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Saúde em dia

Vacina terapêutica contra o câncer pode evitar recaídas de tumores graves

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Dados mostram que a vacina criada pela biotech francesa Transgene, testada em parceria com hospitais públicos da França e outros países, previne recaídas de cânceres da cabeça e do pescoço.

160 profissionais da biotech francesa Transgene trabalham na produção da vacina terapêutica TG4050.
160 profissionais da biotech francesa Transgene trabalham na produção da vacina terapêutica TG4050. © Captura de tela
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Taíssa Stivanin, enviada especial a Illkirch Graffenstaden

Na pacata cidade de Illkirch Graffenstaden, nos arredores de Estrasburgo, na Alsácia, 160 profissionais da biotech francesa Transgene trabalham na produção da vacina terapêutica TG4050.

O produto é uma nova arma, inédita, na luta contra a recaída de cânceres precoces, e geralmente graves, da cabeça e do pescoço. Cerca de 70% deles são detectados em um estágio avançado e 60% dos pacientes têm uma taxa de sobrevida de cinco anos.

A vacina começou a ser testada em humanos em 2019, graças a parcerias com hospitais franceses, como o Instituto Curie, em Paris, e centros de tratamento nos EUA e no Reino Unido.

Após o fim dos testes clínicos da fase 1 com 32 pacientes, os dados mostram que, até agora, nenhum deles teve recaídas.O próximo passo agora é avaliar a perenidade da terapia e iniciar a seleção para a fase 2, que pode começar ainda neste ano.

A TG4050 é feita sob medida para cada paciente e ativa o sistema imunológico, utilizando um vetor viral, “remodelado” em laboratório e cultivado em ovos de galinha, que integrará o material genético derivado do tumor do paciente e ensinará nosso sistema imunológico a reconhecê-las e atacá-las.

Uma das características das células cancerígenas é que muitas vezes elas não são detectadas pelo nosso sistema de defesa. Um dos objetivos da vacina da biotech francesa é justamente torná-las visíveis, para que o corpo possa atacá-las.

O diretor científico da Transgene, Éric Quemeneur, acompanhou todos os passos do surgimento da vacina, desde o início do projeto, em 2017. Ele conta que a equipe se apoiou em uma base científica de dados fornecidos por vários estudos, o que facilitou a concepção do produto, que no meio farmacêutico, é chamado de medicamento candidato.

De acordo com o engenheiro químico, a vacina é produzida em várias etapas, dentro e fora do laboratório. Primeiramente, é necessário separar um pedaço do tumor do paciente durante a cirurgia para sua retirada, no hospital.

“A vacina TG 40.50.01 é uma vacina personalizada que vai recuperar elementos a partir do sequenciamento do tumor do paciente. Após a operação e esse sequenciamento, é possível identificar o conjunto de mutações presentes, que evoluíram ao longo do tempo”, explica.

Esse sequenciamento é feito em centros europeus especializados, explica. Em seguida, as mutações presentes no mapa genético do paciente são analisadas por uma ferramenta de IA de fabricação japonesa.

Utilizando algoritmos específicos, ela vai antecipar, entre as milhares de mutações, quais delas têm maior potencial para induzir uma resposta imunológica protetora e evitar as recaídas dos cânceres.

A vacina contra o câncer da biotech francesa Transgene deu bons resultados contra os tumores da cabeça e do pescoço
A vacina contra o câncer da biotech francesa Transgene deu bons resultados contra os tumores da cabeça e do pescoço © Divulgação

As informações coletadas pela ferramenta serão então enviadas ao laboratório francês e integradas a um produto fabricado sob medida para o paciente. “A sequência do DNA do paciente fornecida pela inteligência artificial será organizada para transportar os chamados peptídeos antigênicos, substâncias que induzem a resposta do sistema imunológico", explica.

"Esse transporte é feito por um vetor viral, construído a partir das informações genéticas do paciente. A vacina é construída em um laboratório de pesquisa biológica, utilizando métodos de síntese de DNA, clonagem molecular e expansão de um clone viral. Essa será a base do produto farmacêutico.”

Produção é demorada

A produção da vacina pode levar várias semanas. Ela depende dos prazos que envolvem a análise do tumor no hospital e a concepção do vetor viral no laboratório, essencial para transportar as informações necessárias ao organismo que vão desencadear a reação imunológica contra o câncer.

Quando o produto chega ao laboratório francês, são necessárias de 12 a 15 semanas para finalizá-lo, seguindo as normas farmacêuticas. Acelerar esse processo é uma das prioridades da biotech francesa. “Estamos trabalhando nisso. Vamos usar a experiência que adquirimos nas primeiras fases de desenvolvimento para identificar tudo que pode ser acelerado no processo", diz o diretor científico.

"Já trabalhamos em um procedimento que tornará possível fabricar a vacina em dois ou três meses, contando o tempo que leva a decisão de retirar o tumor, analisá-lo, e o tempo disponível para administrá-la ao paciente. O sistema preditivo da vacina foi validado. Nos testes, pelo menos uma das três mutações introduzidas no vetor viral gerou uma resposta imunológica detectável no organismo. Todos os pacientes reagiram”, reitera.

Os resultados do teste clínico da vacina foram destaque no Encontro Anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), o principal congresso mundial sobre câncer, que aconteceu em junho em Chicago.

Novo CEO quer acelerar produção

O CEO do laboratório francês, Alessandro Riva, chegou ao cargo há três meses. A biotech francesa, criada em 1979 e que já passou por dificuldades financeiras no passado, está em um bom momento, aposta o executivo. Riva está otimista com os resultados da fase 1 dos testes clínicos e se empolga com a ausência de recaídas nos pacientes que receberam o produto - alguns deles há vários anos.

“Fizemos um estudo randomizado de fase 1 e comparamos os pacientes que tinham recebido a nossa vacina individualizada e personalizada com outros que não receberam.Por hora não temos recaídas, e esse follow-up, ou acompanhamento, começa a ser considerável. Os pacientes tratados na fase 1 têm uma resposta imunitária contra as proteínas e mutações que selecionamos, e na qual estão baseadas as vacinas", diz. "É uma reviravolta para a empresa, mas também em relação a tudo que envolve vacinas individualizadas e personalizadas.”

A vacina TG4050 não deve estar disponível antes de 2027. Como todo produto farmacêutico, ela deve respeitar uma série de etapas antes de ser submetida à avaliação das agências de regulação, como a EMA ( Agência Europeia de Medicamentos) ou a FDA (Food and Drugs Administration), a agência americana de medicamentos.

O CEO reitera que acelerar o processo de produção continua sendo uma das prioridades para que, uma vez aprovada, a vacina possa beneficiar rapidamente os pacientes.

“Estamos investindo em um plano ambicioso de produção, que será compartilhado com as autoridades de saúde, e estamos otimistas. Acreditamos que ele será colocado em prática em um curto espaço de tempo”, sublinha. “Há esperança, é possível e tem vários exemplos que nos mostraram isso. Estamos pensando em uma solução com a ajuda de empresas estrangeiras, que têm know-how no setor.”

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