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Longa-metragem "Barbie" se torna sucesso de pirataria na Rússia

Desde março de 2022, como resultado da ofensiva russa na Ucrânia, Hollywood não distribui nenhum filme na Rússia. Só que os filmes ocidentais agora estão sendo pirateados. Barbie, um sucesso mundial, também é uma avalanche na Rússia, mesmo que aqueles que adoram a boneca não sejam necessariamente fãs do filme.

A atriz Margot Robbie em uma cena do filme "Barbie".
A atriz Margot Robbie em uma cena do filme "Barbie". AP
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Anissa El Jabri, correspondente da RFI em Moscou

Tudo começou com uma piada no meio do verão na cidade de Perm, nos Urais. Um grupo de amigos de 17 anos soube quase simultaneamente que o filme Barbie havia sido lançado mundialmente, mas também que o circuito de pirataria de filmes de Hollywood via Cazaquistão havia sido descoberto e bloqueado. Até julho, alguns distribuidores de filmes russos estavam obtendo cópias digitais de filmes exibidos no Cazaquistão por meio do aplicativo de mensagens Telegram, sem a autorização dos detentores dos direitos autorais.

"Começamos a brincar sobre isso e a dizer que nós mesmos poderíamos mostrar a Barbie", diz Nikita Zabolotskih, contatado por telefone pela RFI. "No final, decidimos fazer isso. Foi bem rápido, demorou pouco menos de uma semana. A primeira cópia que encontramos veio de países vizinhos no espaço pós-soviético", afirma. "Não foi fácil, mas, pesquisando na Internet, acabamos encontrando o filme, e eu fui a primeira pessoa em toda a Rússia a organizar uma exibição de "Barbie" em Perm, em 5 de agosto. Foi uma exibição particular para 56 pessoas, apenas para testar o filme", explica.

"Quando percebi que havia uma demanda real, decidi organizar sessões em uma escala maior. Contratei um dublador profissional e encontrei uma versão de qualidade do filme para a tela, dessa vez por meio de uma cópia latino-americana. Durante uma semana, todos trabalharam arduamente, e o resultado foi uma boa imagem, um bom som e uma qualidade agradável do filme", detalhou o entrevistado.

Negociação com cinemas, uma etapa delicada

Para Nikita Zabolotskih, a parte mais complicada do processo é a negociação de uma sala de exibição em um cinema. "Há dois fatores em jogo. O primeiro é o medo, e a maioria dos cinemas se recusa a fazer isso. O segundo é a ganância. Os cinemas que concordam em fazer isso aumentam enormemente o preço do aluguel assim que descobrem que Barbie está sendo exibida", relata. "Ao mesmo tempo, eles se protegem de todas as formas possíveis e repetem 200 vezes que, se algo acontecer, a responsabilidade é minha, que eles não estão envolvidos. Que eu mesmo tenho que organizar a venda de ingressos, que não há nenhuma questão de publicidade e que eles dirão, aconteça o que acontecer, que não sabiam de nada", diz.

Na Rússia, em caso de pirataria e distribuição a um grupo de pessoas, o infrator está sujeito a uma pena de trabalho compulsório de até cinco anos, uma pena privativa de liberdade de até seis anos, com ou sem multa de até 500.000 rublos (cerca de € 5.000 na cotação atual).

Alguns cinemas decidem que ainda vale a pena correr o risco e aumentam os preços. "O aluguel de um cinema para 300 pessoas custa, em média, 78 mil rublos, ou € 780 na cotação atual", diz Nikita Zabolotskih.

Para "Barbie", alguns cinemas não hesitam em cobrar... 50% a mais. Nikita e seus amigos cobram entre 350 e 450 rublos pelo ingresso.

Uma sátira feminista em vez de um filme de amor

O que explica esse sucesso? Para a jovem de 17 anos, sem hesitação, é o tema do filme. "É uma obra-prima de sátira feminista e também uma atuação incrível de Ryan Gosling, que faz você rir e chorar. Esse filme mostra perfeitamente todas as dificuldades e tormentos do patriarcado", afirma.

"Há muitas pessoas que não aceitam o filme de forma alguma, que o denegriram em todos os lugares. Mas isso também é importante, pois significa que as pessoas querem assisti-lo e debatê-lo. Por fim, a trilha sonora do filme é incrível, muito legal. O público aqui é formado por jovens de 16 a 22 anos. Mas também havia mães que perguntaram se poderiam vir com seus filhos. Há mulheres de 40 a 50 anos. O filme atinge muitas categorias diferentes de pessoas, porque todo mundo pode encontrar algo nele", diz Zabolotskih.

No entanto, o discurso feminista do filme pode causar decepção ou, no mínimo, mal-entendido em uma Rússia que celebra valores "tradicionais" e que, desde o início do que o Kremlin ainda chama de "operação especial", acentuou sua tendência ultraconservadora.

Esse é o caso de Mascha, uma moscovita de 41 anos com um emprego e uma renda confortáveis. Ela ouviu repercussões em certas mídias legitimistas de políticos se referindo à "propaganda LGBT" no filme. No entanto, essa fã da Barbie conseguiu ver o filme em uma versão transmitida pelo VKontakte, o Facebook russo.

"A qualidade não era ruim", diz ela. Mas as imagens eram muito pequenas. Era óbvio que era pirata, porque você podia ouvir as pessoas na plateia falando", afirma. De qualquer forma, para essa executiva de comunicações de 41 anos, essa não foi a primeira vez: "Eu já assistia a muitos filmes piratas antes dos anos 2000, geralmente comprando DVDs piratas. Esse foi o caso até quase 2010, quando a lei se tornou mais rígida. Então, na verdade, estamos apenas voltando ao que fazíamos antes", detalhou à RFI.

Acima de tudo, o que ela lembra é que, nesse filme, "o tema principal é a luta das mulheres, mas não há absolutamente nada sobre amor. E, no entanto, a boneca Barbie e seu companheiro foram criados com o objetivo de construir uma família. Eu estava esperando ver algo sobre as aventuras de Barbie e Ken", disse.

Barbie, um objeto raro na URSS e na Rússia pós-soviética

Mascha se lembra bem do que a fez sonhar quando criança: "Minha Barbie era uma Barbie de Hollywood, com cabelo de Hollywood. Ela tinha cabelos longos com cachos dourados, com um laço, brincos de ouro, era muito bonita. Eu tinha uma chamada Cynthia e outra chamada Betty, e eu brincava com elas com muito, muito cuidado", lembra.

Trazida da Hungria - então parte do bloco oriental - na década de 1980 para poucos privilegiados, ou comprada na década de 1990 após a queda da URSS, a boneca evoca nos olhos de muitas crianças russas daquele período a preciosa lembrança de um primeiro brinquedo quase maravilhoso, muito mais do que os brinquedos soviéticos. Quando falamos de bonecas, vemos um sorriso raro e imediato iluminando o rosto de muitas russas naqueles tempos difíceis.

Uma mulher moscovita de quase 40 anos, com suas duas filhas, todas vestidas de rosa, diz: "Quando eu era criança, ainda tinha minhas duas avós. Uma delas, quando eu vinha visitá-la, sempre me dava um pouco de dinheiro, para comprar roupas, por exemplo. Não víamos muito a outra avó, que não estava muito bem financeiramente, mas ela me deu uma Barbie. Isso me deixou muito mais feliz! Foi o único presente que ela me deu, mas para mim foi o melhor presente possível. Por isso, ela era minha avó favorita", afirmou à reportagem.

Hoje, essa mãe ainda acredita que a Barbie é "a quintessência da feminilidade e da beleza. Essa boneca tem um corpo magnífico, ela é um modelo, a personificação de uma mulher perfeita", diz, sem reservas.

Mesmo para aqueles que não viram o filme, a comemoração de seu lançamento parece fazer sentido. Como noites temáticas em bares onde você pode tirar fotos com as silhuetas de papelão dos atores e um menu da Barbie dedicado a "todas as princesas da cidade".

Em Moscou, muitos fãs estão comemorando o lançamento do filme à sua própria maneira e, nas últimas semanas, tiraram as roupas cor-de-rosa do guarda-roupa, como multidões ao redor do planeta.

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