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Cardeais conservadores tramam rebelião para impedir que papa Francisco promova avanços em sínodo

O papa Francisco inaugurou nesta quarta-feira (4), no Vaticano, a 16ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos. A conferência busca um consenso sobre importantes avanços na Igreja Católica. No entanto, desde os preparativos, um grupo de cardeais conservadores questiona as ideias progressistas do papa argentino.

Participantes do Sínodo da Igreja Católica, no Vaticano.
Participantes do Sínodo da Igreja Católica, no Vaticano. AP - Gregorio Borgia
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Gina Marques, correspondente da RFI em Roma

Há algumas semanas, cinco cardeais idosos ultraconservadores, todos reformados e nenhum deles membro da assembleia, apresentaram uma carta ao papa, na qual elencaram uma série de dúvidas. Eles expressaram publicamente a sua “mais profunda preocupação” por alguns dos temas abordados no sínodo. Entre eles, a possibilidade de dar a bênção aos casais homossexuais, a comunhão aos divorciados que se casaram de novo e a perspectiva que mulheres possam se tornar sacerdotes.

Os cinco signatários da missiva eram o alemão Walter Brandmuller, o americano Raymond Leo Burke, o mexicano Juan Sandoval Iniguez, o guineense Robert Sarah, e o chinês Joseph Zen Ze-kiun.

O debate por escrito ocorreu em julho, e o Vaticano publicou o posicionamento do papa na última segunda-feira (2), após os cinco cardeais manifestarem insatisfação com as respostas de Francisco.

A primeira carta dos cardeais ao papa foi enviada em 10 de julho. Em sua resposta, encaminhada no dia seguinte, o pontífice argentino abriu a possibilidade de dar a bênção aos casais homossexuais. Na ocasião, o pontífice escreveu: “Não podemos ser juízes que apenas negam, rejeitam, excluem”.

O papa esclareceu que o casamento é apenas entre um homem e uma mulher. No entanto, ele afirmou que a prudência pastoral deve discernir adequadamente se existem formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam um conceito incorreto de casamento.

“Quando se pede uma bênção, está se expressando um pedido de ajuda a Deus, uma súplica para poder viver melhor, uma confiança em um Pai que pode nos ajudar a viver melhor”, escreveu o papa.

Porém, os cardeais ultraconservadores consideraram que as respostas não eram abrangentes. Eles escreveram, então, uma segunda carta ao líder da Igreja, datada de 22 de julho e enviada em 21 de agosto. Não tendo recebido uma resposta a essa última correspondência, os cinco cardeais decidiram torná-la pública.

Por sua vez, o Dicastério para a Doutrina da Fé, chefiado pelo cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, reagiu e publicou algumas horas mais tarde a resposta do papa, embora sem a introdução em que exortava os cardeais a não terem medo do sínodo.  

Os cinco cardeais pediram ao papa que respondesse a algumas perguntas com um sim ou não. Entre as questões colocadas, perguntaram se “é possível que a Igreja hoje ensine doutrinas contrárias às que ensinava anteriormente em matéria de fé e moral”.

Também pediram uma posição do papa se “é possível que, em algumas circunstâncias, um pastor possa abençoar as uniões entre pessoas homossexuais, deixando entender que o comportamento homossexual como tal não seria contrário à lei de Deus e ao caminho da pessoa em direção a Deus?”. “Poderá a Igreja no futuro ter o poder de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres?”, completaram.

Na resposta, Francisco deixou claro que a sua deliberação de readmitir para comunhão pessoas divorciadas e recasadas é uma doutrina que não permite a desobediência. Uma decisão muitas vezes não aplicada e contestada.

Deliberação não cumprida

O pontífice tomou esta resolução em 2016, mas muitos bispos nunca a implementaram. No Sínodo sobre a Família, realizado entre 2014 e 2015, houve discussões muito acaloradas sobre esse assunto. No final da conferência, o papa escreveu uma Exortação Apostólica, Amoris laetitia (Alegria do Amor), que continha esse ponto de virada.

Tanto para João Paulo II como para Bento XVI, quando dois fiéis se casam após o divórcio, eles só teriam o direito de comungar se vivessem “como irmão e irmã”. Ou seja, sem fazer sexo, porque o casamento anterior, que fracassou humanamente, ainda é válido diante de Deus.

Francisco escreveu que a castidade continua a ser o ideal, sim, mas “em certos casos”, e depois de um “discernimento adequado” com um pai espiritual, os novos cônjuges podem receber a comunhão, que “não é uma recompensa aos perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”. Esta decisão incendiou os conservadores, que a viram como uma inclinação para o relativismo.

Rebelião no teatro

Na véspera da abertura do sínodo, os cardeais Raymond Burke e Robert Sarah protagonizaram uma nova rebelião contra o papa. Desta vez, o palco escolhido foi o teatro Ghione em Roma, a 600 metros da Casa de Santa Marta, onde mora o papa Francisco.

Em um encontro intitulado “A Babel Sinodal”, organizado pela revista La Nuova Bussola Quotidiana, Burke não atacou diretamente Francisco, mas sim o cardeal Fernández. O cardeal americano disse: “É grave que nos acuse de heresia e cisma”. Segundo ele, “os piores erros vêm de dentro da própria Igreja”. A plateia de 160 apoiadores aplaudiu com veemência quando o ultraconservador advertiu: “As portas do inferno não prevalecerão contra o Igreja”.

A 16ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos reúne 464 participantes no Vaticano. Até o final de outubro, eles irão discutir prioridades apresentadas pelos católicos e membros da Igreja. Em seguida, 365 participantes votarão o relatório final, incluindo o papa. Pela primeira vez, 54 mulheres irão votar.

Em suas manifestações públicas, o papa tem indicado claramente estar em busca de um sucessor que tenha uma visão inclusiva e progressista da Igreja. No sábado (30), durante a ordenação de 21 novos cardeais, em cerimônia ocorrida na Praça de São Pedro, ele frisou: "A diversidade é necessária e indispensável".

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