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"Fui tratado como um cão”: ex-prisioneiro de Guantânamo denuncia violência da CIA

Majid Khan, um ex-mensageiro da Al-Qaeda que passou pela prisão americana de Guantánamo, foi julgado na sexta-feira (29) e condenado a 26 anos de prisão. Ele detalhou a violência que sofreu durante os interrogatórios da Agência de Inteligência Americana (CIA), trazendo à tona as atrocidades cometidas em prisões secretas.

Membro da Anistia Internacional em protesto, em frente à embaixada americana em Bruxelas, para exigir o fechamento da prisão de Guantánamo, em junho de 2021, durante visita do presidente americano.
Membro da Anistia Internacional em protesto, em frente à embaixada americana em Bruxelas, para exigir o fechamento da prisão de Guantánamo, em junho de 2021, durante visita do presidente americano. AFP - NILS QUINTELIER
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“Uma masmorra” onde “fui tratado como um cão”. É assim que Khan descreve os locais da CIA, onde ficou preso por três anos, desde sua prisão por terrorismo, em Karachi, em 5 de março de 2003. O paquistanês de 41 anos é o primeiro detido a testemunhar os abusos sofridos em prisões da CIA.

Tortura, estupro, ameaças: a violência física que Khan descreve é assustadora. Em alguns interrogatórios, ele descreveu ser vítima de waterboarding: sua cabeça, coberta, era submersa em água gelada até que ele falasse, com o risco de afogamento. Tudo isso apesar de ter confessado, poucos dias depois de sua captura, ter participado de uma tentativa de assassinato do presidente do Paquistão, ou de ter dado US$ 50 mil a membros ativos da Al-Qaeda no arquipélago da Indonésia.

Khan denuncia ter sofrido agressão sexual: “fui estuprado por médicos da CIA. Enquanto eu estava amarrado, eles inseriram tubos e objetos em meu ânus”, ele conta, se referindo a uma mangueira de jardim. “Sempre que era torturado, dizia o que eu achava que eles queriam ouvir. Eu até mentia para fazer parar a violência.”

Por meio de uma carta de 39 páginas, lida durante a audiência, o ex-prisioneiro de Guantánamo afirma ter sido suspenso por correntes por muitos dias, nu, sem comer, em celas sem janelas, isso em várias prisões da agência secreta, localizadas em países não identificados.

Ameaças de estupro contra sua irmã

Seus interrogadores, disse ele, ameaçavam atacar sua família, com quem migrou aos 16 anos para Baltimore. Entre as ameaças estava a de estuprar sua irmã. “Eles me bateram até eu implorar que parassem. A pior parte era não saber quando os golpes viriam ou de onde viriam”, descreve Majid Khan.

Declarando-se quase cego quando está sem óculos, ele garante que, depois que os seus quebraram, "teve que esperar três anos até receber um novo". Devido às muitas noites privadas de sono, “lembro-me de ter alucinações, de ver uma vaca e um lagarto gigante. Eu havia perdido todo o contato com a realidade", ele acrescenta.

Todo esse pesadelo durou até 2006. Mesmo assim, Majid não parou de cooperar com os serviços americanos após sua prisão. “Mas quanto mais eu cooperava, mais eles me torturavam”, denuncia esse imigrante para os Estados Unidos, recrutado por membros de sua família pertencentes à Al-Qaeda durante uma visita a seu país de origem.

A CIA não apresentou nenhuma reação até este momento. Em 2014, um relatório do Senado americano já acusava a agência de praticar tortura após os ataques de 11 de setembro. Durante o julgamento desta sexta-feira, Majid Khan disse, no entanto, que perdoava seus torturadores.

“Eu os perdoo. Todos.”

“Já se passaram quase 20 anos desde que fui detido e mantido em confinamento solitário, paguei caro”, observa ele, acrescentando: “Rejeito a Al-Qaeda, rejeito o terrorismo (...) Estarei em paz quando eu me perdoar e quando perdoar os outros pelo mal que me fizeram. Para aqueles que me torturaram: eu os perdoo. Todos."

“As palavras fortes de Majid revelam as atrocidades devastadoras cometidas pelo nosso próprio governo em nome da nossa segurança nacional”, explica Katya Jestin, uma das suas advogadas. E ela conclui: “O programa da CIA foi um fracasso e foi contrário aos nossos princípios democráticos e ao Estado de Direito.”

O júri condenou Majid Khan a 26 anos de prisão, de acordo com um porta-voz do Tribunal Militar americano. Mas, considerado um acordo feito com o juiz quando ele se declarou culpado, este ex-prisioneiro de Guantánamo talvez seja solto no próximo ano.

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