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Blogueiro africano no Brasil

“Situação dos haitianos em São Paulo virou crise humanitária”

Serge Katembera é um jornalista do Congo que estuda na Universidade Federal da Paraíba. Desde 2013, ele revela suas impressões como um estrangeiro vivendo no Brasil para o projeto da RFI Mondo Blog, que reúne blogueiros do mundo todo escrevendo em francês. Alguns de seus artigos estão sendo publicados em português, aqui no site da RFI Brasil. (Leia os posts anteriores).

Haitianos no Acre, antes de ir a São Paulo
Haitianos no Acre, antes de ir a São Paulo Luciano Pontes / Secom | wikimedia commons
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Passei uma curta temporada na capital econômica do Brasil, São Paulo. Aproveitei para colocar um novo olhar sobre este Brasil e tentar compreender o país do ponto de vista “das pessoas do Sul”. Na minha passagem pelo centro de São Paulo ou pela Avenida Paulista, não pude deixar de constatar a extrema pobreza em que vivem nossos amigos e irmãos haitianos. E se estou chamando de “amigos e irmãos” é porque conheço pessoalmente muitos que vivem aqui em João Pessoa e que são meus amigos. São as pessoas mais educadas que eu já conheci na vida.

O governo brasileiro é conhecido por sua abertura e seu grande senso de humanismo. Em um esforço humanitário e de compartilhamento, o Brasil decidiu conceder vistos de permanência a todo haitiano que esteja em seu território. Não importa o nível de escolaridade ou social, todos os haitianos podem agora residir de forma permanente no Brasil. Quantos não pagariam caro por este privilégio?

Mas será que o Brasil está preparado para isso?

A consequência de uma nova medida de “solidariedade pan-americana” é que a fronteira do Brasil no Estado do Acre recebe uma forte afluência de imigrantes haitianos ilegais em busca de uma vida melhor. Quem poderia culpá-los? Em Os Miseráveis, de Victor Hugo, lemos uma frase cheia de significados: “Mas, senhor juiz, homens que tenham perdido tudo, isso existe?”.

E eles realmente perderam tudo no Haiti. Eu vou me lembrar para sempre do que me disse o vice-cônsul do Brasil no Congo: “Serge, todo homem tem o direito de buscar uma vida melhor, mesmo se ele o faça sendo um clandestino.” É preciso coragem para dizer isso a um jovem congolês.

Eu imagino o que motiva estes haitianos que vêm ao Brasil aos milhares. Eles gostariam certamente de ir aos Estados Unidos, mas o Tio Sam fechou suas portas. Na falta de algo melhor, eles se contentam, então, com o Brasil. O problema é que eles estão longe de desconfiar que a vida em São Paulo não é para todos. Um velho ditado brasileiro diz: “O Brasil não é para amadores”. É preciso uma certa prática, uma maneira de ser típica, um “jogo de cintura”, como eles dizem por aqui.

Uma coincidência do calendário fez com que a minha estadia caísse justamente durante a semana em que a prefeitura de São Paulo se recusou a receber mais haitianos, por não ter mais estrutura necessária para receber mil imigrantes em 15 dias.

Eu vi a angústia destes homens e mulheres de todas as idades. Um amigo congolês comentou que, em geral, um africano decide emigrar em uma idade específica, ao redor dos 30 anos porque, depois, fica difícil de recomeçar. “Mas um haitiano vem ao Brasil com 50 anos, velhas senhoras e velhos senhores...”, disse ele.

É claro, eles perderam tudo. Mas, apesar disso, ninguém os prepara para o que vão encontrar ao chegar ao Brasil, particularmente em São Paulo. Normalmente, quando eles são transferidos do Acre para São Paulo, eles ficam em pensões ou em paróquias os recebem às centenas. “O pátio da igreja virou um salão de beleza”, dizia uma reportagem da TV Globo. As garotas estendiam suas roupas nos muros que cercam o prédio.

Um homem em lágrimas

Um homem de uns 50 anos explodiu em lágrimas ao se dar conta que sua vida não vai mudar no Brasil. Eles acabaram de ver como vivem aqueles que chegaram antes. A cidade de São Paulo se tornou suas sepulturas. Porque os haitianos de São Paulo não como vivem como seres humanos, não vivem como eu e você... são zumbis invisíveis. Eles passam o dia sem objetivos precisos no centro da cidade. Há uma parte de São Paulo que se tornou um campo de refugiados.

Mas então, quando vamos passar a chamar o problema pelo seu nome? A situação dos haitianos de São Paulo atingiu o estágio de crise humanitária. E na minha modesta opinião, o Brasil não tem mais condições de cuidar disso. Chegou a hora, ao meu ver, de envolver os organismos internacionais competentes.

Não é a idéia mais recente, de enviá-los a Curitiba, Florianópolis ou Porto Alegre, que mudará radicalmente as coisas. A situação é grave, muito grave. Da minha parte, só o que posso fazer é escrever sobre o que vi. Espero que este texto chegue às pessoas competentes, que são capazes de fazer a situação mudar. É preciso informar os haitianos que querem vir ao Brasil, atraídos pela promessa de uma vida melhor. Até mesmo no Rio eles dormem no metrô.

Vamos avisá-los! Que eles saibam no que estão se metendo. Que os que podem ajudar o façam cada um nas suas possibilidades.

Eu repito o que eu sei sobre os haitianos em geral, mesmo que não seja possível generalizar: são as pessoas mais charmosas que eu já conheci. Mas a vida nunca foi fácil para eles.

Em São Paulo, a população vê essa triste situação com uma certa indiferença. Alguns brasileiros já começam a manifestar o seu descontentamento.

 

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