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As operações israelenses em Gaza respeitam as regras do direito internacional?

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu, nesta quinta-feira (16), a abertura de uma investigação internacional, após possíveis violações do direito internacional na guerra entre Israel e o Hamas, principalmente após o ataque ao hospital Al-Shifa e outros estabelecimentos.

Ataque israelense na faixa de Gaza, nesta quinta-feira.
Ataque israelense na faixa de Gaza, nesta quinta-feira. AP - Leo Correa
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Guilhem Delteim, enviado especial da RFI a Jerusalém

A embaixadora de Israel na ONU reagiu ao anúncio dizendo que o direito internacional não é um "pacto suicida" que permite que "organizações terroristas desfrutem de apoio internacional.” Já o representante palestino na organização pediu à comunidade internacional que "acorde" para o "massacre" e o "genocídio".

"As alegações extremamente sérias de múltiplas e graves violações do Direito Internacional Humanitário, independentemente de quem as cometeu, exigem uma investigação rigorosa e responsabilização", disse o Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, em visita ao Oriente Médio. Ele acrescentou que "uma investigação internacional é necessária".

Durante sua viagem, Türk visitou a passagem de Rafah entre o Egito e Gaza. Em declarações à imprensa, ele disse ter pedido a Israel o acesso ao território israelense e às áreas ocupadas na Palestina, mas "ainda não recebeu uma resposta, o que significa que há esperança".

A missão israelense em Genebra disse que não “vê interesse na visita do comissário da ONU a Israel”. O representante da ONU disse que continuará fazendo o possível para ajudar todas as partes a superar a crise, que se estende muito além da Faixa de Gaza. Ele também declarou estar preocupado com "a intensificação da violência e a discriminação contra os palestinos na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental".

Ataques a hospitais

O lançamento de uma operação dentro do hospital Al-Shifa levantou a questão do respeito ao direito internacional no conflito. As reações internacionais não tardaram, nesta quarta-feira (15), após o lançamento da ofensiva israelense no estabelecimento, o maior da Faixa de Gaza.

A Autoridade Palestina denunciou "uma violação do direito internacional". A Jordânia acusou o Conselho de Segurança da ONU de ter, "pelo seu silêncio", autorizado a barbárie. A ONU disse estar "horrorizada" com os combates no Hospital Al-Shifa.

Os hospitais devem beneficiar da proteção específica estabelecida pela Convenção de Genebra, que define o Direito Internacional Humanitário "e estabelece limites para a selvageria da guerra", segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha. "Esses tratados protegem pessoas que não participaram ou não participam mais dos combates", lembra a organização. Como os hospitais são civis, eles devem, desta forma, ser excluídos das operações militares.

Hospital Al-Shifa é estratégico

Mas, para Israel, o Hospital Al-Shifa é um dos principais objetivos estratégicos. O país acusa o Hamas de instalar seu centro de comando no porão do estabelecimento. Em geral, o movimento islâmico usa os hospitais de Gaza como "um instrumento de guerra", disse o porta-voz do exército israelense, Daniel Hagari.

O Hamas montou depósitos de armas, sua sede e até manteve reféns no local. Em um comunicado divulgado na manhã de quarta-feira, as forças israelenses disseram que "o uso militar contínuo do Hospital Al-Shifa pelo Hamas põe em risco seu status de proteção sob o direito internacional". O Hamas nega as acusações israelenses.

A apropriação indevida de um local civil constituiria um crime de guerra por parte do Hamas. O direito internacional obriga o “agressor”, que realiza o ataque, a respeitar os princípios da distinção, proporcionalidade e precaução.

O princípio da distinção exige, como diz o nome, que uma diferença seja feita entre objetivos militares e infraestruturas civis. Já o princípio de precaução determina que o impacto de uma intervenção sobre os civis seja limitado. Israel acredita que esteja respeitando esse princípio.

"Estamos há mais de um mês tentando retirar as pessoas do norte de Gaza", disse o major Ben (nome fictício), do Escritório de Direito Internacional do Exército. Ele também afirma estar em contato com os diretores dos hospitais e abriu "corredores humanitários" no sul do enclave. Este êxodo, no entanto, custou a vida de civis e continua difícil para vários pacientes. 

Doutrina Dahiya

O direito internacional também prevê que os ataques a alvos militares respeitem o princípio da proporcionalidade.

Na última sexta-feira (10), o Exército israelense anunciou que atingiu mais de 15 mil "alvos terroristas" desde o início da guerra. Israel lançou mais bombas na Faixa de Gaza nas primeiras duas semanas do que os EUA lançaram no Afeganistão em um ano.

Mas, "o princípio da proporcionalidade é muitas vezes deturpado. Ele estipula que, em cada ataque, devem ser avaliados os danos, ferimentos e perdas de vidas civis. Se o dano civil esperado é excessivo em relação à vantagem militar que você está tentando alcançar, então o ataque é desproporcional e você não pode realizá-lo", diz o militar ouvido pela RFI. "Então você tem que avaliar cada ataque individualmente e não com base no número total de pessoas mortas", reitera.

Os principais inimigos do Israel são grupos que o país considera como terroristas e que controlam territórios: o Hezbollah no norte e o Hamas no sul. Em 2006, durante a última guerra do Líbano, as forças israelenses aplicaram a doutrina Dahiya, que recebe este nome em homenagem aos bairros do sul de Beirute, redutos da organização fundamentalista islâmica.

"O conceito de segurança israelense sobre a resposta de Israel às ameaças de foguetes e mísseis da Síria, do Líbano e da Faixa de Gaza está evoluindo gradualmente", escreveu o coronel reservista Gabi Siboni em um artigo publicado pelo Instituto de Estudos de Segurança Nacional em 2008.

"Isso significa que, no início de um conflito, as forças israelenses terão que agir imediatamente e com mais força em relação às ações e ameaças do inimigo. Tal resposta visa infligir danos que exigirão processos de reconstrução longos e caros", explica Siboni.

Esse "conceito estratégico", diz o major Ben, é calcado na ideia de que é necessário atingir mais alvos do inimigo do que os tiros recebidos. Mas não diz que "devemos violar o princípio da proporcionalidade do direito internacional e causar danos aos civis", explica.

"A solução acaba sendo reagir de maneira desproporcional para que o inimigo pense um milhão de vezes antes de partir para o ataque", diz Yehuda Shaul, ex-soldado israelense e codiretor do Ofek, um think tank israelense que defende uma resolução para o conflito israelense-palestino

Ações devem ser investigadas

Ainda é cedo para dizer se a doutrina Dahiya foi aplicada nesta guerra. Cada ação precisará ser investigada assim que o conflito terminar. "No entanto, as declarações de altos funcionários israelenses e o nível de destruição mostram que o exército pode estar seguindo a mesma doutrina de operações anteriores: a doutrina Dahiya", escreveu a Breaking the Silence, organização de veteranos do Exército israelense que alerta sobre os efeitos de uma ocupação prolongada dos territórios palestinos e a legalidade de algumas das operações das Forças Armadas de Israel.

Em 2014, por exemplo, no final do conflito, as Forças de defesa de Israel bombardearam edifícios em Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza, onde as tropas israelenses haviam se instalado durante a operação terrestre. Mas "se houvesse túneis lá, os soldados não teriam ficado lá por várias semanas. Se houvesse armadilhas nos edifícios, os soldados teriam sido mortos. Então, por que bombardear esses prédios?", questiona a organização.

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