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Ruanda: 30 anos após genocídio dos tutsis, valas comuns ainda são descobertas em Ngoma

O dia 7 de abril de 2024 marcará o início de cem dias de celebrações oficiais do genocídio de 1994 perpetrado contra os tutsis em Ruanda. Para mais da metade da população nascida após o massacre, seus efeitos, ecos, as feridas e os silêncios ainda estão muito presentes. Trinta anos depois, os sobreviventes ainda não sabem onde estão os restos mortais de seus entes queridos, e as exumações das vítimas continuam, como em Ngoma, perto de Huyé, antiga Butare, no sul de Ruanda. 

Moradores e voluntários escavam os restos humanos das vítimas do genocídio ruandês de 1994 escondidos sob as fundações de uma casa em Ngoma, Ruanda, em 23 de janeiro de 2024, onde mais de 82 corpos foram encontrados desde 21 de janeiro de 2024.
Moradores e voluntários escavam os restos humanos das vítimas do genocídio ruandês de 1994 escondidos sob as fundações de uma casa em Ngoma, Ruanda, em 23 de janeiro de 2024, onde mais de 82 corpos foram encontrados desde 21 de janeiro de 2024. AFP - GUILLEM SARTORIO
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Amélie Tulet, enviada especial da RFI a Ruanda

"Esta é a casa de Hishamunda. Hishamunda era o pai da família". Théodate Siboyintore olha com tristeza para o terreno destruído à sua frente. O representante distrital da associação de sobreviventes de Ibuka aponta para o local da casa da filha de um dos genocidas que participaram do massacre de tutsis em Ruanda. Há seis meses, foram descobertos ossos embaixo dessa casa.

"Como os corpos foram encontrados aqui? Quando a filha quis construir uma cerca depois de construir uma casa em 2007. E enquanto cavavam, onde poderiam colocar as fundações, os pedreiros encontraram os corpos", relata Siboyintore.

"Mil corpos debaixo da casa"

Primeiro cerca de quarenta, depois dezenas de outros foram encontrados embaixo da cozinha ou dos banheiros da construção. A casa foi finalmente destruída. De acordo com a associação de Ibuka, havia mil corpos embaixo da casa.

Durante 30 anos, os proprietários do terreno não disseram nada. "Ah, nós nos perguntamos muitas coisas. Será que vivemos com pessoas que continuam assim? Após 30 anos, as pessoas não querem mudar? As pessoas ainda têm essa ideia de sempre ameaçar, sempre colocar os sobreviventes em perigo, com raiva", acrescenta o representante da associação.

Apesar do questionamento, não existem ainda respostas. De acordo com as Nações Unidas, mais de um milhão de pessoas - a maioria tutsis, mas também alguns hutus (mais numeroso dos três grupos étnicos presentes em Ruanda e no Burundi) e outros então oponentes ao genocídio - foram sistematicamente mortas em Ruanda, em menos de três meses.

Os ossos e as roupas das vítimas são armazenados em um prédio administrativo próximo ao local do massacre. Homens jovens os lavam em bacias. A ruandesa Consolée Mukamana então os coloca cuidadosamente em grandes lonas no chão de cimento. Em 1994, ela tinha 14 anos; hoje tem 44. Como mãe de cinco filhos, ela acha difícil dizer o que aconteceu com os avós deles. Trinta anos depois, ela continua procurando vestígios de sua mãe.

Um vestido, uma lembrança

"As roupas são muito importantes para nós. Quando perdemos alguém e nos lembramos das roupas que essa pessoa usava quando foi morta, procuramos essas roupas", explica Mukamana. "Minha mãe usava um vestido de tanga verde. Toda vez que separamos as roupas, eu procuro esse vestido", lembra.

Um homem dobra as roupas lavadas. Uma camiseta amarela, um vestido infantil listrado, um tecido florido. Alice Nyirabagina, 41 anos, coordena o processo e se diz chocada com o fato de as pessoas poderem ter permanecido por anos convivendo em uma vala comum.

"Quando você descobre que as pessoas dormem, comem e se lavam em valas comuns, é muito triste", diz a coordenadora. "E mesmo hoje, eles não querem falar sobre o que aconteceu quando estavam lá, eles sabiam de tudo", relata a ruandesa.

A proprietária da casa e seu pai foram presos e serão julgados. Os corpos e as roupas serão enterrados no memorial de Ngoma após uma cerimônia organizada durante as celebrações de 30 anos do genocídio de Ruanda.

Ruanda: as origens do genocídio 

Em 7 de abril de 1994, um dos maiores massacres do século 20 começou nas colinas verdejantes de Ruanda. Não se tratava de mais uma guerra interétnica africana, mas de um extermínio planejado que ceifou a vida de quase um milhão de pessoas. Foi, de fato, um "genocídio" conforme o plano político da liderança extremista hutus, incentivado por lideranças colonialistas europeias: exterminar todos os tutsis. 

Entre abril e julho de 1994, no espaço de cem dias, quase um milhão de ruandeses foram mortos. A maioria das vítimas pertencia à minoria tutsi, embora os autores dessa verdadeira operação de extermínio fossem os hutus, a comunidade majoritária que estava no poder em Ruanda desde 1962. Vários milhares de hutus moderados que não aderiram à ideologia racista de seus líderes também morreram nesse banho de sangue.

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