Presidente da Guatemala põe fim a Comissão de luta contra a impunidade que havia denunciado irregularidades em sua campanha
O mandato da Comissão internacional de luta contra a impunidade na Guatemala (CICIG), criada em 2006 após um acordo entre a ONU e o Congresso, chegou ao fim nesta terça-feira (3). O presidente Jimmy Morales foi o principal articulador que levou ao término deste órgão único no mundo, que deu aos guatemaltecos a esperança de que seria possível lutar contra a corrupção e o crime organizado.
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No último domingo (1), Morales festejou o fim da CICIG: “Graças a Deus, conseguimos expulsá-los e nunca mais permitiremos que eles voltem a nos pisotear”. No dia anterior, um grupo de militantes, artistas e advogados pintaram um mural na parede do local que foi usado como sede da comissão e que será demolido para a construção de um shopping: “Obrigado CICIG, o povo nunca esquecerá. A justiça vai continuar”. Em Bogotá, o chefe da CICG, o colombiano Ivan Velasquez Gomez, disse pelo Twitter: “Obrigado, você vai florescer Guatemala”.
Em um país marcado por 36 anos de guerra civil (1960-1996), a CICIG foi uma verdadeira revolução. “Graças a ela, os reis estão nus. Ela teve de fato um impacto na sociedade”, acredita Edgar Gutierrez, que participou das negociações com a ONU para a criação da CICIG. Ouvido pelo jornal francês Le Monde, ele afirma que a comissão revolucionou a justiça. “Aqui, nós nunca havíamos visto presidentes irem para a cadeia após investigações independentes”, conta.
A consequência mais marcante ocorrida após a chegada da CICIG foi a queda, em 2015, do presidente Otto Pérez Molina (2012-2015) e da vice, Roxana Baldetti, acusados de associação ilícita e fraude em rendimentos aduaneiros.
O balanço da CICIG, que conta com mais de 70% de opiniões positivas, chama a atenção: desmantelamento de 70 redes criminosas, indiciamento de 660 pessoas, sendo que mais de 400 foram condenadas, e baixa da taxa de homicídios no país.
Investigar família de atual presidente levou ao fim da comissão
Mas ao investigar supostas fraudes cometidas pelo irmão e o filho do atual presidente, Jimmy Morales, e ao pedir que o Congresso abolisse a imunidade do chefe de Estado, suspeito de ter financiado ilegalmente sua campanha eleitoral em 2015, a CICIG sentenciou a própria morte. Morales anunciou que não iria renovar o mandato da comissão e declarou Ivan Velasquez persona non grata.
O presidente eleito em agosto, Alejandro Giammattei, que irá assumir o cargo em janeiro de 2020, ficou preso por 10 meses após investigações da CICIG indicar que ele teria mandado matar 7 detentos quando estava na direção do serviço penitenciário. Ele acabou sendo solto por falta de provas. Giammattei também já disse que não irá renovar o mandato da comissão.
O futuro presidente declarou nesta segunda-feira (2) que irá criar uma nova comissão de luta contra a corrupção, mas não deu detalhes sobre as garantias de sua independência. “Uma comissão presidencial típica como as que já existiram e que não têm nenhum impacto”, denuncia no Le Monde Manfredo Marroquin, fundador d’Acción Cuidadana, braço guatemalteco da organização Transparência Internacional.
Guatemala, “um país sequestrado”
Na quarta-feira, 28 de agosto, a CICIG publicou seu último relatório. Em um texto cujo título era “Guatemala, um Estado sequestrado”, a comissão retrata uma situação preocupante do que aguarda esse pequeno país da América central. Para o órgão, não há dúvidas de que os três poderes do Estado e uma parte do setor privado continuam profundamente corrompidos.
“Existe uma coalizão mafiosa que demonstrou estar disposta a sacrificar o presente e o futuro da Guatemala para garantir a impunidade e preservar o status quo”, disse Ivan Velasquez por videoconferência. Para o chefe da comissão, isso significa que continuarão presentes “a pobreza, as desigualdades, a predominância de alguns grupos privilegiados e o saque de recursos públicos”.
Em um relatório publicado nesta segunda-feira, a Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) também julga que existe “um risco grave de deterioração do Estado de direito e da justiça guatemalteca nos próximos meses” e pediu vigilância da União Europeia e dos Estados Unidos.
Uma das investigações da CICIG visava a nomeação de juízes da Suprema Corte por políticos condenados por corrupção, ameaçando o andamento de todos os outros casos, como o do ex-presidente Otto Pérez Molina, cujo processo está marcado para começar em 2020.
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