Acessar o conteúdo principal
Um pulo em Paris

Salão Made in France busca inspirar patriotismo econômico nos franceses

Publicado em:

A França começa a colher os primeiros resultados da relocalização de indústrias que deixaram o país nos últimos 40 anos, incapazes de concorrer com manufaturados importados da Ásia. Até o domingo (13), o salão Made in France, no parque de exposições da Porte de Versailles, em Paris, exibe uma vitrine de produtos fabricados no território francês, como roupas, calçados, relógios, bicicletas, brinquedos e eletrodomésticos, que buscam conquistar o público pela inovação e qualidade.

Estande do Salão Made in France, no parque de exposições da Porte de Versailles.
Estande do Salão Made in France, no parque de exposições da Porte de Versailles. AFP - THOMAS SAMSON
Publicidade

O choque da falta de máscaras no início da pandemia de Covid, em 2019, revelou uma dependência muito grande da França em relação a produtos básicos, cuja fabricação tinha sido transferida nas décadas de 1980-90 para países de mão de obra barata, como a China, entre outros. Com o tempo, os salários aumentaram nos países asiáticos e a crise sanitária acelerou a tendência de relocalização de fábricas no território francês, depois de o setor industrial despencar para 11,04% do PIB em 2021. Para dar uma ideia do que significou essa degringolada, a indústria brasileira representou 18,9% do PIB no mesmo período.  

O salão Made in France, aberto até domingo, expõe ao público o resultado da política de patriotismo econômico adotada pelo governo nos últimos anos, sem um apelo demasiado protecionista. O visitante encontra um pouco de tudo na feira, de calças jeans que voltaram a ser fabricadas no norte da França a produtos inovadores, como uma mini lava-louças com ciclo ecológico de 15 minutos, e uma escova dental que é líder de mercado nas lojas de produtos naturais, com cabo de madeira proveniente de florestas francesas e cerdas de plástico reciclado. O que todos os produtos têm em comum são as cores da bandeira francesa, azul, branco e vermelho, estampadas nas etiquetas.

Durante o confinamento, o presidente Emmanuel Macron fez um apelo às empresas para que retornassem ao país, de modo a garantir a "soberania industrial" francesa. Graças à massa de dinheiro mobilizada para manter a economia de pé, o governo criou um programa de incentivo à relocalização industrial visando cinco setores estratégicos – saúde, telecomunicações, agroalimentar, química e eletrônica. Empresários tiveram acesso a linhas de crédito de bancos públicos e essa facilidade, associada à redução da carga tributária, atraiu outras indústrias a embarcar na onda da relocalização.

No setor do vestuário, por exemplo, a França, que é o país da alta costura e do prêt-à-porter, tinha fechado centenas de linhas de produção de tecidos e roupas nos anos de 1980-90. As marcas demitiram costureiras altamente qualificadas para importar peças feitas em Bangladesh, China, Turquia, Tunísia e Marrocos. Com a política de incentivo público iniciada durante o governo do ex-presidente François Hollande e ampliada por Macron, uma parte dessas fábricas estão sendo reabertas e modernizadas, de acordo com os padrões ecológicos exigidos pela transição energética. 

Em quatro anos, o governo francês diz ter conseguido criar ou manter 100 mil empregos com o programa França Relança (France Relance, na versão em francês).

Produto mais caro, mas de qualidade superior

Mas é possível vender pelo mesmo preço um produto fabricado na China ou na França? Não, o produto francês ainda sai um pouco mais caro, mas as campanhas de comunicação apontando a qualidade superior, a proximidade do serviço pós-venda, o aspecto ecológico do comércio regional, que dispensa o transporte marítimo, e o argumento da criação de empregos no país tem convencido os franceses a gastar um pouco mais no produto nacional. Os industriais, por sua vez, têm se empenhado na redução dos custos de produção.

Algumas redes de supermercados decidiram banir a venda de roupa importada. Elas não conseguem vender o mesmo volume que antes, mas o cliente sai satisfeito com a ideia de que está contribuindo para dinamizar o mercado de trabalho. A compra em quantidades elevadas sustenta a produção local.

Um think tank francês especializado na relocalização industrial diz que o segredo não é fabricar um produto idêntico ao importado da China. O industrial tem de apostar em inovação e criatividade para justificar a diferença de preço, por menor que seja. O Made in France, visto inicialmente como uma piada de mau gosto, já tem até fraude.

Fraudes

O departamento do Estado que fiscaliza as indústrias e é responsável pela repressão a fraudes fez um levantamento em mil empresas para ter certeza de que elas podiam exibir a etiqueta Made In France e constatou uma média de 15% de infrações. Quatorze empresas foram indiciadas por prática comercial enganosa. Outras 87 empresas receberam advertências variadas. Os maiores problemas foram constatados em cosméticos, máscaras, álcool em gel, mas na lista de infratores há também fabricantes de bijuterias, óculos e móveis. 

A França ou qualquer outro país nunca irão reverter a globalização, que tem aspectos positivos e tirou milhares de pessoas da pobreza. A tendência atual é apenas de um ajuste para reverter parte do abandono à indústria nacional, redimensionar a fatia que o setor de serviços deve ocupar na produção de riquezas do país e, principalmente, diminuir a excessiva dependência externa, que gera déficit na balança comercial e desequilibra demais as contas públicas.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.