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“Perdoei, mas não esqueci”: 10 anos depois, ex-reféns do Boko Haram relembram rapto coletivo

Na noite de 14 para 15 de abril de 2014, 276 alunas do ensino médio com idades entre 15 e 18 anos, a maioria delas cristãs, foram raptadas pelo grupo armado Boko Haram do internato público onde viviam em Chibok, no norte da Nigéria. O assunto virou manchete mundial durante alguns anos. Mas, uma década depois, as meninas foram aos poucos sendo esquecidas, principalmente diante da banalização dos raptos em massa nessa região da África. Até hoje mais de 80 adolescentes seguem desaparecidas. Em entrevista à RFI, duas ex-reféns contam como vivem após esse episódio.

Amina Nkeki, no centro, entre duas outras ex-reféns grupo Boko Haram, fotografadas na periferia de Chibok
Amina Nkeki, no centro, entre duas outras ex-reféns grupo Boko Haram, fotografadas na periferia de Chibok © Moïse Gomis / RFI
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Moïse Gomis, enviado especial da RFI a Yola (Nigéria)

Amina Nkeki e Jummai Mutah foram sequestradas pelos homens de Abubakar Shekau, líder de uma das facções do Boko Haram em 2014. As jovens tiveram trajetórias diferentes, mas compartilham a experiência de terem vivido durante anos nas mãos do grupo extremista islâmico.  

Jummai ficou três anos na floresta de Sambisa, detida pelos combatentes. Durante esse período, ela afirma que não cedeu as ameaças físicas dos extremistas, e conseguiu praticar sua religião até ter resgatada pelas autoridades em 2017, após longas negociações.

“Eu já perdoei os membros do Boko Haram. Deus diz que temos que perdoar e esquecer”, diz Jummai. “Eu perdoei, mas não consegui esquecer... Continuo pedindo a Deus que me ajude a esquecer o passado, pois sei que mesmo se eu digo que perdoo, não consigo esquecer”, desabafa a jovem.

Já Amina foi forçada a se converter ao Islã e se casar com um dos combatentes, com quem teve uma filha. Durante esse período ela viveu em Gwoza, capital do autoproclamado califado do grupo extremista, antes de ser libertada. Ela foi a primeira adolescente do grupo a conseguir escapar com vida, após dois anos de cativeiro.

“Os raptos continuam. Não há líderes neste país ?”, se revolta. “Eles não tomam nenhuma medida para combater a insegurança. Fico me perguntando quando tudo isso vai parar”, diz Amina, que tenta se reconstruir. A jovem recebe uma ajuda das autoridades federais e voltou a estudar.

Jummai ainda se lembra da floresta Sambisa e da falta de comida durante o seu cativeiro. Mesmo se agora se sente recuperada fisicamente, a jovem sabe que está mentalmente fragilizada. Ela diz que, para ficar em paz, prefere não recorrer à justiça em busca de uma eventual reparação. “Não somos os únicos a viver este tipo de situação na Nigéria. Sei que a justiça está fazendo o seu trabalho. Mas mesmo que tentasse, não conseguiria ganhar um caso. Então o que eu posso fazer?”, lança, desiludida.

Os casos de rapto em massa se multiplicaram nessa região após o episódio de Chibok. A prática se tornou uma arma para os grupos extremistas.

Ex-reféns do rapto de Chibok, reunidas em 2017 depois de terem sido libertadas.
Ex-reféns do rapto de Chibok, reunidas em 2017 depois de terem sido libertadas. AP - Sunday Alamba

Muitas das jovens que conseguem escapar são estigmatizadas ao voltarem para seus vilarejos. Algumas são criticadas pelo fato de terem se convertido ao Islã quando estavam em cativeiro e as que foram forçadas a se casar e engravidaram enfrentam, assim como seus familiares, o que é vivido com a vergonha de carregarem um “filho do Boko Haram”.

“Bring back our girls”

O rapto em massa reivindicado pelo Boko Haram em 2014 provocou comoção internacional. A campanha “Bring Back Our Girls” (“Traga de volta as nossas meninas”), lançada após a captura das 276 adolescentes, repercutiu em boa parte do mundo.

O caso chamou a atenção de personalidades de peso, como a então primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, que encampou a causa.

Logo após o sequestro, 57 meninas conseguiram escapar pulando os carros que as transportavam. Entre 2016 e 2017, cerca de 100 garotas foram soltas em troca da liberação de prisioneiros do Boko Haram ou de pagamentos de resgate. Outras conseguiram aos poucos fugir e reencontrar suas famílias. Mas dez anos após o rapto, mais de 80 meninas de Chibok continuam desaparecidas, segundo um balanço recente da Anistia Internacional.

O grupo Boko Haram se dividiu em várias facções rivais, o que dificulta a busca das jovens. “Há indícios de que as adolescentes de Chibok foram dispersadas em vários acampamentos de Sambisa. Mas outras certamente foram levadas para as montanhas de Mandara, na fronteira de Camarões, ou para a região do lago de Chade”, explica o analista nigeriano Kabir Adamu, que participou das negociações com os extremistas para tentar libertar as reféns. Mas, segundo ele, muitas prisioneiras podem ter perdido a vida. “Não podemos esquecer a o exército lançou várias ofensivas contra acampamento jihadistas, com bombardeios intensivos”, ressalta. E esses ataques tiraram a vida de muitos extremistas, mas também de reféns que estavam nos acampamentos do Boko Haram.

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