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Seca na França: "Mandam água para o outro lado do mundo enquanto aqui estamos com sede", denuncia morador de Volvic

As fontes públicas de água potável em Volvic, no centro da França, foram fechadas. Paradoxo cruel para uma cidade produtora de água mineral mundialmente famosa, cuja fábrica de engarrafamento é acusada de extrair sem levar em conta o declínio das águas subterrâneas devido ao aquecimento global.

A França vive uma crise hídrica. Foto ilustrativa.
A França vive uma crise hídrica. Foto ilustrativa. AFP - GAIZKA IROZ
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"Temos a impressão de que estão sempre aumentando a extração", diz indignada Sylvie de Larouzière, presidente da ONG ambientalista Preva, em uníssono com alguns moradores da região.

A população local "não aceita mais ver a água da bacia sair em garrafas plásticas por trens, caminhões e aviões no exterior, enquanto os córregos da região estão secos", alertou em fevereiro esta ONG ambientalista.

Aninhadas no coração de colinas vulcânicas verdejantes, essas montanhas de Auvergne outrora percebidas como as "torres de água" da França, onde rios e córregos eram poderosos o suficiente para girar moinhos, Volvic e seus 5.000 habitantes gradualmente viram seu fluxo secar.

No início de maio, devido ao volume de chuvas "anormalmente baixo", as autoridades proibiram regar plantas e o encher piscinas numa zona que afeta cerca de 60 mil pessoas. Os cortes de água são temidos para o verão, que começou oficialmente nesta quarta-feira (21) no Hemisfério Norte.

Volvic personifica a crise hídrica em que a França se encontra devido ao aquecimento global.

Depois de um inverno excepcionalmente seco, marcado por um recorde de 32 dias sem precipitação, de 21 de janeiro a 21 de fevereiro, dois terços dos lençóis freáticos do país estão abaixo do normal, preocupou-se em meados de junho o ministro do Meio Ambiente, Christophe Bechu.

Água mineral na mira

No sopé dos Pirineus (Sul), os vilarejos agora devem ser abastecidos por caminhão.

“Chegamos a uma situação crítica para a água potável”, lamenta a ex-ministra francesa do Meio Ambiente e atual deputada ambientalista, Delphine Batho.

“Estamos experimentando o fim da abundância”, alertou o presidente Emmanuel Macron em agosto passado. Em março deste ano, o chefe de Estado estabeleceu a meta de reduzir as retiradas anuais de água doce na França em 10% até 2030A questão da água mineral - da qual a França é o maior exportador mundial com marcas como Volvic, mas também Evian, e Perrier - também é levantada. 

"Mandar água para o outro lado do mundo quando aqui estamos morrendo de sede me incomoda", resmunga José da Silva, 69, que trabalhou 30 anos na fábrica da Volvic, que pertente à multinacional francesa Danone.

Tensões semelhantes estão ocorrendo em Vosges, região no nordeste da França, onde a Vittel, da suíça Nestlé, é acusada de superexplorar o lençol freático. Outras disputas similares opuseram a indústria de água mineral e moradores no México, na Califórnia e em Fiji.

A marca Volvic existe desde 1935. A água é naturalmente filtrada por uma bacia vulcânica revestida de granito em um processo que leva cinco anos, de acordo com a empresa.

Segundo a Preva, a fabricante obteve no final de 2021 do Estado uma autorização para retirar 2,52 bilhões de litros, o equivalente a 1,5 bilhão de garrafas plásticas parcialmente exportadas, ou seja, “a antítese de uma atividade sustentável e ecologicamente responsável".

A empresa insiste no fato de usar apenas 22% da água local, quando o sistema público de abastecimento usaria metade deste recurso.

"Sem impacto"

“Desenvolvidas na fonte de água potável, as atividades da Volvic não têm impacto na disponibilidade do recurso nas redes de água potável do território”, garante a empresa, que não é afetada pelas restrições impostas aos habitantes da zona.

O Estado francês, por meio da Secretaria de Segurança Pública regional, também nega qualquer ligação entre a empresa e as restrições hídricas, culpando as chuvas de 2022 que ficaram 24% abaixo da média. As restrições ao uso da água são "preventivas" para evitar "uma tensão muito grande no abastecimento", insiste a secretaria em comunicado à imprensa.

Mas a Preva e outro grupo local, a Marsat, suspeitam que os seis poços profundos usados ​​pela Danone estejam baixando o nível do aquífero Volvic.

O criador de trutas Edouard de Féligonde, cujos viveiros de peixes que datam do século XVII secaram repentinamente, reclama € 32 milhões do Estado francês pelos prejuízos de sua operação. Segundo ele, um laudo pericial solicitado por um juiz no ano passado confirmará que a Danone é responsável.

"Atualmente as autoridades estão tentando nos fazer acreditar que o problema da falta de água está ligado ao problema geral da seca que a França está passando. Isso é falso", alerta Féligonde, questionado pela AFP. Para ele, muita gente tem medo de se manifestar porque a Danone é de longe a maior empregadora local, com mil funcionários. "Não sou o único afetado, mas sou o único com meios para reagir", afirma.

(Com AFP)

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