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Saúde em dia

O sofrimento de quem tem endometriose, doença que atinge até 10% das mulheres em idade reprodutiva

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As dores intensas provocadas pela endometriose, que às vezes leva anos para ser diagnosticada, transforma a vida de muitas mulheres em um inferno no cotidiano.

As dores provocadas pela endometriose impedem as atividades cotidianas
As dores provocadas pela endometriose impedem as atividades cotidianas © Getty Images - LaylaBird
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Taíssa Stivanin, da RFI

A endometriose é uma doença crônica caracterizada pelo crescimento anormal do tecido do endométrio, que reveste a cavidade uterina. Durante o período menstrual, ele se transforma e depois descama, o que leva a hemorragias, inflamação e fibrose.

Restos desse tecido endometrial podem então ser encontrados nos ovários, na bexiga, no reto e até fora da bacia, além de outras partes do corpo, o que caracteriza a doença. As dores provocadas por esse processo inflamatório são descritas pelas pacientes como insuportáveis, mas muitas acreditam, ou foram levadas a acreditar, que esse mal-estar é normal e está apenas relacionado à menstruação.

Este é o caso da jovem francesa Caroline, 31 anos. Ela tem endometriose profunda com infiltração intestinal. Além das dores que sente durante o período menstrual, os sintomas digestivos também atrapalham seu cotidiano.  

“Esperei 15 anos para ter um diagnóstico. Minha menstruação chegou quando eu tinha 11 anos e aos 26 os sintomas continuaram evoluindo. Pensei: “tem alguma coisa errada” e fiz tudo o que pude para obter um diagnóstico", conta.

"Na minha família, infelizmente, todas as mulheres estavam acostumadas a sentir dores quando menstruavam, então minhas dores não surpreendiam ninguém. Minha mãe e minha avó sofriam muito e a resposta a esse sofrimento era dizer que algumas pessoas tinham sorte e outras não. Ouvir isso é de uma extrema violência, mas é assim. Não temos escolha”, diz Caroline, que descreve o diagnóstico como uma "liberação".

Felizmente, graças a novas evidências científicas e à tecnologia de imagem, o atraso no diagnóstico é uma situação que vem se tornando menos frequente e os especialistas hoje estão mais preparados para identificar a endometriose, explicou a ginecologista Patrícia Gonçalves, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), em entrevista à RFI.

Caso a paciente se queixe de dores pélvicas, os diagnósticos diferenciais permitem afirmar, diz, se ela sofre ou não de endometriose. O exame clínico, que inclui o toque vaginal, e uma boa anamnese, a conversa do paciente com o profissional durante a consulta, também são essenciais.

“A endometriose não é uma doença maligna como um câncer, mas também pode ser comparada a uma invasão. Normalmente as mulheres se queixam de sangramento abundante, dor intensa, de profundidade na atividade sexual. Muitas vezes essa dor é incapacitante, principalmente no período menstrual”, explica a ginecologista.

A ginecologista brasileira Patrícia Gonçalves, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo)
A ginecologista brasileira Patrícia Gonçalves, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) © Arquivo Pessoal

Fatores de risco

Por que algumas mulheres desenvolvem a endometriose e outras não?

Uma das hipóteses é que a propensão é maior se a menstruação chega cedo, antes dos 12 anos. Neste caso, explica a médica, a menopausa pode ocorrer mais tarde e a mulher vai menstruar por mais tempo, o que teoricamente aumenta as chances de ter endometriose. “Sem gravidez, o óvulo será absorvido e isso provocará a descamação do endométrio, que é a camada interna do útero, que se renova o para o próximo mês”, diz. 

“Se a mulher faz um espessamento muito grande e abundante desse endométrio, ela vai descamar. Uma das teorias é que essa menstruação pode refluir pelas tubas. Desta forma, as células endometriais podem aderir a outros órgãos, como a bexiga, a porção posterior do útero ou o intestino”, acrescenta.

Os leucócitos ou glóbulos brancos, que defendem o corpo contra as infecções, vão então fagocitar as células endometriais que estiverem fora do endométrio.

“Porém, se por algum motivo essa defesa diminuir, seja por um problema no sistema imunológico, por um processo depressivo, predisposição genética ou outro motivo, o que vai acontecer é que essa célula não será retirada e poderá se acumular, se depositar naquela região e infiltrar, gerando todo o desconforto da evolução da endometriose”, explica Patrícia Gonçalves.

Antes da pílula, havia menos casos

Por que a doença ganhou visibilidade há pouco tempo? Antes do surgimento da pílula, nos anos 1960, as mulheres tinham mais filhos e engravidavam várias vezes, diz a médica. Desta forma, ficavam menos menstruadas, o que de certa forma “impedia” a endometriose de se desenvolver. Hoje é possível escolher ter ou não filhos, e em que momento. Mas, em contrapartida, a endometriose pode se manifestar mais facilmente.

“A boa notícia é que a doença tem tratamento, que não é apenas cirúrgico, lembra a ginecologista. Ele deve ser individualizado e pode incluir medicação oral ou outros métodos, em função do desejo da paciente de engravidar ou não", explica a ginecologista.

“A relação médico-paciente é muito importante e por isso que eu gosto de dar aula. Para passar meu legado, assim como meus professores me passaram. Para que a gente possa fazer o melhor, dentro do que propusemos a fazer dentro do juramento de Hipócrates”, conclui Patrícia Gonçalves.

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