Acessar o conteúdo principal

Poundbury, a cidade 'inventada' pelo rei Charles III

A coroação de Charles III será festejada com um chá tipicamente inglês na igreja de Poundbury, cidade criada por ninguém menos que o monarca britânico, nas imediações de Dorchester, na região de Dorset. Com 36 anos de existência, trata-se da primogênita entre as aventuras imobiliárias do rei, um sonho de quem passou 73 anos esperando a sua vez de assumir a coroa.

As ruas de Poundbury, cidade "inventada" pelo rei Charles III
As ruas de Poundbury, cidade "inventada" pelo rei Charles III © Vivian Oswald / RFI
Publicidade

Vivian Oswald,correspondente da RFI em Londres

Como o lugar foi inventado, a igreja de Poundbury não existia. Mudou-se para lá em 2018, a convite do seu fundador, o rei Charles III, que participou da inauguração. Poundbury nasceu do desejo do então príncipe-herdeiro de erguer cidades mais sustentáveis, em que as pessoas vivessem melhor.

Hoje, a cidade de Poundbury, que já foi alvo de muitas críticas, pela artificialidade que inspira a partir de uma arquitetura extemporânea e engessada — por exigência de Charles tinha que respeitar um padrão do que considera arquitetura clássica britânica — tem quatro mil habitantes e aparece em algumas das várias listas feitas pelo Reino Unido com os melhores lugares para se viver no país.

Por mais que tenha ganho notoriedade ao longo dos anos, justamente pela peculiaridade de se tratar de empreendimento concebido pelo monarca, a cidade parece escondida. Talvez para não atrair os olhos curiosos. Não há indicações nas placas da estrada para o local, onde se chega de repente. É preciso seguir as placas em direção a Dorchester. Até o navegador parece confuso com as coordenadas.

A 2h30 dali, há outra cidade com as digitais do rei em construção, a filha mais nova. Nansledan fica mais distante. Vizinha de Newquay, balneário conhecido entre turistas e surfistas na Cornualha, quer dizer “grande vale” no idioma córnico (outra exigência de Charles). Mas este última ainda não está pronta, como fica evidente a partir dos múltiplos canteiros de obras. Ambos os projetos foram concebidos quando ele ainda era o Duque da Cornualha, título que agora pertence a William, seu filho mais velho e próximo na sucessão.

Cidade cenográfica

Poundbury já está mais estabelecida. Tem um bom comércio e uma das melhores redes de supermercados fincadas na praça principal, do lado oposto do imponente prédio do hotel e restaurante Duchess of Cornwall (Duquesa da Cornualha, título que até pouco tempo atrás pertencia à atual rainha-consorte Camilla Parker Bowles, o grande amor de Charles III). Mas ainda mantém ares artificiais de uma cidade cenográfica. No balão da praça, o monumento erguido em homenagem a Elizabeth I, a rainha-mãe, avó do atual monarca, parecido com o que há em Londres, reforça os vínculos da cidade com os Windsor.

As ideias do herdeiro da coroa prevaleceram sobre o sistema de planejamento do lugar. Como em Nansledan agora, o empreendimento subverte uma espécie de ordem que se repete nos canteiros de obras pelo país. Em vez de construir as casas primeiro, faz-se a infraestrutura necessária antes de mais nada. Não há nada fora do lugar. Os jardins são impecáveis. As ruas parecem intocadas. Diferentemente da irmã mais nova, que segue em construção, Poundbury tem árvores crescidas, com suas raízes fincadas, assim como parte de seus moradores, estabelecidos ali há vários anos.

"Me sinto bem aqui. Tem tudo o que preciso", disse Roger Sanderson, de 72 anos.

Ele é um dos muitos aposentados que se mudaram para Poundbury. Viver na cidade idealizada pelo rei não se traduz em ser monarquista. As pessoas foram atrás de dimensões mais humanas e construções confortáveis. Uma das exigências de Charles é que os imóveis, tanto em uma cidade quanto na outra, atenda a públicos diferentes. Por isso, há faixas de preços distintas para as propriedades. Mas todas têm materiais equivalentes. A ideia é que a distância entre ricos e pobres, pelo menos neste quesito, seja menor.

Poundbury nasceu do seu desejo do príncipe-herdeiro de erguer cidades mais sustentáveis em que as pessoas vivessem melhor.
Poundbury nasceu do seu desejo do príncipe-herdeiro de erguer cidades mais sustentáveis em que as pessoas vivessem melhor. © Vivian Oswald / RFI

Nas vitrines das agências imobiliárias de Nansledan, vê-se que os preços dos imóveis estão abaixo do valor de mercado de outras regiões pelo reino. Mesmo assim, são salgados, sobretudo em meio a crise econômica que assola a nação com a disparada da inflação e a alta da taxas de juros. Variam de 285 mil libras (R$ 1,8 milhão) para casa com dois quartos de casal e dois banheiros a 625 mil (R$ 3,9 milhões), para quatro quartos de casal e dois banheiros.

As duas cidades foram erguidas sobre terras que pertenciam ao Ducado da Cornualha e foram vendidas para as construtoras responsáveis pelo projeto do rei. Criado em 1337 por Eduardo III para o seu filho mais velho, o ducado é uma espécie de empresa do príncipe-herdeiro e foi a forma encontrada para os sucessores à coroa tivessem fonte de renda enquanto não ascendessem ao trono.

O príncipe Eduardo, que ficou conhecido como o Príncipe Negro, foi o primeiro Duque da Cornualha e Príncipe de Gales, os mesmos títulos que Charles obteve. Nunca foi rei, pois morreu antes do pai. A empresa tem terras, imóveis e muitos negócios, entre eles alugueis de lojas e espaços, mas não tem fins lucrativos. Os números devem ser repassados ao Estado em prestações de contas frequentes. A renda do Ducado financiou atividades filantrópicas de Charles, seus “escritórios” e os dos filhos, William, e o caçula Harry.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.