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Justiça argentina ordena liberdade imediata do empresário suspeito de matar brasileira

O empresário Francisco Sáenz Valiente, indiciado por feminicídio, porte ilegal de armas e fornecimento de drogas, saiu da prisão na madrugada desta quarta-feira (19), assim que foi emitida a notificação de “falta de mérito” de todas as acusações por parte da Justiça Penal da Argentina. A RFI conversou com o advogado de defesa no momento em que o suspeito deixava a prisão. Já o advogado da família da brasileira Emmily Gomes indicou que vai apelar a decisão. As investigações continuam.

Porta do edifício onde Emmily morreu em Buenos Aires, na Argentina.
Porta do edifício onde Emmily morreu em Buenos Aires, na Argentina. © Márcio Resende/RFI
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Valiente, de 52 anos, suspeito de ter empurrado a brasileira Emmily Rodrigues Santos Gomes, de 26 anos, da janela de fundos do seu apartamento, foi libertado na madrugada desta quarta-feira (19), depois da decisão do juiz Martín del Viso. Ele determinou a falta de mérito para que o acusado continuasse preso. O empresário foi detido em 30 de março, quando Emmily caiu do sexto andar no vão interno do edifício, em Buenos Aires. 

A falta de mérito implica que o suspeito permanecerá em liberdade enquanto as investigações avançarem. A decisão foi anunciada pelo juiz pouco depois da meia-noite desta quarta-feira.

“O meu cliente Francisco Sáenz Valiente está saindo da prisão neste momento. Depois de muito trabalho, a Justiça considerou a nossa defesa. É um caso muito difícil com vários pontos inéditos. Ainda faltam várias medidas de prova, mas o meu cliente vai responder às investigações em liberdade”, disse à RFI, à 1h10 desta madrugada, o advogado Rafael Cúneo Liberona.

Do outro lado, o advogado da acusação, Ignacio Trimarco, contratado pela família de Emmily, explicou à RFI que tem até três dias para entrar com um recurso. “Nós vamos apelar essa resolução para que se torne um processamento do indiciado e vamos continuar a propor medidas para esclarecer o fato”, advertiu Trimarco, admitindo que “o empresário não voltará à prisão, a não ser que haja uma condenação firme, esgotadas todas as instâncias”.

O advogado da defesa, Rafael Cúneo Libarona, garante que o seu cliente fez tudo o que podia para evitar um suicídio.
O advogado da defesa, Rafael Cúneo Libarona, garante que o seu cliente fez tudo o que podia para evitar um suicídio. © Márcio Resende/RFI

Três semanas de mistério

Em sua sentença, o juiz Martín del Viso limita as ações do indiciado, que não poderá sair do país, deverá apresentar-se ao juizado a cada 15 dias, mesmo de forma virtual. Ele também não poderá se aproximar dos pais da vítima, Cátia Rodrigues Santos e Aristides da Silva Gomes, nem das testemunhas, a cubana Dafne Santana, que se retirou do apartamento às 6 da manhã; a argentina Lía Alves, que se retirou às 8 da manhã; e a médica brasileira Juliana Magalhães Mourão, única testemunha da morte de Emmily. Foi ela quem apresentou a brasileira ao empresário Francisco horas antes da tragédia.

Em sua decisão, o juiz indica que a outra brasileira pode não ter sido necessariamente uma testemunha ocular e que as provas não são suficientes para uma cabal acusação.

“Embora tenham sido ouvidos gritos e alguma pessoa [vizinhos] tenha percebido a queda da vítima, tudo sugeriria que o desenlace tenha acontecido sem nem mesmo a presença da única testemunha [Juliana Mourão] que esteve no lugar durante o confuso episódio. A prova não é suficiente para esclarecer realmente o que aconteceu nem revela qual foi o contexto dos acontecimentos. Embora, para remover os obstáculos que esses casos de suposta violência de gênero extrema costumam apresentar, seja aplicado um amplo critério de provas, as presunções não são suficientes para dissipar as dúvidas em torno da acusação”, apontou o juiz Martín del Viso.

O advogado da acusação, Ignacio Trimarco, acredita que Emmily foi drogada para ser sexualmente abusada.
O advogado da acusação, Ignacio Trimarco, acredita que Emmily foi drogada para ser sexualmente abusada. © Márcio Resende/RFI

Versão de suicídio inconsciente ganha força

A decisão de acatar o pedido de liberdade feito pela defesa de Francisco Sáenz Valiente é visto como um claro sinal de que a versão da morte da brasileira Emmily Gomes por suicídio sob efeito alucinógeno prevalece sobre a versão da acusação de feminicídio para encobrir uma tentativa de abuso sexual.

“Emmily havia bebido álcool e tomado drogas desde as 22 horas do dia anterior. Foram onze horas de consumo. Esse é o problema de tudo isso: um surto psicótico por alto consumo e mistura de drogas. E depois, infelizmente, teve esse resultado [a morte]”, avalia o advogado da defesa, Rafael Cúneo Libarona.

A acusação tem outra versão: “Pode ser que um abuso sexual tenha acontecido através do uso de drogas e que, num momento, a vítima tenha recuperado o seu estado de consciência e, ao perceber o que lhe estava acontecendo, começou a gritar, pedindo socorro e, infelizmente, terminou jogada do sexto andar”, indica o advogado Ignacio Trimarco.

“Não foi que alguém tenha desejado abusar sexualmente dela. Então, ela percebeu essa tentativa e teve um surto psicótico. Não. Ninguém entendia o que acontecia. As testemunhas viram o surto psicótico com os seus próprios olhos”, rebate Cúneo Libarona.

Para convencer o juiz de determinar a “falta de mérito” em todos os delitos, ordenando a imediata liberdade do acusado, foram cruciais os depoimentos das testemunhas que admitiram o consumo de álcool, maconha, cocaína e cocaína rosa, uma droga sintética que pode provocar efeitos alucinógenos.

“Os depoimentos das testemunhas que estiveram no apartamento indicam que Emmily vinha consumindo drogas. Uma das testemunhas, Lía Alves, disse que foi embora do apartamento porque estava com medo de Emmily. Com esse testemunho, provamos o surto psicótico”, aponta Cúneo Libarona.

Ele relembra que, depois de sair do apartamento, a testemunha Lía Alves enviou mensagens ao empresário nas quais descreveu Emmily como a personagem principal do filme “O Exorcista”, sem saber que a brasileira já tinha pulado. “Foi uma conversa espontânea”, garante o advogado.

As chamadas ao número de emergência por parte do próprio empresário também foram determinantes para a decisão de liberdade.

“Como é possível que uma pessoa que queira matar a outra ligue duas vezes para a polícia antes do homicídio e tudo isso em dois minutos? Impossível. Ele ligou duas vezes para a emergência. Emmily escapou, quebrou a janela e pulou. A polícia chegou assim que ela caiu porque Sáenz Valiente chamou”, descreve Cúneo Libarona.

As ligações foram registradas às 9h10 e às 9h13 da manhã do dia 30 de março. A queda aconteceu às 9h18, cinco minutos depois.

Versão de abuso sexual perde força

O advogado da família de Emmily, Ignacio Trimarco, tinha duas evidências para sustentar o argumento de abuso sexual: a presença de preservativos usados no lixo e uma lesão que indicaria resistência por parte de Emmily a ser jogada pela janela.

No entanto, as perícias concluíram que os preservativos eram antigos, sem vestígios de sêmen nem de sangue e que a lesão não era conclusiva como compatível com manobras de defesa.

O médico legista responsável pela autópsia, Héctor Di Salvo, chegou a declarar que havia presença de uma espuma branca na região da boca que seria compatível com o uso de drogas. Além disso, Emmily caiu sem se proteger com as mãos num indício de que estava inconsciente do que fazia.

Segundo Di Salvo, todas as feridas eram compatíveis com a queda. Não havia lesões compatíveis com abuso sexual. O resultado do exame toxicológico só sairá dentro de duas semanas.

Depois de passar 20 dias preso, o empresário ficará em liberdade, indiciado e submetido ao processo, mas sem antecedentes penais.

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