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Um pulo em Paris

1° de Maio terá protestos contra reforma da Previdência e explosão do custo de vida na França

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A Festa do Trabalho, como é chamado o 1° de maio na França, será marcada por protestos que vão muito além da indignação com o aumento da idade de aposentadoria para 64 anos. A guerra na Ucrânia continua gerando uma explosão no custo de vida que exaspera cada vez mais a população e corrói o poder de compra dos salários.

Sindicatos franceses estão mobilizados em um movimento pela valorização do trabalho que não acontecia no país há 50 anos.
Sindicatos franceses estão mobilizados em um movimento pela valorização do trabalho que não acontecia no país há 50 anos. AP - Lewis Joly
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A inflação voltou a subir em abril, atingindo 5,9% em um ano. O que mais pesa no bolso do consumidor atualmente é a alta nos preços dos alimentos, que bateu em 14,9% neste mês e tem pico previsto de 23% a 26% em julho. Comida é uma despesa básica e os franceses estão insatisfeitos com as ações do governo para conter os preços.

O ministério da Economia tem distribuído cheques às famílias de baixa renda para compensar o aumento da energia e dos combustíveis, mas não previu nada para atenuar o impacto da inflação na conta do supermercado. 

O presidente Emmanuel Macron é acusado de ter falhado no tratamento de uma prioridade. Ele insistiu na impopular reforma da Previdência, quando pelo menos 2,5 milhões de franceses enfrentam dificuldade para se alimentar. Por isso, a necessidade de revalorização dos salários vai estar no centro das reivindicações no Dia dos Trabalhadores.

Na França, o salário mínimo (Smic) tem reajuste automático em 1° de janeiro com base na inflação, mas pode sofrer outras correções ao longo do ano se a aceleração da inflação for expressiva. É o que vai acontecer neste 1° de maio: um segundo reajuste do mínimo, desta vez de 2,2%. O Smic mensal líquido passará para € 1.383,08, cerca de R$ 7.560,00, mas é um reajuste ainda abaixo da inflação. O montante pode parecer alto para o Brasil, mas é um valor baixo para cobrir as despesas do custo de vida na França.

Uma pesquisa Ifop mostrou, no início de abril, que 42% dos franceses que ganham o salário mínimo já cortaram uma das três refeições do dia e 79% de toda a população – um percentual altíssimo – reduziu substancialmente o consumo de alguns alimentos, como carne, peixe, frutas e legumes, que estão caríssimos.

Um relatório da ONG Oxfam publicado nesta quinta-feira (27) voltou a tocar no ponto nevrálgico da crise social que afeta a França: o aprofundamento das desigualdades. Em 2009, o CEO de uma grande empresa francesa ganhava 64 vezes mais que um empregado da base; em 2021, essa diferença passou para 97 vezes. O lucro das 100 maiores empresas francesas dobrou em 12 anos, mas a parte do lucro dedicada a atenuar as desigualdades salariais diminuiu, para favorecer a remuneração de acionistas, ou seja, do capital e não do trabalho. 

Maior mobilização social em 50 anos

A mobilização social iniciada em janeiro é considerada a maior dos últimos 50 anos. Os pedidos de filiação aos sindicatos aumentaram em até 30%, dependendo da central, em comparação a anos anteriores. O fenômeno faz com que o diálogo social endureça nas empresas, o que é bom para o trabalhador, mas ao mesmo tempo transpõe a insatisfação da população com o governo para os locais de trabalho, o que desagrada aos empresários. 

Macron tenta superar a revolta provocada pelo aumento da idade de aposentadoria com visitas ao país e um diálogo direto com os franceses. Ele tem defendido as ações do governo visando a melhoria dos serviços públicos na saúde, educação, no combate a fraudes e na arrecadação de impostos, sem convencer em relação à realidade da perda da qualidade de vida que os franceses enfrentam.

O ministro do Planejamento, Gabriel Attal, disse nesta sexta-feira (28) que estuda um novo corte de impostos para a classe média e a redução da tributação na transmissão de herança, especificamente para quem tem apenas a casa própria para deixar aos filhos e é super taxado. Ele até convidou Marine Le Pen para um debate sobre o assunto, já que a líder da extrema direita diz que governo "mente" quando fala que diminuiu os impostos. 

O maior problema nessa proposta do governo é que economistas consideram o conceito de classe média vago: pode ir de uma pessoa que ganha € 1.300 por mês até € 3.600 – uma diferença enorme.

Virar a página da reforma da Previdência tem sido difícil para Macron, seus ministros, prefeitos e deputados do partido governista. A moda do panelaço contra a reforma pegou. O mais inacreditável é que o ministério do Interior tem baixado decretos para proibir a população de bater panela. A imprensa já questiona se Macron, por esse estilo autoritário, não estaria transformando a França em uma democracia iliberal, nos moldes da Hungria de Viktor Orbán, que impede a liberdade de expressão. 

Protesto na final da Copa da França

Neste sábado (29), os times de Nantes e Toulouse disputam a final da Copa da França no Stade de France, em Saint-Denis, que é área de periferia mais pobre do país, ao norte de Paris. Setenta e oito mil torcedores compraram ingressos. Macron confirmou que vai ao estádio, o que é uma tradição entre os presidentes, mesmo sabendo que sindicalistas da CGT programaram um ato contra a reforma da Previdência. 

A CGT planejou distribuir aos torcedores cartões vermelhos e apitos para vaiar Macron durante o jogo. Em mais uma tentativa de reprimir a livre expressão dos franceses, as autoridades de segurança proibiram qualquer manifestação sindical nos arredores do estádio. Aparentemente, Macron já teria desistido de aparecer no gramado aos lado das equipes antes do início da partida, como acontece nas finais. 

Nantes e Toulouse são duas cidades que têm registrado forte mobilização contra a reforma. Os dois clubes ainda são conhecidos por terem hooligans nas torcidas. Com isso, 3 mil policiais foram mobilizados para o jogo. Macron deve ficar isolado na tribuna de honra do estádio, oferecendo ao mundo uma imagem cada vez mais constrangedora para o líder de um país democrático.

Trezentas manifestações estão programadas na segunda-feira, 1° de maio, em todo o país. O esquema de segurança contará com 12 mil policiais e militares – 5 mil apenas em Paris. Apesar do feriado, 100 mil pessoas devem desfilar na capital, entre elas de 1.500 a 3 mil coletes amarelos e 400 manifestantes ultrarradicais de esquerda, prevê o ministério do Interior. 

Ainda existem duas datas importantes de análise da reforma: no dia 3 de maio, o Conselho Constitucional dará um parecer sobre um novo pedido de referendo. Em 8 de junho, o Parlamento irá votar um projeto que pede a revogação do artigo que aumentou a idade de 62 para 64 anos.

A primeira-ministra Élisabeth Borne convidou as lideranças sindicais para reuniões na semana que vem. Ela vai tentar fissurar a frente sindical, com propostas que possam atender a demandas da central reformista CFDT, líder em número de filiados no país. Entretanto, os sindicatos têm a intenção de continuar unidos para fazer o governo pagar caro pela reforma e cobrar compensações, como cursos de requalificação profissional e condições de trabalho vantajosas para os trabalhadores com mais de 55 anos.

Macron está longe de conseguir virar a página, com um governo por enquanto paralisado em sua capacidade de ação.

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