Acessar o conteúdo principal

"Nicarágua busca melhorar sua imagem ao liberar centenas de presos políticos", diz ex-embaixador do país

Um dia após a libertação de 222 presos políticos pelo regime autoritário do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, o ex-embaixador de Manágua junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), Arturo McFields, diz que o país "tenta limpar a sua imagem internacionalmente". Os prisioneiros libertados foram colocados em um avião com destino aos Estados Unidos, onde chegaram na quinta-feira (9). A RFI ouviu parentes que seguiram ao seu encontro.

O avião que transportou os presos expulsos da Nicarágua, pousado na Virgínia, em 9 de fevereiro de 2023.
O avião que transportou os presos expulsos da Nicarágua, pousado na Virgínia, em 9 de fevereiro de 2023. © WJLA TV via ABC / REUTERS
Publicidade

Com informações de Aida Palau, Justine Fontaine e agências

No grupo de prisioneiros políticos libertados há uma americana e duas francesas: Jeannine Horvilleur e Ana Alvarez, esposa e filha do opositor político Javier Alvarez. Elas foram condenadas no mês passado a 8 anos de prisão. Da Costa Rica, onde vive exilado, Alvarez falou com a reportagem da RFI e disse estar extremamente aliviado. 

"Estou profundamente feliz em saber que minha família foi libertada. Ainda não temos muitas informações, mas agora sabemos que houve negociações nos bastidores entre o governo americano e o regime de Daniel Ortega", diz.  

Os presos, contudo, foram privados de seus direitos políticos, despojados de sua nacionalidade e deportados para os Estados Unidos. 

"Ordena-se a deportação imediata e já efetiva de 222 pessoas. Essas pessoas já foram deportadas do país", informou à mídia oficial da Nicarágua o juiz Octavio Rothschuh, presidente da Sala 1 do Tribunal de Apelações de Manágua, ao ler a sentença. Ele declarou que todos os libertados haviam sido privados permanentemente de seus direitos políticos e declarados "traidores da pátria". 

"Desenraizados do seu próprio país 

Para Javier Alvarez, a decisão é inaceitável. "A Assembléia Nacional da Nicarágua aprovou, na quinta-feira de manhã, uma lei que retira dos presos a nacionalidade e todos os seus direitos políticos, deixando-os da sua pátria, porque lutaram pela democracia", explica. 

No avião para Washington, os presos libertados cantaram o Hino da Nicarágua, descreveu o ex-presidente Félix Maradiaga, um dos mais de 200 presos políticos libertados. "Levamos a nacionalidade espiritualmente", ressaltou. "Serei nicaraguense até o dia da minha morte," disse.  

O ex-presidente nicaraguense Felix Maradiaga, um dos mais de 200 presos políticos libertados da Nicarágua, recebe uma bandeira nicaraguense de um jovem apoiador, como comemora ao chegar aos Estados Unidos no Aeroporto Internacional de Dulles, no norte da Virgínia, perto de Washington, Estados Unidos, em 9 de fevereiro de 2023.
O ex-presidente nicaraguense Felix Maradiaga, um dos mais de 200 presos políticos libertados da Nicarágua, recebe uma bandeira nicaraguense de um jovem apoiador, como comemora ao chegar aos Estados Unidos no Aeroporto Internacional de Dulles, no norte da Virgínia, perto de Washington, Estados Unidos, em 9 de fevereiro de 2023. REUTERS - KEVIN LAMARQUE

O anúncio da libertação é feito no momento em que o presidente Daniel Ortega é pressionado devido ao autoritarismo crescente de seu governo.  

Um grupo de ONGs independentes calcula em 245 o número de pessoas detidas na Nicarágua por motivos políticos. 

Desviar a atenção 

"O regime diz: 'Não estamos violando os direitos humanos'. Mas é preciso lembrar que, na Nicarágua, não há eleições justas, livres e transparentes. Não há liberdade de expressão e o regime concentra todos os poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário.): não há separação de poderes!", analisa Arturo McFields. Em entrevista à RFI o ex-embaixador do país junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) fala em estratégia para desviar a atenção. 

"A ditadura na Nicarágua quer limpar a sua imagem libertando esses prisioneiros inocentes. Quer tentar parecer magnânima, quando, na verdade, só está buscando diminuir a pressão das sanções econômicas contra o país e limpar a sua imagem internacionalmente", diz McFields, um opositor do regime de Daniel Ortega. 

"E agora, além disso, eles estão pressionando por uma reforma da constituição para forçar as pessoas ao exílio. Isto é um roubo por parte do Estado de todos os direitos dos cidadãos nicaraguenses! E isso nunca existiu na nossa Constituição!”, protesta.  

O tribunal da Nicarágua confirmou a libertação e expulsão dos 222 opositores. O bispo católico Rolando Álvarez, detido desde agosto por conspiração, recusou-se a seguir para os Estados Unidos com o grupo de libertados. Ele preferiu voltar para a prisão, segundo o regime. "Álvarez não quis cumprir o que manda a lei, o que manda o Estado da Nicarágua", comentou o presidente Daniel Ortega sobre a decisão do bispo de rejeitar a ordem de expulsão do país. 

A notícia da libertação dos presos já havia sido anunciada pouco antes por parentes e opositores exilados, os quais informaram que, no grupo, estavam a ex-comandante sandinista Dora María Téllez, a ex-pré-candidata à presidência Cristiana Chamorro e Juan Lorenzo Holmann. 

A vice-presidente do país, Rosario Murillo, ressaltou que a decisão foi tomada "no interesse supremo da pátria de viver em harmonia, de viver trabalhando e prosperando com a paz". 

Alguns nicaraguenses viram a libertação como um sinal de boa vontade para com os Estados Unidos, que haviam imposto sanções a Manágua e saudaram a medida. Outros acreditam que o objetivo tenha sido se livrar dos opositores presos. 

Presos poderão ficar dois anos nos EUA 

Washington disse ter "facilitado o transporte dessas pessoas assim que foram libertadas" e garantiu que poderão permanecer nos Estados Unidos por motivos humanitários por dois anos. 

Todos os que foram libertados e deixaram o país "concordaram voluntariamente em viajar" para Washington, onde o governo lhes fornecerá assistência médica e jurídica, disse o Departamento de Estado dos Estados Unidos. 

A decisão de Manágua "é positiva e bem-vinda", mas "estamos firmes em encorajar novos passos" do governo Ortega para "restaurar as liberdades civis e a democracia ao povo nicaraguense", acrescentou o porta-voz americano. 

Um dos presos libertados, o economista e ex-candidato à presidência Juan Sebastián Chamorro, comemorou: "Estamos aqui na terra da liberdade e muito agradecidos", declarou. "Foram 20 meses atrás das grades, em uma prisão de segurança máxima, mas aqui estamos, de cabeça erguida", ressaltou o herdeiro político de Violeta Chamorro (ex-presidente entre 1990 e 1997). 

Blinken saúda decisão e cobra mais abertura

A notícia da libertação foi bem-recebida pelo governo americano e por nicaraguenses exilados. O chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, saudou a libertação e disse que a mesma poderia abrir caminho para mais diálogo com Ortega. 

"A libertação desses indivíduos, um dos quais é cidadão americano, marca um passo construtivo para abordar os abusos contra os direitos humanos naquele país e abre as portas para mais diálogo entre Estados Unidos e Nicarágua", declarou Blinken. 

O escritor nicaraguense Sergio Ramírez, que foi vice-presidente de Ortega em seu primeiro mandato (1985-1990) e atualmente se encontra exilado na Espanha, expressou sua satisfação pela libertação dos presos. "Hoje é um grande dia para a luta pela liberdade da Nicarágua, pois tantos prisioneiros injustamente condenados ou processados são libertados de prisões, nas quais nunca deveriam estar. "Desenraizados, mas livres" tuitou Ramírez. 

 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.