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Rússia nega violação de lei internacional, mas uso de armas químicas é uma preocupação a mais no conflito ucraniano

A Rússia negou, nesta sexta-feira (25), qualquer violação da lei internacional, depois de ter sido acusada pela Ucrânia de usar bombas de fósforo como parte de sua ofensiva militar no país vizinho. O receio de armas químicas se torna uma preocupação a mais no conflito, que já passa de um mês de duração, com Moscou e Washington se acusando mutuamente de planos para a utilização desse tipo de armamento

Uma foto mostra um detector fotométrico de chama e um espectrômetro de mobilidade iônica na sede da OPCW (The Organisation for the Prohibition of Chemical Weapons) em Haia, Holanda, em 20 de abril de 2017.
Uma foto mostra um detector fotométrico de chama e um espectrômetro de mobilidade iônica na sede da OPCW (The Organisation for the Prohibition of Chemical Weapons) em Haia, Holanda, em 20 de abril de 2017. AFP - JOHN THYS
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O Kremlin acusou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de querer "desviar a atenção" do programa de armas químicas e biológicas dos EUA na Ucrânia com suas declarações sobre o possível uso de armas químicas no país invadido pela Rússia. "É claro que os americanos estão tentando desviar a atenção falando sobre uma suposta ameaça russa, tendo como pano de fundo o escândalo causado (...) pelos programas de desenvolvimento de armas químicas e biológicas que os Estados Unidos implementaram em vários países, incluindo a Ucrânia", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, nesta sexta-feira.

Na véspera, Biden havia prometido uma reação da Otan em caso de uso de armas químicas pelo líder russo Vladimir Putin na Ucrânia: "a natureza da resposta dependerá da natureza desse uso", disse o americano, que está na Europa para diversos encontros diplomáticos e para tratar da ajuda humanitária aos ucranianos.

Na segunda-feira (21), Biden já havia dito estar "claro" que a Rússia considerava o uso de armas químicas e biológicas na Ucrânia, alertando que tal decisão levaria a uma resposta "dura" do Ocidente.

O Ministério da Defesa russo, por sua vez, acusa quase diariamente os Estados Unidos de terem financiado um programa de armas biológicas na Ucrânia, alegando ter encontrado provas nesse sentido em laboratórios ucranianos. O chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, garantiu que os americanos "realizam essas atividades no maior sigilo".

Entre outros programas, Moscou acusa Washington de ter planos de usar aves migratórias para espalhar patógenos. Tanto os Estados Unidos quanto a Ucrânia, no entanto, negaram a existência de laboratórios destinados a produzir armas biológicas na ex-república soviética.

Casa Branca: “EUA não pretendem usar armas químicas em nenhuma circunstância

A bordo do avião presidencial americano Air Force One, o conselheiro de segurança nacional americano, Jake Sullivan, garantiu que os Estados Unidos "não pretendem usar armas químicas em nenhuma circunstância", ou seja, mesmo que a Rússia as use na Ucrânia, assegurou.

Durante uma conversa com a imprensa, Sullivan alertou, no entanto, que Moscou pagaria "um preço muito alto" no caso do uso de armas químicas, reforçando os comentários do presidente Biden que, no dia anterior, havia prometido uma "resposta" em tal cenário, sem explicar a "natureza" dessa resposta.

Bombas de fósforo

No caso das bombas de fósforo, que a Rússia é acusada por Kiev de usar na Ucrânia, são armas incendiárias e o seu uso é proibido contra civis, mas não contra alvos militares, de acordo com uma convenção assinada em 1980, em Genebra.

Elas deixam listras brancas no céu e teriam atingido uma localidade de Lugansk, segundo autoridades ucranianas nessas regiões orientais da Ucrânia ocupadas pelos russos. Não foi possível verificar essa informação.

"A Rússia nunca violou nenhuma convenção internacional", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ao ser questionado pela imprensa sobre as acusações feitas pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

As bombas de fósforo branco não são armas químicas, cujo uso é proibido pela Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas (CWC), em vigor desde 1997. Elas se enquadram na categoria de armas incendiárias e o seu uso é regido pelo Protocolo III da Convenção Internacional sobre Armas Convencionais (CCW), em vigor desde dezembro de 1983, e que restringe o seu uso, mas não as proíbe completamente.

De acordo com o Protocolo III, esse tipo de arma “é proibida em todas as circunstâncias” contra populações civis. As armas incendiárias também são proibidas contra alvos militares localizados perto de populações civis. Entretanto, o protocolo não cita o fósforo branco quando usado por suas propriedades produtoras de fumaça ou incandescentes.

A Rússia e a Ucrânia são signatárias do Protocolo III desde 1982 (durante a URSS), enquanto os Estados Unidos o assinaram com reservas, em 2009, e a França, da mesma forma, em 2002.

Vários países já fizeram uso do fósforo como arma

Nos últimos anos, vários países foram acusados ​​de usar armas incendiárias, entre eles os Estados Unidos, em 2004, no Iraque. O exército americano foi acusado de ter usado bombas de fósforo branco durante uma ofensiva em Fallujah, em novembro de 2004, apesar da presença de muitos civis nesta cidade iraquiana, suspeita de servir de base para grupos terroristas. À época, o chefe do Estado-Maior americano, Peter Pace, julgou o seu uso "um meio legítimo para o exército" contra insurgentes no Iraque, conforme explicou o oficial, em novembro de 2005. "Não é uma arma química. É uma arma incendiária. Está dentro da lei da guerra usar essas armas," observou.

O exército israelense também foi acusado de usar bombas de fósforo, em janeiro de 2009, em Gaza.

Em março de 2018, o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH) acusou o exército russo de ter usado bombas incendiárias na Síria, durante uma ofensiva do regime de Bashar al-Assad contra um reduto rebelde de Ghouta Oriental, perto de Damasco. Moscou sempre negou os fatos.

A Organização para a Prevenção de Armas Químicas em Haia participou da investigação sobre ataques na Síria.
A Organização para a Prevenção de Armas Químicas em Haia participou da investigação sobre ataques na Síria. AFP

Em junho de 2014, durante a Guerra do Donbass, o exército ucraniano foi acusado pela Rússia de usar munição de fósforo.

Além desses países, Armênia e Azerbaijão também se acusaram mutuamente de bombardear áreas civis ou usar armas contendo fósforo durante os combates em Nagorno Karabakh, em 2020.

Danos terríveis em pessoas

Entrevistado pelo canal francês LCI, Olivier Lepick, investigador associado à Fundação para a Investigação Estratégica, explica que o fósforo se inflama em contato com o ar.  "Ele não é classificado como arma química. Estamos falando de um equipamento que está à disposição de muitos exércitos em todo o mundo", disse o especialista.

O uso desse tipo de produto pode servir para produzir uma cortina de fumaça, a fim de esconder o movimento de tropas, por exemplo; para iluminar o campo de batalha ou, até mesmo, destruir infraestruturas por meio de incêndios. Porém, quando atinge civis, pode “causar danos absolutamente aterradores, como queimaduras extremamente significativas”, sublinha Lepick.

Mais de cem anos de uso

As bombas incendiárias começaram a ser usadas massivamente durante a Primeira Guerra Mundial, paralelamente ao nascimento da aviação militar. Um ataque aéreo usando bombas incendiárias foi realizado, pela primeira vez, em Londres, em 31 de maio de 1915, com o auxílio de um dirigível alemão Zeppelin.

Os projéteis de fósforo branco foram amplamente utilizados durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente pelos militares dos EUA em solo europeu, contra as tropas blindadas alemãs.

Outro tipo de munição incendiária são as bombas de napalm, à base de gasolina gelificada, inventadas em 1942. Elas são mais conhecidas por terem sido usadas pelo exército americano no Vietnã contra as guerrilhas lideradas pelo exército vietcongue, causando um número elevado de mortos entre civis.

O exército francês também usou napalm durante a Guerra da Indochina, em particular na Batalha de Vinh Yen, em 1951.

 

(Com informações da AFP)

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