextortion e está apavorado. Antes de tudo, respire fundo".

O grupo, que reúne vítimas desse método de chantagem, que envolve ameaçar alguém com a divulgação de fotos ou vídeos íntimos se não pagar ao agressor, possui 23 mil membros. Todas as pessoas que falam, usam pseudônimos e algumas afirmam ser menores de idade. 

As mensagens geralmente começam com "Acabei de ser traído". O restante das histórias varia pouco. "Eu estava conversando no Instagram quando recebi uma mensagem de uma conta bastante realista", diz uma vítima.

Fotos se masturbando

"Comecei a conversar com a 'garota' e rapidamente passamos para o Snapchat. Começamos a trocar fotos e tudo mais." Foi então que a conversa mudou de tom: "Vou arruinar sua vida! Eu vou arruinar sua vida". O texto vinha acompanhado de fotos do internauta se masturbando. 

"Então", continua ele, "'ela' criou um grupo com minhas irmãs e muitos amigos e ameaçou vazar tudo se eu não lhe pagasse US$ 5 mil". Ele acabou bloqueando o criminoso, mas não antes de lhe enviar cerca de US$ 250. Desde então, mais nenhuma ameaça.

Mas enquanto para alguns a desventura ficou para trás, para outros a nuvem de ameaça ainda paira sobre eles, que se sentem presos em um círculo vicioso.

Aumento de 1.000%

Nos últimos meses, esses ataques on-line aumentaram vertiginosamente. De acordo com um estudo publicado no início de 2024 pelo Network Contagion Research Institute (NCRI), especializado em ameaças ligadas às redes sociais, esse é "o crime de crescimento mais rápido direcionado a menores nos Estados Unidos, Canadá e Austrália".

Em outubro passado, o FBI relatou um aumento de 1.000% nos incidentes de "sextorção" financeira nos EUA nos últimos 18 meses, de acordo com dados do National Center for Missing and Exploited Children (NCMEC).  

No Canadá, a ameaça é considerada uma "emergência de segurança pública". O Serviço Nacional de Denúncias de Exploração Sexual Infantil do Canadá registra cerca de dez denúncias por dia, "um volume sem precedentes".

A Polícia Federal Australiana registra 300 denúncias por mês. Culpa, vergonha... As autoridades acreditam que poucas vítimas denunciam esse tipo de abuso e temem que esses números sejam apenas a ponta do iceberg.

Meninos jovens, as primeiras vítimas

A França não foi poupada. "Das denúncias recebidas em 2023, mais de 12 mil diziam respeito a atos de 'sextorsão', em comparação com cerca de 1.100 em 2022", diz um representante do Escritório para Menores da polícia francesa (Ofmin).

E apenas algumas centenas desses casos resultaram em uma reclamação. Na França, esse novo escritório especializado em crimes contra menores é a "porta de entrada" para denúncias de conteúdo de pornografia infantil de plataformas como Google, Meta e Microsoft.

Jovens são novo alvo depois da pandemia

Embora esse tipo de chantagem já exista há muito tempo, a novidade é que agora ela visa principalmente os jovens. "Antes, a caricatura da vítima era o homem casado de 45 anos, pai de família, ameaçado de ter fotos comprometedoras enviadas para sua esposa", explica Samuel Comblez, diretor do 3018, um número gratuito e anônimo que atende ligações de vítimas de assédio ou violência digital. 

Mas durante a pandemia, ele ressalta, os jovens se encontraram muito nas redes sociais. E os agressores perceberam que os menores também podiam ter dinheiro e, acima de tudo, que eram particularmente vulneráveis", diz ele. "Então, começamos a ver casos de jovens já no ensino médio.

Meninas também são visadas

A Ofmin distingue dois tipos de "sextorsão": um deles visa à extorsão com conteúdo mais sexual e tem como alvo principal as meninas. O outro, "com finalidade econômica". É esse tipo de crime cibernético que está em ascensão. E, neste caso, os meninos são as primeiras vítimas. 

O cenário típico: "Em geral", descreve o representante da Ofmin, "os adolescentes são contatados em uma rede social como o Instagram ou em uma plataforma de jogos por um perfil, geralmente do sexo oposto, que se faz passar por um adolescente de sua idade. Eles conversam e uma relação de confiança é estabelecida. Em seguida, a relação se desvia e a pessoa em questão pede conteúdo íntimo: um vídeo, uma foto. É aí que começa a chantagem, com o autor da chamada dizendo: "ou você me dá dinheiro ou terei uma lista de todos os seus contatos do Instagram e enviarei suas fotos para eles".

Os valores solicitados giram em torno de € 100, que geralmente são pagos com cartões pré-pagos para não deixar rastros. "Deve-se observar que leva cerca de 45 minutos desde o início da conversa até o envio do dinheiro. Isso acontece muito rapidamente", alerta o representante do Ofmin.

A pressão pode ter efeitos desastrosos sobre os adolescentes. "Não há nada mais íntimo do que um corpo nu, nada que queiramos proteger mais", diz Samuel Comblez, do 3018. É por isso que esses ataques são especialmente desestabilizadores. Nos Estados Unidos, cerca de 20 menores de idade tiraram suas próprias vidas após tentativas de sextorsão, de acordo com o FBI.

Yahoo Boys e outros

O que explica o aumento exponencial desses ataques? Por trás dessa onda de sextorsão estão "redes organizadas de criminosos cibernéticos baseados na África Ocidental", explica Ofmin: Costa do Marfim, principalmente para a França, por causa do idioma. Quanto aos países de língua inglesa, o NCRI aponta claramente para os "Yahoo Boys" da Nigéria, cujo nome vem do serviço de mensagens que era tão popular no início dos anos 2000. Seus métodos são muito semelhantes.

Pouco se sabe sobre esses criminosos cibernéticos - qual é o perfil deles? "Geralmente são jovens entre 16 e 30 anos", diz Usmane Ojedokun, professor de sociologia da Universidade de Ibadan (Nigéria), que trabalhou no caso dos Yahoo Boys.

Vingança

Muitos deles são alunos do ensino médio, estudantes ou jovens recém-formados que estão envolvidos clandestinamente em crimes cibernéticos. Sua única motivação? "Ganhar dinheiro", estimulado pelo desemprego endêmico, pela corrupção generalizada e até mesmo por um sentimento de vingança contra o Ocidente colonizador", explica o pesquisador, que conversou com alguns deles.

Essas são as mesmas pessoas que, nos primórdios da Internet, ficaram famosas por aplicar golpes de phishing, às vezes conhecidos como "fraude 419". Esse é um golpe no qual o destinatário de um e-mail é induzido a acreditar que ganhou um prêmio lucrativo e de fácil acesso. Só que, para obtê-lo, a vítima precisa fazer um pequeno pagamento adiantado ou fornecer seus dados bancários, por exemplo. Na realidade, é claro, o prêmio principal não existe. Nos últimos anos, os golpes de namoro estão na moda, sendo que os homens maduros são as principais vítimas. Assim, a Nigéria se tornou um ponto focal no mapa internacional do crime cibernético. "Mesmo antes da Internet, os nigerianos usavam os correios para aplicar golpes em massa. A Internet foi apenas uma oportunidade de ser mais eficaz", diz Usmane Ojedokun.

Agora, os Yahoo Boys, que desfilam em carros de luxo, são histórias de sucesso. "Os Yahoo Boys são muito engenhosos. Assim que uma de suas atividades criminosas se torna conhecida, eles mudam sua estratégia", explica o professor de sociologia. À medida que as ferramentas evoluem, o mesmo acontece com as técnicas de "sextorsão".

Instagram, Snapchat e IA

Hoje, eles estão surfando no sucesso das redes sociais. De acordo com o NCRI, o Instagram, o Snapchat e o Wizz, uma espécie de Tinder para adolescentes, são as três plataformas favoritas dos cyberbullies nigerianos.

Na verdade, os primeiros contatos geralmente ocorrem no Instagram. A rede social não permite que a conexão seja privada. "Quase todos os ataques de sextorsão financeira contra menores de idade consistem em fazer capturas de tela das listas de seguidores da vítima no Instagram", diz o relatório.

Quando a vítima confia, as trocas de mensagens geralmente continuam no Snapchat. "Seus recursos de design dão uma falsa sensação de segurança à vítima, que acredita que suas fotos desaparecerão e não serão capturadas na tela", explica o NCRI. Quanto ao Wizz, desenvolvido por uma editora francesa, mas mais popular do outro lado do Atlântico, após avisos do Canadá e dos EUA de que o aplicativo incentivaria atos de "sextortion", ele foi removido da Apple Store e do Google Play no final de janeiro.

A explosão de casos de "sextortion" também pode ser explicada pelo fato de que esses criminosos cibernéticos começaram a compartilhar seus métodos e conhecimentos on-line. Eles até incentivam outras pessoas a seguir seus passos.

Em seu relatório, o NCRI mostra capturas de tela de scripts e vídeos de "sextortion" na forma de tutoriais descobertos no TikTok, YouTube e Scribd, um site de compartilhamento de documentos. Vistos centenas de milhares de vezes, eles detalham passo a passo como criar um perfil confiável nas redes ou como bombardear escolas com contas falsas, por exemplo, para ter o maior número possível de amigos entre seus futuros alvos e ganhar mais facilmente a confiança de suas presas.

Dicas para evitar cair na armadilha

Proteja suas contas, não envie fotos de nudez ou de sexo, especialmente para estranhos, e não mostre seu rosto. Se você for vítima de tentativa de "sextorsão": corte o contato com o perseguidor, não pague e fale sobre o assunto. O representante da Ofmin esclarece que, em geral, se você não pagar, a imagem não é divulgada. "Eles têm tantas vítimas em potencial na ponta dos dedos que não vão perder tempo divulgando a imagem quando há outras pessoas que estariam dispostas a pagar". 

Samuel Comblez, da 3018, também garante que "se as fotos se espalharem, temos a capacidade, porque trabalhamos com todas as plataformas de mídia social e determinados sites pornográficos, de remover esse conteúdo em poucas horas".

A Meta colaborou com a criação do TakeItDown, uma ferramenta que permite que os adolescentes "recuperem o controle de suas imagens íntimas". Existem outras plataformas, como a StopNCII. Mas também nesse caso, cuidado com golpes e falsas promessas.

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