Acessar o conteúdo principal

Suécia encerra 34 anos de investigação sobre morte de premiê, mas suspense continua

Mais de 34 anos depois do tiro que matou o primeiro-ministro Olof Palme, a Suécia encerrou oficialmente nesta quarta-feira (10) uma das maiores investigações da história criminal moderna. A promotoria do caso apontou como culpado pelo assassinato o já falecido sueco Stig Engström, conhecido como o ‘homem da Skandia’, em uma referência ao fato de ele ter sido funcionário da seguradora Skandia, situada próximo à cena do crime e onde se encontrava na noite da tragédia. 

O primeiro-ministro sueco Olof Palme,em 12 de dezembro de 1983.
O primeiro-ministro sueco Olof Palme,em 12 de dezembro de 1983. TT News Agency/Anders Holmstrom via REUTERS
Publicidade

Claudia Walin, correspondente da RFI na Suécia

Stig Engström foi uma das cerca de vinte testemunhas do assassinato de Palme, mas despertou pouco interesse por parte dos investigadores na época. Membro de um clube de tiro, ele frequentava círculos de opositores a Olof Palme, e enfrentava problemas de alcoolismo. Ele cometeu suicídio no ano 2000.

“Uma vez que ele está morto e um processo judicial não pode ser conduzido, decido encerrar as investigações do caso”, declarou em entrevista coletiva digital o procurador do caso, Krister Petersson.

Referência da social-democracia sueca, Olof Palme foi assassinado à queima-roupa na noite de 28 de fevereiro de 1986, quando saía de um cinema no centro da capital sueca ao lado da mulher, Lisbeth.

A Suécia esperava há mais de três décadas pela solução do mistério em torno do assassinato - mas o histórico anúncio da conclusão do caso representou, para alguns comentaristas, uma espécie de anticlímax. Não chegou a ser apresentada nenhuma nova evidência material, como por exemplo - como se especulava - a arma do crime.

Filhos consideram conclusão "convincente"

Em comunicado conjunto, os filhos de Olof Palme, Joakim, Mårten e Mattias, declararam considerar a conclusão das investigações que incriminam Stig Engström como ‘convicente’, apesar de lamentarem a ausência de novas evidências:

“Estamos é claro desapontados com o fato de que evidências técnicas conclusivas não puderam ser apresentadas”, diz o comunicado divulgado pela agência de notícias sueca TT.

Em entrevista à rádio sueca, Mårten Palme disse concordar com a análise do procurador Krister Petersson:

“Também penso que Engström é o culpado. Infelizmente, não existem provas concretas para afirmar isto com 100% de certeza”. 

Mas na mídia sueca, diversos especialistas se disseram desapontados com o que classificaram como um inquérito falho e pouco convicente.

Mais longa e cara investigação já conduzida na Suécia, o caso Olof Palme reúne mais de 22 mil documentos que ocupam 250 metros de estantes na sede da Polícia Nacional sueca. Mais de dez mil pessoas foram interrogadas, e 134 chegaram a se declarar culpadas pelo crime. Segundo a polícia, especialistas em textos jurídicos levariam nove anos para ler o extenso material das investigações. No total, os custos da operação foram avaliados em mais de 600 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 320 milhões).

O crime

Era uma noite de sexta-feira quando o primeiro-ministro Olof Palme pegou o metrô com a mulher em direção ao cinema Grand, no centro da capital sueca, para assistir uma comédia - ‘Os irmãos Mozart’. Mais uma vez, o primeiro-ministro que buscava viver como um cidadão comum dispensara os guarda-costas.

Por volta das 23h00, terminada a sessão do filme, Palme e Lisbeth decidiram voltar a pé para casa. O casal caminhou poucos metros pela rua Sveavägen, quando, de repente, um homem com um sobretudo preto disparou dois tiros contra o premier pelas costas. Palme caiu no chão, banhado em sangue. Eram 23 horas e 21 minutos. O segundo tiro chegou a atingir de raspão Lisbeth, que se abaixara para ajudar o marido enquanto ele caía. O assassino escapou por uma escadaria que dava acesso a outra via. Seis minutos após a meia-noite, Palme foi declarado morto. 

A Suécia entrava em choque. Era o primeiro assassinato de um líder nacional desde 1792, quando o rei Gustav III foi morto com um tiro de pistola durante um baile de máscaras na Ópera Real de Estocolmo.

Segundo o promotor Krister Petersson, Stig Engström deixou o escritório na Skandia onde trabalhava como designer gráfico às 23h15. Depois de conversar brevemente com os seguranças, ele registrou sua saída do prédio da Skandia às 23h19 - dois minutos antes do assassinato de Olof Palme, a poucos passos da sede da seguradora. 

Para o promotor, foi nesse espaço de tempo que Engström, que estaria armado, cometeu o assassinato do primeiro-ministro ao avistá-lo na rua Sveavägen.

Ele não chegou a ser interrogado pela polícia na cena do crime. Ao ser ouvido diversas vezes posteriormente, apresentou versões conflitantes sobre seus movimentos na noite do assassinato e declarações que contradiziam informações de outras testemunhas, e passou a ser considerado pouco confiável. 

Engström foi apontado como principal suspeito do crime pela primeira vez no livro ‘Nationens Fiende’ (‘Inimigo da Nação, em tradução livre), lançado em 2016.

Em 2017, a polícia começou a investigar Stig Engström como provável suspeito. Naquele mesmo ano, o jornalista sueco Thomas Pettersson afirma ter fornecido à polícia novas informações sobre Engström, após investigar o caso durante 12 anos. Em 2018, o jornalista publicou o resultado de suas investigações primeiro na revista Filter, e em seguida no livro ‘Den osannolike mördaren: Skandiamannen och mordet på Olof Palme’ (‘O assassino improvável: o homem da Skandia e o assassinato de Olof Palme’, em tradução livre).

Falhas policiais

Caos e falhas da ação policial marcaram a noite que entrou para a história: testemunhas deixaram o local sem serem ouvidas, e a cena do crime foi comprometida quando muitos romperam o cordão de isolamento em torno do cadáver para se aproximar do corpo do primeiro-ministro assassinado. 

A arma do crime, que a polícia acredita ter sido um revólver Smith & Wesson 357 Magnum, nunca foi encontrada.

Cerca de 20 testemunhas foram interrogadas, sem que se chegasse a pistas conclusivas. O primeiro chefe das investigações do caso, Hans Holmer, perseguiu de forma quase obstinada sua teoria sobre o envolvimento do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que havia sido classificado por Olof Palme como um movimento terrorista. Vinte residentes de origem curda na Suécia foram interrogados, incluindo 12 membros do PKK. Sem jamais ter conseguido obter qualquer prova sobre a suspeição do movimento curdo, Holmér foi retirado do caso em 1987.

Em 1989, um homem sueco chegou a ser condenado à prisão perpétua pelo crime: Christer Pettersson, alcoólatra e viciado em drogas, havia matado um homem em uma rua de Estocolmo na década de 70, e seu tipo físico correspondia às descrições do suspeito. Pettersson foi identificado por Lisbeth Palme, viúva do primeiro-ministro. Mas falhas técnicas no processo levaram à libertação de Pettersson, três meses depois da condenação. Christer Pettersson chegou a admitir a autoria do crime, mas negou depois a confissão inicial. Ele morreu em 2004.

A tragédia do assassinato não solucionado deu origem a inúmeras teorias da conspiração - e a dezenas de livros que afirmam ter a chave do mistério. 

Ao longo dos anos, uma das teorias mais fortes foi a do envolvimento do governo de apartheid da África do Sul. Olof Palme apoiou abertamente o Congresso Nacional Africano (CNA) de Nelson Mandela, que era classificado como um movimento terrorista pelos Estados Unidos e por diversas outras potências ocidentais. Os suecos foram os principais financiadores do CNA – e o primeiro país fora do continente africano visitado por Mandela após sua libertação em 1990, depois de passar 27 anos encarcerado pelo regime na prisão de Robben Island, foi a Suécia.

A teoria sul-africana foi reforçada em 2018, com o lançamento do livro ‘The Man Who Played With Fire: Stieg Larsson’s Lost Files and the Hunt for an Assassin (‘O homem que brincava com fogo: os arquivos secretos de Stieg Larsson e a caça a um assassino´, em tradução livre), do autor sueco Jan Stocklassa. Stieg Larsson, autor da trilogia Millenium, morreu antes de finalizar sua investigação sobre o assassinato de Palme. Mas Stocklassa teve acesso aos arquivos secretos de Larsson - que apontavam que o assassino teria sido um membro da extrema direita sueca, a serviço do regime de apartheid.

Admirado e odiado

Duas vezes primeiro-ministro (1969-1976, e 1982-1986), Olof Palme era admirado e odiado dentro e fora das fronteiras da Suécia. Filho de uma rica família aristocrata e que se transformou em expoente vocal do movimento trabalhista sueco, ele era visto como uma espécie de traidor pelas classes mais abastadas e por forças reacionárias internas. 

Internamente, uma das várias teorias sobre o assassinato chegou a especular sobre a existência de uma facção de extrema direita na própria polícia sueca, que teria executado o crime na Sveavägen. 

Na cena internacional, Olof Palme destacou-se pela defesa ardente da justiça social, dos direitos humanos e do pacifismo. Orador brilhante, foi crítico ruidoso não apenas do regime de apartheid que vigorou na África do Sul até 1994, como também da guerra do Vietnã. Em um de seus discursos mais célebres, ele comparou os bombardeios americanos contra Hanói às táticas do campo de extermínio nazista de Treblinka. 

Na época, o então presidente americano, Richard Nixon, chegou a se referir a Palme como ‘aquele idiota sueco’. Em 1968, durante protesto em Estocolmo contra a guerra, Palme marchou ao lado do embaixador do Vietnã do Norte em Moscou. No ano seguinte, a Suécia reconheceu o Vietnã do Norte, o que levou ao rompimento das relações diplomáticas com os Estados Unidos, só restabelecidas em 1974.

Um dos políticos mais influentes do século 20

Um dos políticos suecos mais influentes do século 20, Olof Palme também foi opositor eloquente da política externa da União Soviética, e condenou com veemência a invasão soviética da Tchecoslováquia (1968). Após seu assassinato, algumas teorias lançavam suspeitas contra a KGB, a agência de espionagem soviética. Para muitos, Palme seria um espião soviético.

Ele foi ainda opositor eloquente dos regimes ditatoriais de Francisco Franco, na Espanha, e de Augusto Pinochet, no Chile, e firme apoiador de movimentos de liberação em países do Terceiro Mundo.

Teorias mais tresloucadas diziam que a própria Lisbeth Palme teria arquitetado a morte do marido por motivos de infidelidade, ou que o premiê teria planejado o suicídio. 

O inquérito sobre o assassinato de Palme passou a ser conduzido em 2017 pelo procurador Krister Petersson, especialista em crime organizado que também participou de casos como o assassinato de Ana Lindh, ministra das Relações Exteriores morta a facadas em 2003 em uma loja de departamentos de Estocolmo.

Apesar das conclusões apresentadas nesta quarta-feira, o crime nunca poderá ser julgado nos tribunais - o que significa que as especulações sobre quem apertou o gatilho naquela trágica noite de 1986 devem prosseguir.

“As pessoas vão questionar as evidências apresentadas, pois estão tão certas de suas respostas sobre o crime que não aceitarão nenhuma outra. As perguntas vão continuar”, disse à TV sueca o autor e jornalista sueco Gunnar Wall, que acompanha as investigações sobre o assassinato de Olof Palme desde 1987.

 

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.