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Como a França conseguiu reduzir mortes e prejuízos causados por tempestades graças à ciência

Em uma década, a França conseguiu diminuir de maneira drástica as consequências das tempestades graças a uma série de medidas baseadas na ciência: previsões meteorológicas confiáveis e sobretudo precoces, que permitiram às autoridades alertar os moradores das regiões atingidas e mobilizar agentes de socorro, saúde e transporte.

A tempestade Ciaran chega a  Penmarc'h, no oeste da França, em 2 de novembro de 2023.
A tempestade Ciaran chega a Penmarc'h, no oeste da França, em 2 de novembro de 2023. AFP - FRED TANNEAU
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Na noite de quarta-feira (1), a tempestade Ciaran atingiu o noroeste da França, com ventos de até 200 km/h, chuva forte, ondas gigantescas, causando duas mortes e deixando 47 feridos. Apesar de ainda ser cedo para calcular os prejuízos materiais causados pelo temporal, uma coisa já é certa: as perdas humanas são bem menores que os 50 mortos causados pela tempestade Xynthia, em 2010, e que os 92 de Lothar e Martin, em 1999.

A principal diferença entre as tempestades de 1999 e 2010 e Ciaran, para especialistas, foi a prevenção baseada na previsão meteorológica antecipada. 

“Cerca de dez dias antes da chegada da tempestade, começamos a ver sinais de alerta. E cinco ou seis dias antes, poderíamos estabelecer previsões sobre sua trajetória e intensidade quase perfeitamente”, sublinha o climatologista Christophe Cassou em entrevista ao jornal Libération. O especialista do IPCC vê isso como uma melhoria inegável nas tecnologias utilizadas pelos sistemas de observação.

“Essa tempestade foi muito bem antecipada”, disse à RFI o climatologista François-Marie Bréon, pesquisador do Laboratório de Ciência do Clima e do Meio Ambiente. Para ele, a prevenção foi a principal lição aprendida com a tempestade de 1999.  

“Se você perguntar se entendemos a gravidade deste tipo de coisa, a resposta é sim. Além das previsões que são ainda mais precisas do que eram, várias coisas foram postas em prática, como a vigilância vermelha, por exemplo, que não existia naquela época”, diz o pesquisador. Atualmente a França conta com um sistema de vigilância que varia entre vermelho, laranja e verde, dependendo da intensidade do fenômeno meteorológico.

Ele afirma que as grandes tempestades anteriores a Ciaran, em particular as de 1999 – com o maior número de vítimas da história da França – foram muito mal antecipadas. “Desde então, o poder público conseguiu tomar medidas”, afirma.

Previsão seguida de medidas de proteção

Com a tempestade prevista, foi possível aplicar medidas de contenção de prejuízos. Mensagens de texto alertando prefeitos e habitantes foram enviadas para que ficassem em suas casas. Algumas pessoas também receberam informações de suas seguradoras indicando como evitar possíveis sinistros.

“Há coisas que podemos antecipar. Principalmente no que diz respeito a perdas humanas. O fato de dar instruções como de não sair de casa, isso foi feito este ano. Certamente é muito bom não sair. Não circular, é muito favorável para o custo humano. Por outro lado, para questões materiais, infelizmente, apesar da prevenção, se você tem um telhado que não resiste, um certo vento e bem, o telhado vai cair, mesmo que as autoridades públicas lhe digam para ter cuidado. Portanto, devemos separar cuidadosamente a avaliação material da avaliação humana”, diz Bréon.

A boa previsão meteorológica também possibilitou que todos os centros operacionais dos departamentos atingidos entrassem em alerta e mobilizassem a polícia, os bombeiros e a agência regional de saúde. De acordo com autoridades da Bretanha, mais de 1.000 bombeiros estavam ativos na manhã de quinta-feira no departamento, em comparação com os 400 que atuam normalmente.

Além disso, equipes da região de Loire-Atlantique foram chamadas para reforçar as equipes. Com os alertas da Météo France, o órgão de previsões meteorológicas francês, e do Estado, a população também pôde ser prevenida e tomar precauções.  

Um homem caminha ao lado de uma árvore caída na orla de Pornichet, na Bretanha, oeste da França, em 2 de novembro de 2023.
Um homem caminha ao lado de uma árvore caída na orla de Pornichet, na Bretanha, oeste da França, em 2 de novembro de 2023. AP - Jeremias Gonzalez

Vulnerabilidades

Mas apesar da gestão controlada, Ciaran destacou vulnerabilidades significativas. A começar pela falta de resiliência do sistema elétrico. Segundo o gestor Enedis, até 1,2 milhão de residências ficaram simultaneamente privadas de energia devido a “quedas de árvores sobre linhas de energia, postes e cabos rompidos”.

Precisamente sobre a limitação de danos materiais, para François-Marie Bréon, ainda há coisas que poderiam ser melhoradas, mas que são mais complexas.

Sabemos que as mudanças climáticas causam um aumento do nível do mar, então isso vai ter um impacto sobre as consequências nas zonas costeiras. Porque, claro, quando o nível do mar é maior, mais zonas serão inundadas”, ainda que sem mudança na intensidade das tempestades.

“Aumento do nível do mar, mas também, devido ao fato de que com o aquecimento global tem mais água na atmosfera, porque a atmosfera quente pode conter mais vapor de água e por consequência as precipitações associadas a este tipo de fenômeno meteorológico extremo também vão aumentar”, afirma.

Para ele, a gestão do território, principalmente do litoral, é necessária para reduzir ainda mais o número de mortos. “Efetivamente, isso quer dizer que não se pode construir na beira do mar, que é necessário reforçar algumas barragens e algumas áreas terão que ser evacuadas”, explica. “Esse aumento do nível do mar é inevitável, ainda que consigamos parar o aquecimento global, continuaremos tendo um aumento do nível do mar, então, a medida de previsão seria de evacuar certas zonas”.

Outra questão que fica é sobre a vulnerabilidade das zonas urbanas a este tipo de fenômeno meteorológico extremo. Se ventos de 150 km/h tivessem atingido áreas muito densas como Paris, os custos humanos e materiais poderiam ter sido maiores?

Especialistas ressaltam que a tempestade atingiu áreas litorâneas e acostumadas a tempestades. A ideia dos pesquisadores franceses agora é se adaptar para não serem pegos de surpresa caso tempestades como Ciaran atinjam outras regiões da França.  

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