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Deputada ucraniana conta como aprendeu a usar um fuzil Kalashnikov para defender o seu país

A deputada ucraniana Kira Rudik é líder do partido liberal e pró-europeu Golos. Em 24 de fevereiro, o primeiro dia da invasão russa ao seu país, ela reuniu a sua equipe e cada um decidiu como seria útil nesta guerra, inclusive as mulheres. Kira decidiu ficar em Kiev, onde coordena um grupo de 30 resistentes, e conta à RFI a sua rotina nos últimos dias, quando aprendeu a manipular armas pesadas, como um fuzil Kalashnikov, em condições difíceis: deitada, no escuro ou imóvel durante 20 minutos. 

A deputada ucraniana Kira Rudik trabalha ao lado de uma arma, em Kiev. Feminista, ela lidera um grupo de 30 resistentes na capital ucraniana.
A deputada ucraniana Kira Rudik trabalha ao lado de uma arma, em Kiev. Feminista, ela lidera um grupo de 30 resistentes na capital ucraniana. © Arquivo pessoal
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Por Paloma Varón

Aos 36 anos, Kira Rudik é membro do Parlamento ucraniano desde 2019. Ela prefere não dar informações sobre a sua vida pessoal e sua família, porque diz estar na lista de alvos do presidente russo Vladimir Putin, mas falou de sua casa, em Kiev, à RFI, sobre o seu cotidiano na resistência: "Sou feminista e acho que devemos ter o direito de escolha e as mesmas possibilidades que os homens". 

RFI - Eu gostaria de saber mais sobre a resistência feminina na Ucrânia. A senhora acha que as mulheres devem ficar no país e lutar?

Kira Rudik - Eu acho superimportante que as mulheres tenham escolha. No primeiro dia da guerra, minha equipe no Parlamento se reuniu e cada uma de nós pensou: onde eu posso ser mais útil ao meu pais? Onde posso fazer diferença?

Então tem mulheres que são úteis nas fronteiras com a Polônia, organizando a saída dos refugiados, tem mulheres que são úteis em Lviv, onde asseguram a entrada de comboios humanitários. E tem mulheres que são úteis aqui em Kiev. Eu decidi que sou útil aqui, comprei armas, estou treinando todos os dias a manipular fuzis para lutar pelo meu paٌís. Não vou deixar a Ucrânia, não vou deixar o Parlamento, vou ficar aqui para lutar e ver a vitória do meu país.

RFI - Como foi aprender a manipular armas e mesmo um fuzil Kalashnikov?

KR - Bom, vou dar algumas dicas e truques para as iniciantes. Em primeiro lugar, esqueça a manicure. Em segundo, a arma é pesada e cheira a metal e, quando carregada, tem cheiro de óleo, cheiro de guerra...

Na maior parte do tempo, você não fica atirando, mas manipulando a arma. A gente aprende a carregá-la, a apontar, a manipular a arma em várias situações, em pé, sentada, comendo e até mesmo deitada. Este exercício básico é feito todos os dias. E, quando você aprende a fazer tudo isso, você tem que aprender a fazer o mesmo na escuridão, porque a maioria das batalhas ocorre no escuro. Você tem que aprender a carregar uma arma deste porte sem olhar.

Ficar apontando para um alvo durante 20 minutos sem se mexer é muito difícil. Correr com uma arma destas é muito, muito pesado. É um treinamento extremamente extenuante, e eu realmente espero que eu não precise usá-la, mas acredito que o dia em que eu precise usá-la vai chegar...

A deputada ucrianiana Kira Rudik lidera um grupo de 30 resistentes em Kiev e aprendeu a manipular armas assim que a guerra começou. Líder do partido Golos no Parlamento ucraniano, ela se considera feminista.
A deputada ucrianiana Kira Rudik lidera um grupo de 30 resistentes em Kiev e aprendeu a manipular armas assim que a guerra começou. Líder do partido Golos no Parlamento ucraniano, ela se considera feminista. © Arquivo pessoal

RFI - A senhora conhece outras mulheres que estão passando por este treinamento?

KR - Sim, há mulheres que estão entrando no exército: 15% do exército ucraniano hoje é formado por mulheres. E há mulheres que estão entrando na resistência, como eu, com treinos diários para ter a certeza de que, quando for preciso, entraremos numa boa briga contra Putin.

RFI - Como é a sua vida desde que a guerra começou?

KR -  Por enquanto, eu ainda tenho acesso à comida, água, eletricidade e internet. Mas estamos nos preparando para cortes no abastecimento. O exército de Putin está se preparando para sitiar Kiev.

RFI - Antes de a guerra começar, a senhora pensava que um dia iria manipular armas, que aprenderia a mexer num fuzil Kalashnikov? 

KR - Não (risos), eu nunca poderia imaginar isso. Posso te dizer que, dois dias antes da guerra, estávamos no Parlamento votando sobre a lei do porte de armas por civis e eu não votei.

RFI - A senhora leu sobre um deputado brasileiro que foi à Ucrânia e fez comentários sexistas sobre mulheres ucranianas?

KR - Não, não vi, desculpa.

RFI - Gostaria que a senhora nos contasse como é ser uma mulher na Ucrânia hoje?

KR - Bem, é complicadamente empoderador, é uma honra e é muito motivador. Você pode acolher pessoas e criar uma unidade entre as mulheres. Quando você entra nos abrigos antibombas, onde há crianças, essas crianças não são de uma mulher específica, são de todas nós.

Eu vou te contar uma história: eu não sei cozinhar nada, nunca fui de cozinhar, meu ex-marido sabe bem disso, mas agora estou cozinhando refeições para 30 pessoas do meu grupo de resistência e, ao mesmo tempo, falando com os mais famosos políticos do mundo inteiro que estão nos apoiando. Eu sou capaz de fazer tudo isso agora. É isso ser uma mulher ucraniana hoje: ser incrivelmente forte e resiliente. Nós somos o símbolo de que a Ucrânia não vai capitular, a Ucrânia vai vencer. É isso o que estamos fazendo e é isso o que vai prevalecer.

RFI - A senhora se considera feminista?

KR - Claro, eu sou feminista. Eu sou muito independente, eu acho que nós, mulheres, devemos ter as mesmas possibilidades que os homens. E, honestamente, nós temos, porque ninguém me disse para ficar ou para partir; esta foi a minha decisão pessoal. E esta é uma das coisas pelas quais lutamos, por nós e por nossas filhas, para que sejamos aptas a tomarmos as nossas próprias decisões.

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