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Saúde em dia

Por que os homens vão menos ao médico para prevenir o câncer e outras doenças?

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Falta de prevenção pode comprometer rastreio de diversas doenças graves, como o câncer da próstata, por exemplo, que ainda é cercado de vários tabus.

O câncer da próstata é o segundo que mais atinge homens no Brasil
O câncer da próstata é o segundo que mais atinge homens no Brasil © Shutterstock / Shidlovski
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Taíssa Stivanin, da RFI

É uma evidência que dispensa estudos científicos: as mulheres vão mais ao médico. A maioria delas, independentemente da classe social, tem o hábito de consultar um ginecologista pelo menos uma vez por ano e de realizar exames mais ou menos "invasivos". A gravidez e o parto também ajudam a desmistificar de vez eventuais pudores femininos.

Esta constatação é feita também pelos profissionais da saúde que tratam de doenças masculinas, diz o oncologista brasileiro Rodrigo Mariano, especialista em tumores do trato genital e torácicos, que atende no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

“Faz parte da cultura da sociedade patriarcal e machista que a gente vive. Pensando na prevenção do câncer de próstata, que envolve o exame de toque retal, ainda existe um preconceito absurdo. Acredito que esteja diminuindo, mas ainda é algo muito forte”, lamenta. 

Como convencer os homens a fazer os exames de rotina, como o da próstata? Na opinião do oncologista, a difusão de informação de qualidade é essencial para que o comportamento masculino evolua em relação à prevenção.

“Hoje o acesso à informação é muito mais fácil, mas a qualidade é duvidosa. Nós, como profissionais da saúde, temos a obrigação de passar informações de qualidade e que agreguem, desmistificando qualquer tipo de preconceito”, frisa.

O câncer de próstata, diz, ilustra essa defasagem entre a preocupação feminina e masculina em relação à própria saúde. O tumor é o segundo mais comum entre os homens no Brasil e predomina em todas as regiões. O Inca (Instituto Nacional do Câncer) estima que 72 mil novos casos serão diagnosticados em 2023.

Rastreio começa aos 50 anos

A próstata é uma glândula situada na parte baixa do abdômen. A Sociedade Brasileira de Urologia recomenda que o rastreio seja feito nos homens a partir dos 50 anos. Os exames realizados são o toque retal e o PSA, que mede no sangue a quantidade de uma proteína produzida pela próstata, o Antígeno Prostático Específico. Se ele estiver elevado, pode indicar a existência de um tumor.

Em pacientes de alto risco, ou seja, que tem pais ou irmãos que tiveram câncer de próstata, ovário, mama ou pâncreas, os exames de prevenção começam aos 45 anos, explica o oncologista.

Isso porque eles podem ser portadores de algumas mutações genéticas e hereditárias que aumentam as chances de ter a doença. Esses casos, lembra o especialista, são minoritários. Em todas as situações, a boa notícia é que ele pode ser curado.

“O câncer de próstata é uma doença indolente, ou seja, menos agressiva, o que não quer dizer que não seja grave. O câncer é uma doença com potencial de levar o paciente a óbito em curto, médio ou longo prazo, e o de próstata não é diferente”, explica.

“Porém, na maioria dos casos, felizmente são doenças mais indolentes. Está muito associado à idade e acomete mais o homem idoso. Mais de 95% dos casos os pacientes têm mais de 50 anos e a média de idade gira em torno dos 70 ou 75 anos. ”

Fatores ambientais, que estão sendo cada vez mais associados a um risco maior de câncer, também devem ser levados em conta. Entre eles, a má alimentação, o sedentarismo e o tabagismo.

O oncologista Rodrigo Mariano, especialista em cânceres do trato urogenital, que atende no hospital Beneficiência Portuguesa, em São Paulo
O oncologista Rodrigo Mariano, especialista em cânceres do trato urogenital, que atende no hospital Beneficiência Portuguesa, em São Paulo © Divulgação

Recaídas são comuns

Os sintomas relacionados à doença dependem de se estágio e da localização, explica o oncologista, e podem incluir perda de disposição, de apetite, aumento da frequência urinária, incontinência, e dificuldade em iniciar e terminar a micção.

“Se você tem uma doença muito avançada e faz o diagnóstico com metástase, também pode ter uma gama de sintomas relacionados à localização dela. Geralmente câncer de próstata gera mais metástase óssea. Então, um sintoma muito comum é dor, aquela dor que não melhora. São dores ósseas, persistentes, com piora progressiva”, explica.

O câncer da próstata também pode ser assintomático e por isso o rastreio é importante. O oncologista lembra que o tratamento precoce, que envolve cirurgia e radioterapia, pode deixar o paciente sem sinais da doença por muitos anos.

Mas as recaídas locais ou em outros órgãos são relativamente comuns e ocorrem às vezes até dez anos depois da descoberta do primeiro foco de câncer. Por isso o acompanhamento é indispensável, mesmo em caso de cura.

Cerca de 30% dos pacientes diagnosticados com um foco localizado, ou seja, sem metástase, terão uma recidiva. Cerca de metade deles, em geral, responderão ao tratamento de resgate e poderão ser considerados como curados.

“Hoje em dia, com a dificuldade de conseguir eliminar por completo alguns tipos de câncer, uma estratégia é transformá-los em doenças crônicas, como diabetes ou hipertensão. Temos pacientes que vivem bem com o tratamento, mesmo com metástase. ”

Ele reitera que apesar da doença ter um potencial de letalidade, a evolução dos tratamentos, menos tóxicos e mais eficazes, fazem com os que os pacientes vivam melhor. “A comunidade científica tem conseguido desenvolver drogas melhores e menos tóxicos e os pacientes vivem mais e melhor. ”

Tratamento hormonal 

O oncologista lembra que o tratamento sistêmico mais comum é hormonal. “Ele envolve a privação androgênica, o que de maneira leiga podemos explicar como uma castração, que pode ser química ou cirúrgica, e corta a produção de testosterona do homem", diz.

"Nem sempre ela tem que ser definitiva, pode ser por um certo período de tempo, que varia entre seis meses e três anos, e é associada a outros medicamentos.” A quimioterapia endovenosa, explica, é usada em casos mais avançados.

“É importante lembrar que o homem deve se cuidar, fazer seus exames de rotina e de prevenção. A principal causa de mortalidade masculina são as doenças cardiovasculares. Então é preciso se cuidar e fazer exercícios físicos, tirar um tempo do dia e da semana só para isso e se alimentar bem", preconiza o médico. 

"Levei um baque"

O publicitário Édice Boteguim Junior descobriu que tinha câncer de próstata em 2022, aos 65 anos. Habituado aos exames de rotina, ele teve um choque ao receber o diagnóstico. “Quando você recebe a notícia de que tem câncer, é um baque muito grande. Chorei e reuni meus filhos”, diz, pensando que poderia morrer.

Édice conta que a equipe decidiu não operar o tumor, que estava se desenvolvendo de forma rápida e agressiva, mas sem metástase para outros órgãos no momento do diagnóstico.

Para combatê-lo, o publicitário realizou um tratamento oral para diminuir a testosterona e fez 39 sessões de radioterapia. O tratamento completo, diz, deve demorar até dois anos e meio.

O publicitário, que é dono de uma agência de comunicação, concorda que passar a mensagem de prevenção para os homens é uma tarefa difícil. Ele conta que, justamente, criou uma campanha há anos atrás para incentivar os homens a prevenir o câncer de próstata, a pedido de um laboratório.

“Conversamos com muitos médicos e, é verdade, o homem não faz o exame”, diz. “As pessoas às vezes não têm um bom plano de saúde, começa por aí. Mas tem o machismo? Tem. Então fizemos uma campanha para a mulher, que está toda hora no ginecologista, convencer o homem a fazer o exame da próstata.”

Ele mesmo diz que a maioria dos seus amigos não faz o rastreio e, ao contar que tinha câncer, aproveitou para incitá-los à prevenção, o que acabou sensibilizando alguns deles. “Disse: façam o exame do PSA e deixem o médico verificar se será necessário ou não o exame de toque, apesar de sabermos que, na prática, ele deverá ser feito. ”

A notícia do câncer, conta Édice, também veio em um momento pessoal delicado, já que havia se separado da mulher um pouco antes do diagnóstico. Como o tratamento corta a libido e gera cansaço, ele prefere, por enquanto conviver com a solidão e se concentrar no tratamento. “É uma questão de tempo: tenho que encarar como um objetivo único e certeiro. Essa é a meta agora. E trabalhar, enquanto isso, para pagar os boletos", resume.

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