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Em clima de 'guerra de religiões', evangélicos podem determinar resultado do 1° turno no Brasil

Os evangélicos estão entre os eleitores mais solicitados pelos candidatos no Brasil. Se em 2018 boa parte dessa população votou para presidente em Jair Bolsonaro, este ano o grupo enfrenta divisões claras, com um embate marcado por fake news e um empurrãozinho da própria primeira-dama.

O voto dos evangélicos brasileiros está cada vez mais dividido nesta eleição.
O voto dos evangélicos brasileiros está cada vez mais dividido nesta eleição. AP - Rodrigo Abd
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Silvano Mendes, enviado especial da RFI ao Rio de Janeiro

Logo no início do culto da igreja Nova Vida de Copacabana, o pastor Jefferson Ribeiro faz piada, dizendo que os fiéis não param de perguntar quem é seu candidato para este domingo (2). “O voto é... secreto”, responde, aos risos, enquanto uma bandeira do Brasil é projetada no telão logo ao lado.

Em entrevista logo após o culto, o pastor diz que a bandeira brasileira não significa que sua escolha será por Bolsonaro, e explica que o símbolo nacional é exposto no templo apenas para que orações sejam feitas para proteger o país. "Oramos pelo Brasil", insiste, afirmando que não dá indicações de voto para os membros da igreja. Ele lembra que a própria direção da Nova Vida divulgou recentemente uma nota pedindo que seus representantes não tentem influenciar os fiéis nessa campanha eleitoral. 

“Entendemos que vivemos em um país democrático e o objetivo desta nota é que os membros possam ter sua própria escolha. Orarem a Deus, pedir direção ao senhor e, de acordo com suas escolhas, votar de maneira correta e coerente”, detalha.

Pastor Jefferson Ribeiro ao lado da bandeira do Brasil projetada durante o culto na igreja Nova Vida de Copacabana.
Pastor Jefferson Ribeiro ao lado da bandeira do Brasil projetada durante o culto na igreja Nova Vida de Copacabana. © Silvano Mendes/RFI

Mas esse não é o caso de todas as igrejas evangélicas no Brasil. Seja nos templos cheios de mármore dos bairros nobres ou nas salas de culto mal iluminadas nas vielas das comunidades, não é raro ver pastores guiando de forma insistente seus rebanhos para a hora do voto.

Igreja Batista Atitude, reduto de Michelle Bolsonaro

No templo da igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, por exemplo, os pastores distribuem preconizações eleitorais e até santinhos de candidatos. A iniciativa ocorre apesar de a legislação eleitoral brasileira proibir claramente propaganda política dentro de espaços de culto.

A igreja Batista Atitude é frequentada por Michelle Bolsonaro. A primeira-dama é um dos principais cabos eleitorais do candidato à reeleição junto aos evangélicos, organizando inclusive encontros com representantes do grupo no Palácio do Alvorada, como no final de agosto, quando 60 mulheres evangélicas se reuniram com ela em Brasília. O evento foi marcado por um culto que contou com pastoras, cantoras gospel, esposas de líderes religiosos, além de membros do governo, como a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Cristiane Britto.

Paralelamente, uma campanha contra o Partido dos Trabalhadores, e a esquerda de forma mais ampla, age discretamente nas redes sociais, com informações que afastam qualquer evangélico que vislumbre votar 13 neste domingo. Mensagens afirmando que Lula teria editado em 2010 um decreto para “proibir a religião cristã”, ou ainda que, se for eleito, vai aplicar uma lei proibindo cultos evangélicos, fazem parte do arsenal desmentido várias vezes pelos acusados, mas que parece não ter efeito naqueles que temem ser privados da prática de sua fé.

“Eu acho um absurdo”, desabafa o pastor da Comunidade Cristã reformada, Ariovaldo Ramos. “É muito típico deles, que estão tentando sequestrar a religião para transformá-la num aparelho do movimento bolsonarista. É uma tentativa de transformar as eleições em uma guerra religiosa e maniqueísta”.

Lula x Bolsonaro dividiu evangélicos

A irritação de Ramos mostra as tensões entre grupos evangélicos durante este pleito. Se em 2018 as diferenças existiam, mas não representavam reais disputas internas, desta vez o duelo Lula x Bolsonaro criou uma verdadeira divisão.

“O universo dos evangélicos é bem grande, com várias denominações. Algumas se posicionaram e outras não”, pondera o pastor Jefferson. “Mas é verdade que teve um momento bem caótico, de posicionamento, de mal-estar entre pessoas e denominações”, admite.

Prova disso, a Frente Evangélicos pelo Estado de Direito, um movimento apartidário que atua em 20 Estados do Brasil, decidiu sair do silêncio e se posicionou oficialmente contra o atual presidente. “Nós entendemos que essa é uma eleição contra a extrema direita 'neo-nazi-fascista', que se instalou no Brasil e precisa ser derrotada. E ainda é possível fazê-lo nas urnas. Então nós tivemos que tomar uma posição”, explica Ariovaldo Ramos, que é coordenador nacional da Frente.

“Eu gostaria que tudo fosse resolvido no primeiro turno. Mas justamente por causa do voto evangélico, é possível que tenha segundo turno”, avalia Ramos. “Os evangélicos são os mais reticentes em votar no Lula. E, portanto, são os mais inclinados a continuar votando no Bolsonaro, apesar dele ter feito um governo desastroso, que inclusive feriu profundamente a massa evangélica, que é basicamente feminina, empobrecida e afrodescendente, ou seja, o povo que mais sofre no país”, aponta, lembrando que atualmente os evangélicos já representam cerca de 100 milhões de pessoas no Brasil.

Ariovaldo Ramos é pastor da Comunidade Cristã reformada e coordenador nacional da Frente Evangélicos pelo Estado de Direito.
Ariovaldo Ramos é pastor da Comunidade Cristã reformada e coordenador nacional da Frente Evangélicos pelo Estado de Direito. © Arquivo Pessoal

“Mas o bolsonarismo tem usado muito bem a lógica moralista, que é muito cara para os fundamentalistas e para os pentecostais de modo geral. Sempre com fake news e mentiras deslavadas, que tem usado bem. Por isso, há muito temor por parte da maioria dos evangélicos de votar em partidos que sejam confundidos com a quebra da sustentação moral da família”, resume.

“No caso do segundo turno, vai ser uma guerra religiosa. Vai ser o bem contra o mal. A primeira-dama vai ganhar maior protagonismo e provavelmente a eleição vai ser em torno dela, porque eles vão tentar explorar o máximo possível o que têm de mais forte, que é justamente essa identificação com esse grupo fundamentalista e moralista”, conclui.

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