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Jogos Olímpicos de Montreal 1976: o ano do boicote africano

Os Jogos Olímpicos de 1976, realizados em Montreal, no Canadá, ficaram na história do esporte como o “ano negro de Montreal”. Após os incidentes no México e a tragédia de Munique, o Comitê Olímpico esperava que estes Jogos decorressem sem incidentes políticos. No entanto, esta esperança rapidamente se dissipou com o boicote de 22 nações que denunciaram a presença da Nova Zelândia na competição.  

A delegação olímpica da Nigéria aguarda seu voo de retorno em 16 de julho de 1976 no aeroporto Mirabel, em Montreal, após anunciar o boicote aos Jogos Olímpicos, na véspera.
A delegação olímpica da Nigéria aguarda seu voo de retorno em 16 de julho de 1976 no aeroporto Mirabel, em Montreal, após anunciar o boicote aos Jogos Olímpicos, na véspera. © DiClemente / AP Photo
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Cristiana Soares e Neidy Ribeiro da redação lusófona

Liderado pela Tanzânia, Guiné e Iraque, o boicote africano denunciou a presença da seleção neozelandesa no evento esportivo. A Nova Zelândia enviou a sua equipe de rugby em turnê à África do Sul, um país que foi suspenso da comunidade internacional devido à sua política racista de apartheid. O Mali e o Essuatíni (ex-Suazilândia) ainda participaram da cerimônia de abertura, presidida pela Rainha Elizabeth II e pela família real britânica, mas posteriormente retiraram-se dos Jogos. 

Camarões, Egito, Marrocos e Tunísia ainda participaram nos primeiros dias do evento, mas depois retiraram as suas delegações. Esta decisão levou à saída de cerca de 30 países e 700 atletas. Entre eles, os atletas Filbert Bayi e John Akii-Bua (da Tanzânia e Uganda) que estavam entre os favoritos.

Taiwan, a quem foi negado o direito de usar o nome República da China, acabou boicotando o evento esportivo. Apenas Costa do Marfim e Senegal estiveram presentes, afirmando querer participar em todas as provas para as quais se classificaram e viver a experiência olímpica.  

Angola: o sacrifício de uma geração 

Em 1976, Angola atravessava uma série de experiências difíceis do ponto de vita esportivo. O país obteve a sua independência em 1975, o que levou ao êxodo da sua população e a uma derrocada esportiva.

O atual presidente do Comitê Olímpico Angolano e antigo jogador de basquete, Gustavo da Conceição, lembra que em 1976, embora o Comitê Olímpico Angolano ainda não estivesse constituído, os atletas eram "apoiadores políticos" do boicote.

“Eu tinha uma ideia do que estava acontecendo, estávamos politicamente unidos. Nosso continente vivia uma série de situações desumanas, com relações ainda coloniais, segregação racial", explica. No entanto, Gustavo da Conceição admite que ao nível desportivo era um preço muito elevado para atletas privados da experiência olímpica. “Tínhamos consciência de que poderíamos testemunhar o sacrifício de uma geração e de muitos anos de trabalho. Os Jogos Olímpicos são competições estratégicas e a preparação é o resultado de um planejamento de longo prazo”, enfatiza. 

O Comitê Olímpico de Angola foi formado em 1979 e reconhecido em 1980, ano em que o país participou dos Jogos Olímpicos de Moscou sem ganhar medalha. 

Provavelmente, Moçambique “teria aderido ao boicote”. 

Em entrevista à RFI, Alexandre Zadamela, grande conhecedor da história esportiva moçambicana, sublinha que se o seu país tivesse participado nos Jogos Olímpicos de Montreal, provavelmente teria “aderido a este boicote”.

Ele recorda que “Moçambique se tornou independente em 25 de junho de 1975. Um período marcado pela saída massiva de pessoas, principalmente para Portugal, entre elas personalidades ligadas ao esporte, tanto dirigentes como de atletas. Do ponto de vista esportivo, o país agora independente carecia de pessoal treinado." 

Moçambique não fazia parte da “família olímpica”. O primeiro Comitê Olímpico do país foi criado em 1979 e participou pela primeira vez dos Jogos Olímpicos em Moscou, em 1980. “O boicote de 1976 foi organizado pela Tanzânia, berço do apoio à luta armada em Moçambique.” Dada a proximidade entre estes dois países vizinhos e o contexto político da época, “acredito que Moçambique teria aderido a este boicote. Estávamos atravessando um momento muito tenso com a África do Sul”. 

Portugal: 1974 trouxe a liberdade, 1976 medalhas olímpicas

No dia 26 de julho de 1976, durante os Jogos Olímpicos de Montreal, o atleta finlandês Lasse Viren conseguiu ultrapassar o português Carlos Lopes no início da última volta, na final dos 10 000 metros.
No dia 26 de julho de 1976, durante os Jogos Olímpicos de Montreal, o atleta finlandês Lasse Viren conseguiu ultrapassar o português Carlos Lopes no início da última volta, na final dos 10 000 metros. © STAFF / EPU/AFP ARCHIVES / AFP

 

Dois anos antes dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1974, o regime ditatorial caiu em Portugal. Em 25 de abril daquele ano, a Revolução dos Cravos derrubou o regime de Marcelo Caetano, o último presidente do Conselho do “Estado Novo”. Em setembro de 1968, Marcelo Caetano substituiu António de Oliveira Salazar na chefia do regime autoritário.  

A participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Montreal ocorreu num momento em que o país enfrentava grandes desafios econômicos e políticos. Uma economia marcada por elevadas taxas de inflação e desemprego, bem como um cenário político emergente de um regime autoritário que durou mais de 40 anos.

Além disso, a queda da ditadura, levou cinco colônias africanas à independência: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Uma guerra colonial que deixou marcas profundas. 

Para Portugal, o ano de 1974 trouxe a liberdade, 1975 foi marcado pelas eleições e 1976 pela Constituição democrática e pelas medalhas olímpicas.

No dia 25 de abril de 1974, Mário Moniz Pereira, o "Sr. Atletismo", um dos maiores nomes do atletismo português, conseguiu convencer os políticos a apostarem nesta disciplina. Em 1975, os melhores atletas começaram a treinar duas vezes por dia e eram dispensados do trabalho pela manhã. Os resultados surgiram rapidamente no ano seguinte. Foi pela mão do “Senhor do Atletismo” que surgiu Carlos Lopes, o primeiro campeão olímpico português. 

Em Montreal, no atletismo, Carlos Lopes foi um dos grandes destaques ao conquistar a medalha de prata na prova dos 10.000 metros. No dia 26 de julho de 1976, Carlos Lopes assumiu a liderança da prova a partir da oitava volta. Tudo ia bem até que Lasse Viren, “O Finlandês Voador”, assumiu a liderança e venceu a corrida. Uma vitória que levantou dúvidas sobre o possível uso de substâncias ilícitas. Carlos Lopes conquistou a medalha de prata e a primeira medalha olímpica da história do atletismo português. 

No Canadá, Carlos Lopes também fez história no que diz respeito ao doping. Depois da medalha de ouro de Lasse Viren, conhecido pelas suas supostas transfusões de sangue, e do fato de não ter sido escolhido para fazer o controle antidoping, o atleta português recusou-se a fazer o teste em protesto. A partir desse momento, entrou em vigor o sistema atual: todos os medalhistas estão sujeitos a testes.  

Armando Marques também subiu ao pódio nos Jogos Olímpicos de 1976, ao conquistar a medalha de prata no tiro esportivo, única medalha olímpica da modalidade conquistada por um atleta português. Ele estava a apenas um ponto do ouro, do medalhista de ouro, o americano Donald Haldeman.  

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