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UE tem mais a oferecer ao Brasil do que acordo de troca de "carne por carros", dizem especialistas

Seis professores universitários franceses e belgas publicam nesta segunda-feira (11) um artigo de opinião no jornal Le Monde, no qual afirmam que a União Europeia (UE) tem coisa melhor a oferecer ao Brasil do que um acordo comercial de troca de “carne por carros”.

O chanceler alemão, Olaf Scholz (à direita), é um dos principais interessados na conclusão do acordo e recebeu o presidente Lula em Berlim, no início do mês.
O chanceler alemão, Olaf Scholz (à direita), é um dos principais interessados na conclusão do acordo e recebeu o presidente Lula em Berlim, no início do mês. © Ricardo Stuckert/PR
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No texto, os seis especialistas em direito internacional, políticas sociais, clima e meio ambiente dizem que tudo levava a crer que a eleição de Javier Milei na Argentina, um presidente de extrema direita, negacionista climático e a favor da saída de seu país do bloco sul-americano, iria bloquear as discussões para a finalização do acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, grupo formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela (suspensa). 

Críticas

"Em discussão desde 2019, este acordo é amplamente criticado devido aos impactos ambientais previstos", destacam os autores do artigo. Porém, a determinação das presidências espanhola da UE e brasileira do Mercosul de continuar lutando para a conclusão do tratado leva esse grupo de pesquisadores a se pronunciar contra as negociações.

Autores

Entre outros, o texto é assinado por Laurence Dubin, professora de Direito Público Internacional na Universidade Paris-I-Panthéon-Sorbonne; François Gemenne, cientista político, presidente do conselho científico da Fundação para a Natureza e o Homem, autor do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), e Dominique Méda, socióloga, especialista em trabalho, políticas sociais, indicadores de riqueza, desigualdades de gênero no mercado de trabalho, e transição ecológica.

'Valores europeus'

Na Conferência do Clima da ONU em Dubai (COP28), a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e representantes do agronegócio brasileiro têm procurado mostrar ao mundo que a produção agrícola do país está mobilizada para reduzir o seu impacto ambiental. No entanto, o artigo publicado no Le Monde diz que a UE não pode "passar por cima de seus próprios valores", muito menos a poucos meses das eleições para o Parlamento Europeu. 

França, Áustria, Bélgica, Irlanda e Holanda já disseram que não irão assinar o tratado do jeito que está. O presidente francês, Emmanuel Macron, se referiu à proposta em negociação como um acordo "mal remendado" e ultrapassado. A Alemanha, que enfrenta uma crise econômica e tem um modelo baseado em exportações de manufaturados e máquinas, é um dos países mais interessados no tratado, pois poderia escoar seus produtos de alto valor agregado na América do Sul.

Cooperação para transição

Segundo os autores da tribuna no Le Monde, "acima de tudo, temos melhor para oferecer ao Brasil do que um acordo comercial de troca de 'carne por carros'".

"É tempo de abandonar este acordo ultrapassado e desenvolver uma parceria estratégica em matéria de clima e biodiversidade; uma parceria baseada não na competição, mas na cooperação. Fernando Haddad, o ministro da Fazenda brasileiro, acaba de apresentar na COP28 um ambicioso plano de transição ecológica que exigirá muito financiamento público e privado e assistência técnica. Esta é a ocasião para a UE demonstrar que pode ser um parceiro digno, ajudando Lula a tornar o Brasil o primeiro país emergente a reduzir as desigualdades, a ter sucesso na sua transição e a proteger a Amazônia", conclui o artigo. 

Custo ambiental e econômico

O deputado francês Emmanuel Maurel, da bancada de esquerda do Parlamento Europeu, diz em entrevista à revista Marianne que “o mundo não precisa de intensificar os intercâmbios entre grandes blocos 'geopolíticos'”, um argumento frequentemente destacado pela Comissão Europeia para frear a influência crescente da China na América do Sul.

Segundo o parlamentar, a aplicação do acordo não seria boa para a Europa, nem para o Mercosul, nem para o mundo. De acordo com um estudo do Banco da França, publicado em 2020, o aumento da circulação dos fluxos de mercadorias na globalização é responsável por um quarto das emissões adicionais de gases com efeito de estufa. No que diz respeito ao Mercosul, a situação agrava-se para os principais produtos listados no texto: prevê-se importar da América do Sul 99 mil toneladas de carne bovina, 180 mil toneladas de aves e 650 mil toneladas de etanol por ano.

'Hipocrisia'

Este aumento sem precedentes nas importações agrícolas (para a carne bovina, +63% até 2035) causará entre +5% e +25% de desmatamento adicional, de acordo com cálculos de ONGs europeias.

Outro argumento apontado pelos críticos é que a União Europeia continuaria exportando agrotóxicos proibidos no bloco para o Mercosul, mas sem taxas alfandegárias, para depois importar para o prato dos europeus esses produtos tóxicos, considerados perigosos para a saúde e o meio ambiente. "Podemos perceber a contradição, para não falar da hipocrisia de certos discursos ecologicamente corretos", diz a revista.

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