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Governo britânico vai indenizar ex-funcionários dos correios acusados de roubo por engano

Quase mil ex-diretores de filiais dos correios do Reino Unido, condenados injustamente por fraude e roubo, serão inocentados e compensados pelo governo, após vinte e cinco anos. O erro foi causado por um software de contabilidade chamado Horizon, instalado nos anos 1990, que transmitiu informações equivocadas e levou à prisão de centenas de funcionários. O caso só voltou à tona depois da exibição de uma minissérie na TV britânica.

Parlamento britânico vai analisar caso que levou à condenação, por engano, de cerca de mil diretores das agências dos correios
Parlamento britânico vai analisar caso que levou à condenação, por engano, de cerca de mil diretores das agências dos correios AP - Maria Unger
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Yula Rocha, correspondente da RFI em Londres

A falha técnica arruinou a vida e destruiu a reputação de 983 britânicos que administravam franquias dos correios. Muitos foram presos e se endividaram com empréstimos para pagar advogados e para sobreviver. Quatro deles se suicidaram.

O caso voltará a ser discutido pelo governo e o Parlamento, que prometem uma compensação legal e financeira às vítimas. Mas isso só aconteceu graças à série “Mr Bates vs The Post Office”, exibida na TV, baseada na história real de Alan Bates, um dos acusados.

A minissérie mexeu com o país, mergulhado em uma crise econômica e pessimista em relação ao governo às vésperas das eleições, que podem tirar os conservadores do poder depois de 13 anos.

Em 2000, Bates, que tinha uma pequena agência dos correios no País de Gales, percebeu uma diferença de caixa equivalente a R$ 370 mil. Ele acionou auditores e o sistema dos correios, que negaram a falha no software. Ele acabou perdendo o contrato da franquia e o dinheiro investido para abrir o negócio. Bates descobriu que não estava sozinho e encabeçou uma campanha nacional por justiça.

O software dos correios foi desenvolvido pela japonesa Fujitsu, que garantiu um contrato milionário com governo britânico para conectar o sistema de 20 mil agências de correios no país. Ele começou a ser usado em 1999 e em apenas algumas semanas os gerentes das franquias começaram a reclamar de incoerências do sistema. Mas o governo e a companhia de software negaram o problema.

Vidas arruinadas

Quem acabou pagando pela diferença apontada nos balanços de caixa dessas agências dos correios foram os ex-diretores das franquias. Ao longo de duas décadas, mais de 900 deles foram levados à Justiça, condenados, presos e tiveram a reputação e a vida financeira arruinados. Apenas 93 tiveram suas penas canceladas, mas não conseguiram limpar a ficha criminal.

Só em 2013, depois de muita pressão, uma empresa independente foi contratada para avaliar o software, encontrou defeitos, mas revelou que o sistema era robusto e, portanto, não havia um problema sistêmico. Dois anos depois, finalmente chegou-se à conclusão de que o problema de fato existia e em 2019 os correios ofereceram compensação de cerca de R$ 120 mil para 555 ex-funcionários e alguns tiveram suas condenações suspensas pela Justiça.

Nova Lei e a Independência do Judiciário em jogo

Depois da exibição da série na TV, o caso mobilizou o Parlamento e o governo. Na última quarta-feira, uma investigação foi aberta para ouvir todos os envolvidos. O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, anunciou que uma lei será implementada até o fim deste ano para compensar todas as vítimas do escândalo e para anistiar os que foram condenados pelas cortes britânicas.

Mas o anúncio tem uma grande implicação constitucional e causou preocupação de muitos juristas: ele põe em xeque a independência do sistema judiciário britânico, base da democracia moderna. Atualmente o parlamento pode "perdoar" um crime, o que na prática anula uma condenação, mas não a conclusão da Justiça sobre o caso.

Assim que a nova lei for implementada, as condenações serão anuladas e compensações distribuídas. Mas há um número, ainda não definido de ex-funcionários dos correios que de fato se aproveitaram da falha do sistema, mas que também serão anistiados pela nova legislação.

Repercussões

Alan Bates comemorou com cautela o anúncio do governo, mas criticou o valor da indenização prevista de cerca de R$ 460 mil reais a quatro mil vítimas já identificadas. “Pra quem perdeu a casa, o próprio negócio, e a aposentadoria a compensação não é suficiente. Como determinar um valor de quinze, vinte anos de sofrimento e estresse pós-traumático? O governo ainda não mencionou qualquer apoio e tratamento de saúde mental às vítimas e suas famílias”, disse Bates à imprensa britânica.

Depois de uma petição com mais de um milhão de assinaturas, a ex-CEO dos Correios, Paula Vennels, abriu mão do título da ordem do Império Britânico concedido pela sua contribuição ao país.

Apesar de tudo, o sistema Horizon continuou sendo utilizado nos correios até o fim de 2025. A empresa japonesa tem hoje 191 contratos com o governo britânico, entre eles com os departamentos de defesa e de imigração, que totalizam mais de quarenta bilhões de reais.

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