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Um pulo em Paris

'Deixem nossos úteros em paz': feministas se revoltam com ideia de 'rearmamento demográfico' de Macron

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O Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos da França (Insee) divulgou um balanço nesta semana que apontou para a maior queda de natalidade no país desde a Segunda Guerra Mundial. No mesmo dia, o presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou medidas para o que chamou de “rearmamento demográfico”, suscitando uma forte polêmica.

O presidente francês, Emmanuel Macron, brinca com um bebê durante uma visita ao hospital de Rouen, no norte da França, em 5 de abril de 2018.
O presidente francês, Emmanuel Macron, brinca com um bebê durante uma visita ao hospital de Rouen, no norte da França, em 5 de abril de 2018. AFP - CHRISTOPHE ENA
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Daniella Franco, da RFI

“A infertilidade aumenta. E eu falo aqui de uma espécie de tabu do século, mas as coisas estão mudando. Fazemos filhos cada vez mais tarde”, declarou o presidente durante seu discurso e coletiva de imprensa no qual apresentou o roteiro de seu novo governo na terça-feira (16).

De fato, segundo o balanço demográfico anual do Insee, entre 2022 e 2023, a natalidade registrou uma queda de 6,6%. Além disso, pela primeira vez, a taxa de fecundidade baixou em todas as faixas etárias, inclusive entre os 30-34 anos, período em que as francesas mais têm filhos.

Diante do balanço, Macron anunciou “um grande plano de luta contra esse problema”. O objetivo, segundo, ele é “permitir um rearmamento demográfico” da França.

Em seguida, o presidente apresentou a proposta de substituir a licença parental, que atualmente pode ser estendida até os 3 anos de idade da criança, por uma “licença nascimento”. Segundo Macron, esse período terá uma duração máxima de até seis meses, mas contará com uma melhor remuneração do que a licença parental.

O presidente disse acreditar que a mudança será “um elemento útil nessa estratégia” contra a queda de natalidade na França. Para ele, a licença permitirá às famílias a passarem mais tempo com os filhos e incentivará os casais a procriarem.

“Rearmamento demográfico”

O tom reacionário do discurso irritou parte da opinião pública, a oposição e foi tema de reportagens e editoriais nesta semana. A utilização do termo “rearmamento demográfico” chocou várias parlamentares francesas.

Para a senadora ecologista Mélanie Vogel, a expressão remete ao lema “Trabalho, Família, Pátria” que a França usou durante o regime de Vichy, na Segunda Guerra Mundial, quando foi ocupada pela Alemanha Nazista. “Em um contexto geopolítico de multiplicação de guerras e nacionalismo, os seres humanos não podem ser vistos como armas”, disse a deputada socialista Laurence Rossignol.

A Federação Nacional dos Centros de Informação sobre os Direitos das Mulheres e das Famílias denunciou uma política natalista contrária à autonomia das mulheres, “uma regressão política e social preocupante”. “Deixem nossos úteros em paz”, publicou no X (ex-Twitter) a presidente da Fundação das Mulheres, Anne-Cécile Mailfert.

Já jornal Libération publicou na quinta-feira (19) uma edição especial de cinco páginas e um editorial enfurecido que enumerou o que desmotiva hoje a população francesa a procriar. “Salários baixos, a falta de moradia própria, a falta de assistência do Estado para as famílias, as longas jornadas de trabalho”, lista o texto. Libé cita também a escassez de perspectiva em um mundo em guerra e um planeta que está sendo destruído pelas mudanças climáticas, criticando a desconexão do Macron em relação aos cidadãos.

Queda da natalidade

Para especialistas em demografia, a queda na taxa de natalidade da França não é alarmante e deve ser mais encarada como um fenômeno do que como um problema. Em entrevista à France Bleu, o professor da Escola de Economia de Paris, Hippolyte d'Albis, acredita que o essencial é adaptar as políticas públicas “favorecendo o emprego de sêniors, mulheres ou recorrendo à imigração”.

Já a União Nacional das Associações Familiares da França (Unaf) lembra que mesmo que a taxa de fecundidade das francesas seja de 1,68 por mulher, o desejo de procriar não desapareceu. Em 2020, um estudo da associação mostrou que a média do número ideal de filhos no país é de 2,39.

O Alto Conselho da Família e da Infância da França é cético sobre o sucesso do plano apresentado por Macron para incentivar a natalidade. Para Hélène Périvier, presidente deste órgão independente, a principal estratégia deveria ser criar condições nas famílias que facilitem a criação e a educação dos filhos, e priorizam a qualidade de vida de mães e pais.

“Há uma relação entre as políticas de articulação entre vida familiar e vida profissional e o nível da natalidade dos países”, diz, em entrevista à France Info. “Os países onde essas políticas permitem às mulheres trabalhar quando elas têm filhos são os países onde as mulheres mais têm filhos”, ressalta.

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